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Capítulo 4
Na noite anterior, mal consegui dormir. O cartão repousava na mesa de cabeceira como um lembrete constante. No silêncio do quarto, Luccas respirava fundo, alheio às tempestades que me atormentavam. Eu só pensava: E se for mais uma decepção?
De manhã, deixei meu filho com a vizinha. Ele choramingou, agarrando minha blusa.
— Mamãe, não! — repetia, com a voz embargada.
Abracei-o forte, engolindo as próprias lágrimas.
— A mamãe já volta, meu amor. É rapidinho.
Respirei fundo, ajeitei a roupa simples que tinha escolhido — a melhor que encontrei no guarda-roupa, ainda assim modesta demais — e segui para o endereço anotado no cartão.
O prédio era alto, de vidro espelhado, impondo-se na paisagem como um símbolo de poder. Senti meu coração disparar só de entrar. O ar-condicionado gelado contrastava com o calor da rua. As pessoas caminhavam apressadas, todas bem vestidas, seguras de si. Eu me sentia um peixe fora d’água.
A recepcionista, impecável, pediu meu nome. Poucos minutos depois, fui chamada para subir.
Quando a porta do escritório se abriu, encontrei Henrique. Estava sentado atrás de uma mesa ampla, cercado por pastas organizadas e uma aura de autoridade natural. Os cabelos negros bem arrumados, a gravata solta como se não precisasse de esforço para ser elegante.
Ele ergueu os olhos para mim e um sorriso surgiu em seus lábios.
— Vejo que não fugiu, Yasmin. Já é um bom começoEngoli em seco, sem saber como responder.
Ele se levantou, aproximando-se com passos firmes. A presença dele preenchia a sala, e por um instante senti vontade de recuar. Mas sua voz, embora irônica, não soava hostil.
— Pode sentar. — apontou para a cadeira à frente. — Ou prefere ficar em pé, pronta para sair correndo?
— Eu… obrigada. — murmurei, sentando com cuidado.
Henrique se inclinou para trás na cadeira, cruzando os braços. Os olhos castanhos me analisavam com calma, quase me despindo por dentro.
— Então, Yasmin… — disse, sério desta vez. — O que exatamente você procura? Porque, se veio apenas pedir piedade, está na sala errada.
As palavras dele me atingiram como um choque. Por reflexo, abaixei os olhos.
— Não é piedade. Eu só… preciso de uma oportunidade.
Ele arqueou uma sobrancelha, um sorriso breve surgindo.
— Bom. Porque eu não contrato coitadas. Eu contrato pessoas que sabem o valor do que oferecem. — fez uma pausa, estudando minha reação. — E você… o que tem a oferecer?
Senti minhas mãos suarem. Por dentro, o pânico me consumia. Mas havia algo naquele olhar — firme, desafiador, quase cruel — que me fazia querer provar que eu não era só mais uma mulher desesperada.
Respirei fundo e respondi, com a voz trêmula mas sincera:
— Trabalho duro. Eu aprendo rápido, e nunca desisto.Henrique manteve o silêncio por alguns segundos, deixando-me afundar no próprio nervosismo. Até que, finalmente, inclinou-se sobre a mesa e abriu um sorriso irônico.
— Bom começo, Yasmin. Agora vamos ver se consegue me convencer na prática.O silêncio pesava na sala. Henrique batia os dedos sobre a mesa, o olhar cravado em mim como se testasse minha paciência.
— Trabalha duro, aprende rápido, não desiste… — repetiu minhas palavras com um sorriso enviesado. — Parece descrição de anúncio de liquidificador.
Senti o rosto corar, mas não baixei a cabeça.
Ele se inclinou para trás na cadeira, irônico:
— Sabe o que mais me intriga em você, Yasmin? É que ainda está aqui. Podia ter rasgado meu cartão e seguido sua vida miserável. Mas não… você veio.
— O senhor que me chamou. — respondi, firme, mesmo com o coração acelerado. — Eu só aceitei a chance.Henrique parou, um sorriso lento surgindo nos lábios.
— Idiota — disse, quase brincalhão, mas com os olhos sérios. — Gosto de gente que lembra quem faz os convites.Antes que pudesse continuar, a porta se abriu de repente. Um homem entrou com passos decididos, roupas modernas e um sorriso debochado.— Maninhooo! — ele cantou, escandaloso, abrindo os braços. — Preciso de uma graninha urgente!Henrique fechou os olhos por um instante, respirando fundo.
— Theo… não tenho tempo pra isso agora.
— Ah, mas sempre tem tempo pra família! — respondeu o irmão, teatral, até perceber minha presença. Arregalou os olhos e pôs a mão no peito, exagerado:
— Quem é essa obra de arte que você está escondendo aqui, Henrique?
— Yasmin. — respondi, sem jeito.
— Encantado, Yasmin. — ele segurou minha mão como se fosse a primeira dama de um baile. — O irmão mais divertido e mais bonito da família.
— O mais cara de pau também. — Henrique resmungou.Theo riu alto, e antes que pudesse falar mais, a porta bateu de novo.
— Henrique! — Vanessa entrou, o salto estalando contra o piso. O rosto dela se contorceu de raiva ao me ver sentada. — Eu sabia! Sabia que tinha alguma coisa errada!
— Não é nada do que você está pensando. — tentei dizer, nervosa.
Mas Henrique se ergueu, a voz firme e gelada:
— Vanessa, foi eu quem trouxe Yasmin até aqui. Foi eu quem ofereceu uma oportunidade. Ela ficou sem reação por alguns segundos, mas logo voltou a explodir.
— Uma oportunidade?! Pra essa daí? Você enlouqueceu?!
Theo entrou no meio, como sempre, com humor ácido.
— Ai, maninho, se eu fosse hétero, já teria roubado essa mulher de você em dois minutos. — piscou para mim e completou: — Você é linda, Yasmin. Força, porque aguentar esse ogro não é pra qualquer uma.Antes de sair, ainda virou para Vanessa e fez uma careta debochada.
— Beijo, cunhadinha, Vanessa bufou, quase tremendo de raiva. Henrique, no entanto, continuava impassível, sério, como se todo o escândalo fosse apenas mais uma terça-feira normal em sua vida. Seus olhos, porém, não desgrudavam de mim.
E naquele instante, percebi: nada na vida de Henrique era simples. Nem ele. Nem a oportunidade que tinha colocado em minhas mãos.
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