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Capítulo 3

Quando cheguei em casa, Luccas correu para meus braços, como se eu tivesse estado fora por dias. O alívio de sentir sua pele fresquinha, sem sinais de febre, foi maior que qualquer cansaço que me consumia. Abracei-o forte, respirando seu cheirinho, como se aquele momento pudesse apagar as angústias da rua.

— Mamãe voltou, meu amor… — sussurrei, e ele sorriu, aliviando minhas dores mais do que qualquer remédio faria.

Preparei o jantar simples de sempre — arroz, feijão e um pouco de frango desfiado. Enquanto ele comia, eu observava suas bochechas coradas e pensava que tudo aquilo valia a pena. Por ele, eu suportaria o mundo inteiro.

Depois de colocá-lo para dormir, sentei na beira da cama e encarei o espelho da cômoda. O reflexo mostrava meus olhos cansados, olheiras profundas e… o cabelo. Ainda longo, caindo sobre os ombros, exatamente como ele sempre gostou.

Uma lembrança atravessou minha mente como uma lâmina afiada.

O quarto em meia-luz. O cheiro forte de bebida impregnado no ar. Eu encolhida no canto, tentando me proteger dos gritos que vinham junto com a mão pesada dele. Cada vez que me levantava, cada vez que tentava reagir, o mundo desabava sobre mim em golpes. E depois… o falso arrependimento.

Ele passava a mão pelos fios do meu cabelo, murmurando:

— Eu só perco a cabeça… Mas você sabe que eu amo o seu cabelo comprido, não é? É tão bonito assim…

Bonito. A palavra sempre vinha junto com a dor. Como se meus fios fossem correntes invisíveis que me prendiam ao passado.

Pisquei forte, afastando as lágrimas. Levantei, fui até a cozinha e peguei a tesoura. O coração batia acelerado, como se fosse um ato proibido. Segurei a primeira mecha e, por um instante, quase ouvi a voz dele ecoando em minha mente, ameaçadora. Mas engoli o medo.

— Acabou. — murmurei, firme, como se falasse para o fantasma dele.

O som metálico da tesoura cortando os fios encheu o silêncio da casa. Mecha por mecha, o peso do passado ia caindo no chão. Cada pedaço arrancado era como um grito preso finalmente liberto. Quando terminei, o espelho refletia uma mulher diferente. Mais leve, mais dona de si.

Passei a mão pelos fios curtos e, pela primeira vez em anos, não senti vergonha, nem medo. Senti liberdade.

Voltei ao quarto, deitei ao lado de Luccas e beijei sua testa. Ele suspirou no sono tranquilo, e eu sorri com os olhos marejados.

Talvez o futuro ainda fosse incerto. Talvez amanhã a vida me jogasse outra vez no chão. Mas, naquela noite, eu havia dado um passo.

Um corte simples, mas que me lembrava: eu não era mais a mulher aprisionada do passado.

Eu era Yasmin. Mãe, guerreira. E agora, finalmente, começando a renascer.A manhã começou na correria de sempre. Dei banho rápido no Luccas, preparei sua mochilinha com fraldas, mamadeira e o ursinho de pelúcia que ele não largava por nada. Ele resmungava no meu colo, ainda meio sonolento, mas abriu um sorriso largo assim que chegamos à porta da vizinha.

— Bom dia, Yasmin. Pode deixar comigo — ela disse, recebendo-o nos braços.

Luccas me olhou com aqueles olhos grandes e balbuciou:

— Mamãe volta?

Ajoelhei-me diante dele, ajeitando sua mãozinha pequenina na minha.

— Claro que volto, meu amor. A mamãe sempre volta.

Beijei sua testa e, com o coração apertado, segui para o trabalho.

As horas passaram lentas, cada tarefa feita no automático, como se meu corpo estivesse ali, mas a mente em outro lugar. O cartão dentro da bolsa parecia pesar o dobro, chamando minha atenção a cada instante.

Quando finalmente terminei o turno, despedi-me das colegas e caminhei pela rua, sentindo o calor do sol bater forte. Parei embaixo de uma sombra e respirei fundo. Peguei o celular, encarei o cartão novamente e, com as mãos trêmulas, disquei o número.

O telefone chamou uma, duas vezes… até que a voz grave respondeu:

— Alô, Henrique falando.

Meu coração disparou. Por um instante, pensei em desligar, mas a imagem de Luccas sorriu em minha mente, me dando coragem.

— Oi… é a Yasmin. — Minha voz saiu quase um sussurro. — Eu… o senhor me deu um cartão ontem.

Do outro lado, houve uma breve pausa, seguida por um tom firme, mas acolhedor:

— Sim, eu lembro de você. Fico feliz que tenha ligado. Podemos conversar?

Engoli em seco, olhando ao redor como se o mundo todo estivesse esperando minha resposta.

— Podemos.

Ele continuou, com uma calma que me desconcertava:

— Não precisa se preocupar. Não é nada complicado. Quero entender melhor sua situação… e talvez, oferecer uma oportunidade. Você teria como vir até meu escritório amanhã?

Olhei para o céu, buscando forças. Parte de mim gritava para desconfiar, para não me iludir. Mas outra parte — a que carregava esperança — sussurrava que era uma chance real.

— Sim. Eu vou.

— Ótimo. Anote o endereço — disse ele, e em seguida me passou as informações. Sua voz firme parecia atravessar minhas inseguranças. — Yasmin… eu sei que não é fácil confiar, mas agradeço por dar esse passo.

Desliguei com as mãos suadas, o coração acelerado. Guardei o celular e, por um instante, fechei os olhos. Talvez fosse apenas uma conversa. Talvez nada mudasse. Mas só o fato de alguém acreditar que eu merecia uma chance já era diferente de tudo que eu tinha vivido até agora.

Com passos apressados, voltei para buscar meu filho. Luccas correu até mim, os bracinhos abertos.

— Mamãe!

Abracei-o forte, escondendo o cartão no bolso como se fosse um segredo precioso. Um pedaço de esperança, que talvez pudesse mudar nossas vidas.

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Comments

Kenneth

Kenneth

Não consigo esperar para ler mais, você tem um talento incrível!

2025-08-19

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