O Acaso da Livraria

A livraria estava envolta em um silêncio acolhedor, quebrado apenas pelo leve ranger das estantes antigas e pelo som distante de páginas sendo folheadas. Amanda ajeitava com cuidado uma pilha de livros recém-chegados, concentrada em deixar cada volume no devido lugar. O cheiro de papel novo misturava-se ao aroma do café vindo da pequena máquina no balcão, criando uma atmosfera que para ela sempre foi um refúgio contra o mundo exterior.

O dia estava tranquilo, mas dentro de Amanda uma inquietação latejava. Desde que completara 28 anos, sentia um peso diferente no peito. Os sonhos que antes pareciam possíveis agora começavam a se dissolver em dúvidas. Será que um dia encontraria algo que realmente a fizesse sentir viva?

Ela suspirou, tentando afastar aquele pensamento. Passou os dedos delicadamente sobre a lombada de um romance clássico, quando a porta de vidro se abriu, e um homem entrou.

O sino pendurado sobre a porta tilintou.

Amanda ergueu os olhos.

Andrew Donovan atravessava o limiar com passos firmes. Vestia um terno escuro perfeitamente alinhado, mas havia nele algo mais — um ar contido, um olhar intenso que parecia observar o mundo com distância e curiosidade. Os cabelos enrolados caíam levemente sobre a testa, e os traços fortes davam-lhe uma presença marcante.

Amanda sentiu um arrepio involuntário, mas logo voltou a atenção para a pilha de livros, tentando parecer indiferente. Não era incomum que clientes elegantes aparecessem ali, afinal, a livraria ficava próxima à região nobre da cidade. Ainda assim, algo nele parecia deslocado, como se não pertencesse àquele espaço simples, mas ao mesmo tempo se encaixasse perfeitamente.

Andrew caminhou lentamente pelo corredor de estantes, os dedos percorrendo os títulos, mas a verdade é que pouco via os livros. Ele apenas buscava uma desculpa para se manter ali, perto da moça que dias atrás observara da janela de seu carro. Desde aquele momento, sua imagem o perseguia como um segredo impossível de ignorar.

— Posso ajudá-lo em algo? — perguntou Amanda, com sua voz suave, mas firme o suficiente para tirá-lo do transe.

Andrew voltou o olhar para ela. Sentiu-se atingido como se tivesse sido exposto a uma luz repentina. Os olhos dela eram ainda mais intensos de perto, tão profundos que ele temeu perder-se dentro deles.

— Estou… procurando um livro — respondeu, com uma pausa que traiu a segurança habitual de sua voz.

— Qual gênero? Romance, história, filosofia? — Ela inclinou levemente a cabeça, curiosa.

Ele hesitou. A verdade é que não tinha ideia do que buscava. Nunca fora leitor assíduo; os livros em sua casa eram mais ornamentos do que companheiros.

— Romance — disse, quase sem pensar.

Amanda sorriu discretamente, como quem reconhece uma escolha inesperada. Conduziu-o até uma estante e puxou um volume de capa azul.

— Esse é um clássico. Uma história de amor intensa, mas cheia de escolhas difíceis. — Estendeu o livro a ele. — Talvez goste.

Andrew pegou o exemplar, mas não desviou o olhar dela. O gesto simples de oferecer o livro parecia carregado de uma delicadeza que o desconcertava.

— Obrigado… — Ele parou, como se procurasse algo a mais a dizer. — Qual é o seu nome?

Amanda hesitou por um instante. Não costumava compartilhar sua vida com estranhos, mas havia algo na presença dele que transmitia segurança, ainda que envolta em mistério.

— Amanda. — Seus lábios pronunciaram o nome com suavidade, quase como um sussurro.

Andrew repetiu em pensamento, saboreando cada sílaba. Amanda. O nome soava como música, como algo que deveria ter sempre ao alcance.

— Sou Andrew — disse, e estendeu a mão.

O toque de seus dedos foi breve, mas suficiente para provocar uma corrente invisível. Amanda sentiu o coração acelerar, surpresa com a intensidade daquele contato tão simples.

O silêncio que se seguiu não foi desconfortável, mas carregado de algo que nenhum dos dois soube definir. Era como se, naquele instante, o mundo lá fora deixasse de existir.

Amanda foi a primeira a recuar, puxando discretamente a mão de volta. — Se precisar de mais alguma indicação, estarei por ali. — Apontou para o balcão, tentando recuperar a naturalidade.

Andrew assentiu, mas seus olhos continuaram a segui-la enquanto ela se afastava. Havia em cada gesto dela uma naturalidade que contrastava com o universo artificial em que ele vivia.

Enquanto Amanda atendia outro cliente, Andrew manteve o livro nas mãos, sem ao menos olhar a capa. A única coisa que lhe importava era o nome dela ecoando em sua mente.

Naquela tarde, Andrew Donovan comprou o primeiro romance de sua vida. Mas, mais do que isso, comprou uma desculpa para voltar.

E ele sabia que voltaria.

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