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Capítulo 2

A madrugada havia sido interminável. Passei horas vigiando Luccas no sofá, com medo de que a febre voltasse de repente. Quando o sol nasceu, senti como se meus ossos estivessem em cacos, mas não havia tempo para descansar. Bati na porta da vizinha, já com o coração apertado.

— Pode deixar ele comigo, Yasmin. Vai tranquila, eu cuido do Luccas hoje — disse ela, com aquele olhar de compaixão que sempre me fazia sentir menos sozinha.

Abracei meu filho com força, beijei sua testa ainda morna e sussurrei baixinho:

— Mamãe já volta, meu amor.

Segui para o trabalho da manhã, o único que restava. Já tinha desistido do outro, porque não dava mais conta de tudo sozinha com Luccas. Ainda assim, cada dia parecia uma maratona. Fiz minhas tarefas como um robô, tentando não demonstrar o cansaço que me corroía por dentro. O suor escorria pelo rosto, mas a cabeça estava em outro lugar: em como arrumar uma saída para nós dois.

Quando o expediente terminou, respirei fundo e segui para a rua com uma pilha de currículos na bolsa. Eu precisava tentar. Entrei em lojas, escritórios, padarias, entregando papéis e repetindo meu discurso, quase decorado, pedindo apenas uma oportunidade. Algumas pessoas aceitavam com pressa, outras nem estendiam a mão.

O sol castigava, e o corpo já doía de tanto andar. Comprei um geladinho numa barraquinha, só para aliviar o calor e enganar o estômago vazio.

Foi então que o destino resolveu brincar comigo. Uma mulher elegante, de salto alto e perfume forte, passou apressada e esbarrou em mim. O geladinho escorregou da minha mão e foi direto contra a saia clara dela.

— Mas é o fim do mundo! — ela exclamou, olhando-me com desprezo. — Gente como você devia ter mais cuidado. Olha só o estrago!

Senti todos os olhares se virarem para mim. O coração disparou, a vergonha queimava meu rosto. Quis explicar, pedir desculpa, me justificar… mas nada saiu. Apenas abaixei a cabeça, engolindo o choro.

A mulher continuava resmungando, limpando freneticamente a saia como se eu tivesse cometido um crime imperdoável. Meus currículos haviam caído no chão, espalhados pelo vento, enquanto eu me abaixava às pressas para recolher os currículos espalhados, uma mão firme pegou um deles antes de mim. Levantei os olhos devagar e vi um homem alto, de presença marcante, cabelos negros penteados com naturalidade e olhos castanhos profundos que pareciam me examinar com intensidade.

— Amor… — a mulher reclamou, ainda limpando a saia suja de geladinho. — Olha o que essa desastrada fez comigo!

Ele a encarou de lado, erguendo uma sobrancelha com um sorriso quase irônico.

— Um acidente, Vanessa. Mas, claro, é mais fácil dramatizar do que perceber que às vezes um pouco de gelo não é o fim do mundo. — A pausa dele foi curta, calculada. — Afinal, pior que uma saia manchada é perder a elegância.

A mulher ficou vermelha, abrindo e fechando a boca, sem resposta. Algumas pessoas que assistiam a cena riram discretamente.

Ele então voltou-se para mim, estendendo o currículo que havia recolhido.

— É seu, não é?

Assenti, com a garganta seca. Peguei o papel com cuidado, tentando não tremer.

Ele leu rapidamente meu nome impresso e depois ergueu os olhos de novo, fixando-os nos meus com uma intensidade que me deixou sem ar.

— Está procurando emprego? — perguntou, a voz grave, mas sem julgamento.

A mulher se adiantou, visivelmente incomodada.

— Henrique, vamos logo, não temos tempo pra isso!

Ele, no entanto, não tirou os olhos de mim, como se a urgência dela não tivesse importância nenhuma. E, por um instante, eu senti que aquele encontro não era simples coincidência.

Ele soltou um leve suspiro, ignorando a pressa da esposa, e estendeu um cartão elegante em minha direção.

— Me procure — disse, firme, mas em tom baixo, como se quisesse que apenas eu ouvisse. — Quero conversar melhor sobre esse currículo.

Engoli em seco, sem conseguir responder. Minhas mãos suadas receberam o cartão com cuidado, como se fosse um pedaço de esperança materializado ali, no meio da rua.

A mulher bufou, segurando o braço dele com força.

— Henrique, chega! Você não percebe que ela está tentando se aproveitar?

Ele virou-se para ela com um olhar calmo, quase cortante.

— Às vezes, Vanessa, quem mais julgamos é justamente quem mais merece uma chance.

Ela ficou sem palavras, apenas puxando-o para longe com passos apressados. Antes de se afastar por completo, ele ainda voltou o rosto para mim, com um olhar que parecia prometer algo além daquela confusão.

Fiquei parada no meio da rua, o coração disparado. Segurei o cartão contra o peito como se fosse a última âncora da minha vida. Não sabia se era um sonho ou o início de uma mudança real… mas, pela primeira vez em muito tempo, um sopro de esperança atravessou o peso da minha rotina.

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