NARRADO POR NAYLA.
A noite anterior tinha sido estranha.
O rosto dele não saía da minha mente. Alto, imponente, parado no alto da escadaria como um soberano, me observando como se eu fosse um segredo a ser decifrado. Não havia sorriso, nem saudação, apenas aquele olhar que atravessava — e que parecia saber mais sobre mim do que eu mesma.
Eu mal dormi. A mansão Orlov não era um lugar comum, e eu já tinha percebido isso desde o primeiro momento. Tudo ali parecia respirar silêncio e poder. Até os funcionários se moviam como se pisassem em vidro, com passos contidos e olhares baixos.
Acordei antes do amanhecer. Ainda não estava acostumada ao fuso horário nem ao frio cortante de Moscou. O vento batia na janela, e eu me encolhi no cobertor por alguns segundos, antes de lembrar que não estava ali para me dar ao luxo de preguiça.
Tomei um banho rápido e vesti o uniforme simples que Galina tinha me dado: saia preta, blusa branca de mangas compridas e um avental fino. Prendi o cabelo em um coque mal feito, deixando alguns cachos escaparem — não por vaidade, mas porque era impossível domar todos. Me olhei no espelho e respirei fundo.
Era só mais um dia de trabalho. Eu precisava lembrar disso.
Quando cheguei à cozinha, o cheiro de pão fresco me recebeu. Ludmila, a cozinheira-chefe, já estava de pé, tirando bandejas douradas do forno.
— Bom dia, Nayla — disse ela, sem muito calor na voz, mas com uma educação ensaiada. — Hoje você ajuda a arrumar o salão de café da manhã.
Assenti. Era a primeira vez que teria acesso ao salão principal, aquele onde a família Orlov fazia as refeições. Senti um frio na barriga. Eu sabia que ele estaria lá.
Atravessar os corredores até o salão era como percorrer um museu. Lustres de cristal, esculturas caras, quadros de paisagens congeladas. Tudo perfeito, tudo calculado. Mas o que me chamou atenção foi o silêncio. Não o silêncio comum de uma casa grande pela manhã — era um silêncio denso, quase sufocante. Parecia que até as paredes escutavam.
No salão, comecei a arrumar a mesa comprida de madeira escura. Cada talher tinha seu lugar exato, cada prato um alinhamento específico. Galina passou por mim e corrigiu a posição de um guardanapo sem sequer olhar para mim, apenas murmurando:
— Aqui, tudo precisa ser impecável. Sempre.
Enquanto ajeitava uma taça, ouvi passos. Passos firmes, pesados, como de alguém que nunca precisou pedir passagem. Meu corpo reagiu antes mesmo de eu me virar.
Era ele.
Nikolai Orlov entrou no salão sem pressa, vestindo um terno cinza impecável. O cabelo loiro estava levemente bagunçado, como se não tivesse se importado em ajeitá-lo — e ainda assim parecia saído de uma revista. O rosto sério, a barba bem aparada, e aqueles olhos… tão frios que davam a impressão de que todo o calor do mundo poderia desaparecer se ele me olhasse tempo demais.
E ele olhou.
Não foi um olhar rápido. Foi prolongado, calculado. Ele me mediu dos pés à cabeça, sem expressão. Eu me mexi desconfortável, desviando os olhos para a toalha da mesa. Senti minhas mãos suarem, mesmo no frio.
Ele se aproximou lentamente, parando a poucos passos de mim. O ar pareceu ficar mais pesado.
— Você é nova — disse, a voz grave, rouca, carregada de um sotaque quase imperceptível. — Qual é o seu nome?
— Nayla… senhor — respondi baixo.
Ele não disse nada por alguns segundos. Apenas me observou, como se estivesse gravando meu rosto na memória. Depois, um canto de sua boca se ergueu levemente — não exatamente um sorriso, mas algo perto disso.
— Bem-vinda à minha casa.
E passou por mim, sentando-se à cabeceira da mesa.
Eu só consegui respirar de novo quando ele desviou o olhar.
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O café da manhã foi servido, e eu fiquei de pé ao fundo do salão, junto com outros funcionários, esperando ordens. Nikolai conversava pouco. Quando falava, sua voz era firme e baixa, e todos o ouviam com atenção imediata, como se cada palavra dele fosse lei. Era impossível não reparar no controle que ele exercia sobre tudo.
Entre um gole de café e outro, ele pegou o celular e atendeu uma ligação. Não entendi a língua — provavelmente russo —, mas o tom era de comando absoluto. O olhar dele se estreitou, e então ele disse algo que fez o homem ao lado dele, Sergei, erguer as sobrancelhas.
— Vá buscá-lo. Agora.
Sergei levantou-se, sem questionar, e saiu. Eu continuei no meu lugar, tentando parecer ocupada enquanto observava discretamente.
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Algum tempo depois, estava ajudando Ludmila na cozinha quando ouvi barulho vindo do corredor lateral. Vozes masculinas, passos apressados. A curiosidade me venceu, e eu me aproximei da porta entreaberta que dava para um pequeno pátio interno.
Do lado de fora, dois homens seguravam outro, empurrando-o contra a parede. O homem estava ensanguentado no rosto, respirando com dificuldade. E então ele apareceu novamente — Nikolai.
Calmo. Frio.
Ele se aproximou, e o silêncio caiu sobre o pátio. Os dois que seguravam o prisioneiro se afastaram, deixando-o encarar o chefe.
— Você mentiu para mim — disse Nikolai, sem levantar a voz. — E, na minha casa, isso não acontece.
O homem tentou dizer algo, mas Nikolai ergueu a mão, interrompendo-o.
— Palavras não importam mais. Só consequências.
Não vi exatamente o que aconteceu depois. Um dos capangas fechou a porta assim que me viu, e voltei correndo para a cozinha, o coração disparado.
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Passei o resto do dia com aquela cena na mente. Ele não precisava gritar, não precisava ameaçar. Ele era a ameaça.
Ao anoitecer, fui liberada para minha folga mais cedo. Camila me esperava na casa dela, e no caminho tentei agir como se fosse apenas mais um dia. Mas, quando fechei os olhos naquela noite, o que vi foi o mesmo olhar frio e calculista me atravessando, como se já soubesse que, cedo ou tarde, eu não conseguiria escapar dele.
E talvez… eu não quisesse.
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Atualizado até capítulo 34
Comments
Karla Barbosa Marinho
eu também já quero ele kk
2025-08-20
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