O Retorno

Amanda abriu a livraria cedo naquela manhã de sábado. O sol filtrava-se pelas janelas grandes, tingindo o ambiente de dourado suave, e o cheiro do café recém-passado espalhava-se como um convite silencioso ao aconchego. Era um dia comum — ou, pelo menos, deveria ser.

Mas desde o encontro da tarde anterior, algo a inquietava. O nome Andrew ecoava em sua mente como uma melodia distante, difícil de ignorar. Lembrava-se da firmeza discreta com que ele segurara o livro, da pausa quase tímida antes de pronunciar seu próprio nome. Havia nele algo de solitário, como se cada gesto carregasse segredos escondidos.

Tentou afastar os pensamentos, concentrando-se em organizar o balcão. Mas o coração, rebelde, acelerava sem razão aparente.

O sino sobre a porta tocou.

Amanda ergueu os olhos — e lá estava ele.

Andrew atravessou a entrada com a mesma imponência contida de antes, vestido em roupas simples dessa vez, uma camisa branca de linho e calça escura. Ainda assim, sua presença parecia preencher o espaço. Os cabelos enrolados estavam um pouco desalinhados, e talvez por isso Amanda sentiu-o mais humano, mais próximo, menos inalcançável.

Ela tentou sorrir com naturalidade. — Veio devolver o livro tão cedo?

Andrew inclinou a cabeça, um meio sorriso surgindo em seus lábios. — Ainda não terminei. Mas… acho que precisava de outro.

Amanda arqueou uma sobrancelha, surpresa. — Dois romances ao mesmo tempo?

Ele apoiou as mãos nos bolsos, sem desviar os olhos dela. — Às vezes uma história só não é suficiente.

As palavras, simples, soaram carregadas de significado. Amanda sentiu o rosto aquecer, e desviou o olhar para a estante atrás de si. Caminhou até os livros de poesia, tentando quebrar o silêncio que se prolongava.

— Talvez goste deste — disse, puxando um exemplar de capa envelhecida. — É mais sensível, fala sobre perdas, mas também sobre recomeços.

Andrew aproximou-se. Ficou tão perto que Amanda pôde sentir seu perfume discreto, amadeirado, que se misturava ao cheiro doce do café. Ele pegou o livro, mas em vez de olhar a capa, manteve os olhos fixos nela.

— Você gosta de poesia, Amanda?

O coração dela vacilou ao ouvir seu nome em sua voz grave. Era como se ele tivesse tomado posse de algo íntimo.

— Gosto. A poesia diz aquilo que não conseguimos colocar em palavras. — Respondeu sem pensar muito, e então percebeu que revelara mais do que pretendia.

Andrew sorriu, quase imperceptível. — Concordo. — E, após uma breve pausa: — Talvez por isso eu esteja aqui.

Amanda sentiu o chão escapar por um instante. Não sabia ao certo o que ele queria dizer, mas havia algo no tom de voz que a fazia acreditar que não se tratava apenas de livros.

Para disfarçar, levou o olhar para o balcão. — Vou registrar sua compra.

Ele a seguiu devagar, observando cada gesto dela. Havia uma graça natural em Amanda: o modo como prendia os cabelos rapidamente atrás da orelha, o jeito de segurar a caneta com firmeza, a concentração quase infantil ao anotar algo. Tudo nela parecia genuíno, sem artifícios.

Andrew entregou-lhe o cartão, mas sua mão roçou de leve na dela. O toque foi breve, mas suficiente para que Amanda respirasse fundo, tentando conter o descompasso do coração.

— Obrigado — disse ele, guardando o livro na pasta de couro. — É sempre bom receber recomendações de quem realmente acredita no que lê.

Amanda sorriu de forma sincera, mas ao mesmo tempo desconfiada. — Não está acostumado a isso?

Os olhos de Andrew escureceram por um instante, como se ela tivesse tocado em algo escondido. — Nem sempre. Muitas pessoas recomendam coisas por interesse. — Fez uma pausa, e a encarou. — Você não.

Amanda engoliu em seco. Não sabia se se sentia lisonjeada ou exposta.

Ele deu alguns passos em direção à porta, mas parou antes de sair. Voltou-se para ela, hesitante, como se travasse uma luta interna.

— Amanda… — disse devagar. — Você estaria livrer para um café qualquer dia desses?

O coração dela disparou. Não esperava por isso tão cedo, e a razão gritava que deveria recusar. Mas havia algo em Andrew que a puxava, algo que ia além da lógica.

— Talvez… — respondeu, num sussurro. — Depende do dia.

Andrew sorriu de leve, satisfeito com a brecha que recebera. — Então eu volto para perguntar de novo.

E saiu, deixando atrás de si um silêncio carregado de promessas.

Amanda ficou parada, olhando a porta que se fechara, sentindo-se estranhamente viva. Uma parte dela temia se aproximar daquele homem enigmático, dono de um mundo que não era o seu. Mas outra parte… outra parte ansiava desesperadamente pelo que estava prestes a começar.

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!