Minha tia está sentada na minha frente.
— Pronto, te recomendei — diz com um sorriso orgulhoso.
— Obrigada — respondo enquanto verifico meu celular e noto que já receberam meu currículo. Surpreende-me, já que não são horas de expediente. Olho para a hora: 4:00 da manhã.
Essa gente não dorme ou o quê? Devem ser exploradores assim — penso, franzindo a testa.
Mas ao ver a ilusão refletida no rosto da mãe de Trini, respiro fundo e decido pensar positivo.
— Para quando é a operação de Emma?
— Ainda não tem data — digo com um fio de voz, cansada.
Ela se levanta, faz um sinal para Trini.
— Vamos, que Vale tem que descansar — diz, e Trini se aproxima para me abraçar com ternura antes de ir embora.
Fecho a porta suavemente e subo para o meu quarto. Deito-me ao lado de Emma, abraço-a e fecho os olhos com força. Como uma lufada, chega à minha mente a lembrança dos meus pais adotivos... dando-me tudo, educando-me com esmero, sem que eu soubesse que, na realidade, só estavam me preparando para ser a mulher do seu filho.
Minha mãe biológica havia trabalhado para eles. Faleceu quando eu era muito pequena, e me deixaram aos cuidados dessa família, que se supunha que deveriam cuidar de mim.
Corto a lembrança bruscamente, levanto-me de repente com o coração batendo como um tambor. Faltava-me o ar.
Um dia encontrei cartas da minha tia, perguntando sempre pela minha mãe e por mim. Assim consegui contatá-la, assim voltei a ter família. Mas ela não sabe nada do meu passado, e quero que assim fique. Quero que pense que fui apenas uma jovem ingênua que engravidou de um imbecil que nos abandonou. É mais fácil viver com essa versão.
Vou ao banheiro e, ao passar em frente ao computador, vejo uma notificação de e-mail.
> Agradecemos o seu interesse em trabalhar conosco, mas já escolhemos outra candidata. No futuro, caso surja outra vaga, a levaremos em consideração.
— Idiotas... como se esse trabalho fosse para atender o rei da Inglaterra — murmuro, com sarcasmo.
Estou irritada. Frustra-me, ofende-me. Não queria trabalhar aí, mas me irrita.
— Afinal, quem quer trabalhar em uma empresa corrupta e cheia de homens que se acham o centro do universo? — resmungo sozinha enquanto escovo os dentes.
Continuo falando sem filtro, brigando com ninguém, até que uma vozinha me interrompe.
— Mamãe...
Calo-me imediatamente e saio do banheiro. Emma está sentada na cama, esfregando os olhinhos com as mãozinhas. Subo na cama e faço cócegas nela. Ela ri, e quando está bem acordada, pego-a no colo e levo-a ao banheiro.
Enquanto escovo os dentes dela, encosta sua bochecha na minha e nos olhamos no espelho. O reflexo me comove... é idêntica a mim. Uma mini versão de mim, com essa carinha de anjo que tudo cura.
Visto-a com cuidado, penteio-a com duas marias-chiquinhas e depois me arrumo. Sempre gostei de combinar nossas roupas. Hoje usamos blusas da mesma cor: ela com uma calça jeans e eu igual, só que ela com tênis e eu com umas sapatilhas.
Coloco sua bolsinha no peito, essa que não larga nem para dormir, e pego a minha. Saímos de casa e coloco os óculos de sol.
— Como está minha princesa? — diz minha tia, abaixando-se para pegá-la no colo.
Emma a rodeia com seus bracinhos.
— Olá, Titia — diz minha filha, recostando-se em seu ombro como se ali estivesse seu refúgio.
— Já responderam sobre a vaga — digo à minha tia — Que já escolheram outra pessoa.
Vejo a desilusão em seu rosto e algo mais, mas não consigo saber o que é. Sei que no fundo quer que eu não trabalhe mais naquele lugar. Não confia neles... mas eu já me acostumei.
— Como está a princesa mais hermosa do planeta? — diz Trini, enchendo Emma de beijos.
— Que lindas! Aonde vão?
— Quero levar Emma ao shopping — respondo — Na verdade, primeiro vínhamos com vocês para irmos juntas. Querem vir?
— Até a pergunta ofende! — diz Trini correndo de novo para sua casa, e eu rio.
— Entro para trabalhar em uma hora — comenta minha tia enquanto verifica seu relógio.
— Supõe-se que hoje você descansava... por isso pedi os meus, para coincidir com você.
— Assim é, mas uma mulher da minha idade já não pode se dar ao luxo de arriscar que a demitam.
— Tia, não se trata disso. Têm que respeitar seu horário. Pediram de boa forma? Vão te dar outro dia em troca? Além disso, você está jovem e bonita também.
E é que não minto, minha tia soube se manter apesar de ser viúva.
Ela me olha com ternura, mas evita responder.
— Cuidem-se. Estou atrasada — diz finalmente, deixando um beijo na testa de ambas.
E com isso me diz mais do que pensa. Sei que seu chefe é um maldito que não tem consideração. Tomara que no dia em que o demitirem, pelo menos lhe deem ações da empresa, porque a cuida como se fosse sua.
Trini sai rápido, e depois minha tia.
— Te levo — ofereço.
— Não, vocês vão. Eu pegarei o ônibus de sempre.
— Tia, não é uma opção. Vamos — digo abrindo a porta.
— Vamos, Titia! — acrescenta Emma, e isso a convence.
Sobe sem discutir mais.
— Não quero que brigue, Vale — me adverte.
— Não vou — asseguro com um sorriso.
Chegamos à empresa. É a segunda vez que venho e não deixa de me impressionar o quão enorme e luxuosa é. Vidros polarizados, portas automáticas, uma fonte elegante no centro. Parece outro mundo.
Minha tia desce, se despede com um beijo e entra no edifício.
De repente, escuto um som estranho no pneu traseiro. Desço para verificar.
Justo quando me abaixo, uma voz grave me sobressalta:
— É proibido estacionar aqui.
Giro-me imediatamente e não posso evitar... por um momento sinto que fico de boca aberta.
O homem que tenho à minha frente nota-se que não é qualquer um, está muito bem e sua presença é algo que não passa despercebida.
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Atualizado até capítulo 80
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