Capítulo 5
O ar da sala parecia pesado, como se faltasse oxigênio. Vanessa estava vermelha, os olhos faiscando, a respiração ofegante de tanta raiva. Eu quase podia ouvir meu coração batendo nos ouvidos, mas antes que ela pudesse dizer mais, Henrique se levantou.
Sua presença dominou o espaço de uma forma que me fez esquecer até de respirar.
— Chega, Vanessa. — A voz dele cortou o ar como uma lâmina. Não era alta, mas tão firme que pareceu ecoar nas paredes. — Essa histeria não cabe aqui.
— Histeria?! — ela gritou, apontando para mim. — Você enfia essa mulher dentro do seu escritório e ainda quer que eu fique CALMA?!
Henrique deu um passo à frente, o olhar frio e calculado.
— Você não está no seu palco. Aqui quem dita as regras sou eu.
Por um instante, o silêncio se impôs. Vanessa mordeu os lábios, tremendo de fúria. Então, sem aviso, avançou na minha direção.
Meu corpo gelou, mas antes que ela pudesse me tocar, ergui o braço, bloqueando o movimento dela com firmeza. Não sei de onde veio a coragem — talvez de todos os anos engolindo agressões, talvez do desejo de nunca mais me encolher diante de ninguém.
— Não encosta em mim. — Minha voz saiu firme, surpreendendo até a mim mesma.
Os olhos dela se arregalaram, como se não esperasse resistência. Por um segundo, ficou paralisada, e eu vi no reflexo dela a mulher que eu já não era mais: aquela que apanhava em silêncio, que aceitava humilhações. Essa versão tinha ficado no passado.
Henrique observava tudo, braços cruzados, uma sombra de sorriso irônico nos lábios.
— Interessante… — murmurou. — Parece que nem todo mundo aqui se dobra com facilidade.
Vanessa soltou um riso nervoso, virando-se para ele.
— Você vai deixar que essa qualquer uma me enfrente desse jeito?!
— Vou deixar que ela se defenda, já que foi você quem a atacou. — respondeu, gelado, cada palavra carregada de autoridade. — E se não sabe lidar com isso, o problema é seu, não meu.
Ela ficou sem palavras, respirando fundo como se fosse explodir outra vez. Mas, no fim, apenas pegou a bolsa e saiu batendo a porta, o salto ecoando pelo corredor.
O silêncio voltou.
Eu ainda sentia as mãos trêmulas, mas não desvie meus olhos de Henrique. Ele, por sua vez, me encarava com aquela mistura estranha de seriedade e provocação.
— Então você também sabe morder, Yasmin. — disse, em tom baixo, quase divertido. — Eu estava começando a achar que só sabia abaixar a cabeça.
Engoli em seco, sem saber se ele falava aquilo como elogio ou desafio. Talvez fosse os dois.Depois que Vanessa saiu batendo a porta, o silêncio se instalou outra vez. Eu ainda respirava fundo, tentando me recompor, mas Henrique apenas caminhou de volta à mesa, como se nada tivesse acontecido.
Sentou-se, ajeitou a gravata e cruzou as mãos sobre a mesa. O olhar castanho voltou-se para mim, firme, carregado de algo que eu não sabia se era curiosidade ou pura diversão.
— Muito bem, Yasmin. Já que sobreviveu à minha esposa e ao circo que é minha família, está pronta para ouvir o motivo real pelo qual trouxe você até aqui?
Assenti, engolindo em seco.
Ele se inclinou para a frente, a voz baixa e séria:
— Quero que seja minha assistente pessoal.
A palavra ficou ecoando na minha mente. Assistente. Pessoal.
— Assistente… pessoal? — repeti, confusa.
Henrique ergueu a sobrancelha, aquele sorriso irônico surgindo outra vez.
— Isso mesmo. Vai me acompanhar em tudo. Reuniões, eventos, viagens… — fez uma pausa calculada e completou, em tom provocador: — Até no banheiro, se eu pedir.
Arregalei os olhos, e ele soltou uma risada curta, debochada.
— Calma, não precisa ficar assustada. — disse, ainda rindo. — Não sou tão cruel assim. Mas o recado é claro: eu quero alguém que esteja ao meu lado em absolutamente tudo.
A tensão voltou a apertar meu peito. A ideia de estar grudada a ele, desse jeito, me deixava nervosa — não apenas pelo trabalho em si, mas porque a presença de Henrique já me consumia só por algumas horas. Imagina todos os dias?
— Mas por que eu? — perguntei, quase num sussurro. — Tem tantas pessoas mais preparadas…
Ele me encarou sério, o tom mudando.
— Porque você não é como elas. As outras sabem sorrir bonito, sabem mentir, sabem vender uma imagem. Você, não. Você tem medo, tem falhas, mas mesmo assim encara. Isso… me interessa.
