Capítulo 4

Finjo que não é comigo. Dou-lhe as costas e entro no meu carro, contendo a vontade de insultá-lo. Só pela minha filha é que me mantenho calma.

Em que é que isso o afeta? Além disso, foram só uns segundos. Ainda bem que não fiquei nessa empresa, porque todos os sócios devem ser uns completos desgraçados... e eu, sinceramente, sou muito explosiva.

—O que é que te disse aquele bombom? Não o vi bem, estava distraída com a Emma, só ouvi qualquer coisa e depois vi-lhe as costas —pergunta Trini, aproximando-se por trás e abanando-me os ombros com insistência.

—Que não era sítio para estacionar —respondo, ainda aborrecida.

—Ah, não posso acreditar... É que é impossível que alguém não repare em ti. Diz-me, quantos é que trazes loucos atrás de ti? Imaginas-te a ser a namorada de um sócio ou de um rico?

—Dois —diz Emma muito séria, levantando dois dedinhos.

É inevitável rir. Não entende a conversa, mas quer fazer parte dela.

Trini também se ri e seguimos o nosso caminho até ao centro comercial.

—Porque é que a minha mãe foi hoje trabalhar? —pergunta de repente.

—Disse-me que lhe pediram para ir —respondo.

—Quando? Se hoje me disse que íamos buscá-las para sair a festejar o teu novo posto.

Então percebo tudo. Ela nunca planeou trabalhar hoje. Mentiu-me, foi falar para que me dessem o posto.

Ligo-lhe de imediato, mas vai para o voice mail.

Subimos ao segundo andar do centro comercial quando chegamos. Elas pedem comida, mas eu só peço um batido de melão. Não tenho fome.

Depois de comer, pedem sobremesa. Emma desfruta do seu gelado e observo-a, com o coração apertado. Se algum dia alguma coisa lhe acontecesse... eu morria.

Uma mão a acenar à minha frente tira-me do meu transe. É Trini.

—O teu telemóvel, Vale! Valeee!!

Reajo e atendo ao ver que é a minha tia.

—Valentina, querem que venhas hoje mesmo a uma entrevista. Se passares, contratam-te —diz com uma emoção que lhe transborda na voz.

Está tão feliz que não tenho coração para lhe dizer o que realmente sinto. Por isso finjo entusiasmo.

—Já vens?

—Sim —responde rápido.

—Estamos onde sempre.

—Perfeito —diz-me antes de desligar.

Trini olha para mim com cara de: o que é que aconteceu?

—A tua mãe conseguiu-me uma entrevista para um posto.

—Ah, Vale, eu sabia! —diz dando saltinhos de emoção. E Emma aplaude feliz e, no processo, larga o gelado que cai no chão.

Tiro umas toalhitas húmidas da minha mala e limpo a porcaria. Caminho para o caixote do lixo para as deitar fora quando alguém me fala:

—Vale? És tu?

—Engana-se com alguém —respondo, sem olhar para ele, ajeitando os óculos de sol.

—Desculpa, pensei que eras a Valeria —diz, e vai-se embora.

Trini, claro, ri-se mal ele desaparece.

—O que é que se passa com ele? Como assim Valeria? Por um momento, quando te disse “Vale”, pensei que ia dizer Valentina.

—Temos de ir para outro sítio —digo-lhe com tom seco, sem querer alongar o tema.

Saímos do centro comercial e mesmo à entrada damos de caras com a minha tia.

—Já íamos sair —digo-lhe.

—De facto, tens de procurar os teus documentos —responde.

Assinto em silêncio e as quatro entramos no meu carro.

—Mãe, um sujeito confundiu a Valentina, verdade? —pergunta Emma de trás.

Assinto olhando para ela pelo retrovisor.

—Ficamos em casa com a Emma. Tu não te preocupes com ela, quero que te concentres nisto —diz a minha tia com firmeza.

Começa a explicar-me tudo o que devo levar e como será o processo. Eu só assinto a cada palavra, desejando que este dia termine...

Ao chegar a casa, procuro entre o meu armário roupa que seja adequada ao vestuário de escritório. Nada demasiado formal.

Tomo banho e arrumo-me com esmero. Ao sair, Trini observa-me com os olhos bem abertos.

—Prima... estás linda —diz com admiração.

Sorrio-lhe, agradecendo-lhe. A minha tia olha para mim com orgulho desde a cozinha.

Pego em Emma, que está no sofá, mais calada do que o habitual. Sento-a nos meus braços e embalo-a com suavidade até que adormece. Só então me tranquilizo um pouco. Se não conseguir este trabalho, pelo menos tentei com tudo. Não me sentirei mal com a minha tia só porque eles não me contratam.

Despeço-me delas e conduzo até à empresa; noto que os empregados têm a sua própria área de estacionamento. Deixo o meu carro onde corresponde e aliso a saia antes de entrar. Na receção pergunto pela entrevista de trabalho, e uma rececionista indica-me o andar para onde devo ir.

Subo no elevador. À medida que os números avançam, a minha ansiedade aumenta. Quando chego, estou prestes a sair quando o som de um choro me faz hesitar. Uma mulher sai de um escritório com o rímel borrado, mas nem isso a apaga já que tem um corpo de modelo e o cabelo comprido loiro.

Engulo saliva e acho que isto não é normal, estou prestes a voltar atrás quando...

—A senhorita Valentina? —pergunta um jovem de olhos verdes, que parece saído de uma revista.

Assinto com um sorriso nervoso.

—Muito prazer. Sou Julián, eu vou entrevistá-la —diz amavelmente, apontando para um dos escritórios.

A jovem passa a bater no meu ombro e olho para ela com má cara, mas ela está mais preocupada olhando para trás, acho que espera que alguém a pare.

Entro com ele para um escritório. Surpreende-me notar que todos os escritórios são de vidro. Nenhuma privacidade. Tudo se vê, tudo se ouve. Sento-me em frente à secretária.

—Aqui o primordial é a lealdade —diz Julián, lendo algo no seu tablet—. Saber que nada do que aconteça aqui ou se ouça deve ser divulgado lá fora.

Assinto com firmeza, embora algo dentro de mim se tensione. E não é pelas suas palavras, mas sim porque sinto um olhar fixo. Olho para o corredor... e vejo-o.

O homem desta manhã.

Fato escuro. Olhar gélido. Mesmo porte arrogante. Sem dúvida é ele. Os meus olhos cruzam-se com os seus, e por um segundo paraliso. Depois desvio o olhar de imediato, voltando a concentrar-me em Julián.

Mas então, o som da porta a abrir-se com brusquidão sobressalta-me.

—Quem é ela e o que faz aqui? —pergunta essa mesma voz autoritária que me deteve de manhã quando vim deixar a minha tia.

Engulo saliva com força enquanto Julián se põe de pé, conservando a calma.

—Senhorita Valentina, ele é o nosso CEO e dono da empresa. Armando Garza... ela é a Valentina, e estou a entrevistá-la para ver se poderia ser a tua nova secretária.

A sua... secretária?

As minhas mãos tremem, agarrando-se ao tecido da minha saia. Apenas vim de manhã e já consegui arranjar um inimigo no próprio dono da empresa... mesmo na empresa onde trabalha a minha tia. Evito vê-lo já que me reconhecerá.

Só a mim é que me acontecem estas coisas.

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