Meu coração disparou. Eu não sabia se era um elogio ou uma armadilha.
Henrique então se recostou na cadeira, cruzando as pernas com calma.
— Então, Yasmin… vai aceitar o desafio? — o sorriso voltou, irônico, como se já soubesse a resposta. — Ou vai fugir antes de começar?Henrique ficou me encarando por alguns segundos, como se conseguisse atravessar minha pele e ler tudo que se passava dentro de mim. Então, inclinou-se para frente, apoiando os cotovelos na mesa.
— Não precisa responder agora. Pense. Mas não pense demais. — A pausa dele foi curta, mas cheia de peso. — O mundo não espera. Nem eu.
Senti um arrepio subir pela nuca, uma mistura de medo e excitação. Ele falou aquilo com uma calma que parecia mais perigosa do que um grito.
Levantei-me, guardando meu currículo dobrado na bolsa, junto do cartão que ele havia me dado na rua. Henrique fez um gesto com a mão, quase como quem dispensa alguém, mas seus olhos não desgrudaram dos meus até eu chegar à porta. Saí do escritório sentindo que deixava um pedaço de mim para trás — ou talvez estivesse trazendo comigo algo que eu ainda não sabia nomear.
A gerente da padaria havia sido compreensiva naquela manhã. Permitiu que eu me ausentasse para a entrevista, embora tivesse deixado claro que era a última vez que poderia cobrir meus atrasos. Eu ainda tinha aquele emprego, mas a qualquer momento poderia não ter mais. Era uma corda bamba: de um lado, a rotina estável e apertada; do outro, a promessa arriscada de um futuro diferente.
As horas seguintes se arrastaram. Atendi clientes, servi cafés, limpei balcões, tudo como sempre, mas a cabeça não estava ali. As palavras de Henrique rodavam como um eco dentro de mim: “Vai me acompanhar em tudo… Até no banheiro, se eu pedir.” A ironia me fazia querer rir, mas logo vinha o peso do que ele realmente quis dizer.
Assistente pessoal.
Dele.
O que isso significava na prática? Lidar com Vanessa todos os dias? Com o olhar penetrante dele sobre mim a cada instante?
Sacudi a cabeça, tentando espantar os pensamentos. O suor escorria pela testa enquanto eu carregava bandejas. Uma colega percebeu minha distração.
— Tá tudo bem, Yasmin? Parece que tá em outro mundo.
— Só cansada. — Menti, forçando um sorriso.
Mas dentro de mim, uma batalha se formava. Não era apenas sobre trabalho, era sobre quem eu estava disposta a me tornar.
Quando o expediente terminou, despedi-me rapidamente e segui a passos firmes até a casa da vizinha. Cada rua parecia mais longa do que de costume. O sol já se escondia, tingindo o céu de laranja e roxo, e eu só pensava em abraçar Luccas, em sentir aquele cheiro doce de criança que apagava, mesmo que por segundos, todo o peso da vida.
A vizinha abriu a porta com seu sorriso acolhedor.
— Ele foi um anjinho hoje. Brincou, comeu direitinho e até tirou um cochilo.
Meu coração derreteu. Abracei Luccas com força, e ele se agarrou a mim, rindo com a boquinha suja de biscoito.
— Mamãe! — gritou, como se tivesse passado semanas sem me ver.
Despedi-me da vizinha com gratidão, prometendo retribuir o favor qualquer dia, embora no fundo soubesse que mal conseguia retribuir a vida.
No caminho de volta para casa, senti a tensão voltar. Não sabia de onde vinha, mas havia algo no ar. O vento parecia mais frio, e uma estranha ansiedade me apertava o peito. Apertei Luccas contra mim, beijando seus cabelos.
Subimos as escadas devagar. Cada degrau parecia mais pesado que o anterior. Quando finalmente girei a chave da porta, a sensação estranha explodiu dentro de mim, como se o instinto estivesse tentando me avisar de algo.
Entrei, equilibrando Luccas no colo e a bolsa no ombro. A primeira coisa que notei foi o silêncio. Não o silêncio comum da casa vazia, mas um silêncio tenso, carregado.
Então vi.
Uma pessoa estava sentada no sofá.
Por um instante, pensei que fosse alucinação. O coração disparou tão forte que senti as pernas bambas. Apertei Luccas contra mim, incapaz de soltar qualquer palavra.
A surpresa era real. Uma presença que eu jamais esperaria encontrar ali, no meu lar, sem aviso, sem explicação.
E naquele instante, sem conseguir decidir se era um presságio bom ou mau, percebi apenas uma coisa: nada na minha vida seria igual depois daquele encontro.
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Comments
Gohan
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2025-08-21
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