No dia seguinte, a cena da noite anterior ainda me corroía por dentro. A imagem de Andrew, com aquela coleira no pescoço, voltava sempre que eu menos esperava. Eu precisava saber se era real ou se minha mente tinha me pregado uma peça.
Não consegui olhar Andrew nos olhos, envergonhada, quando ele me questionou:
— Quantos anos você tem, Carolina? Mora com seus pais?
A pergunta simples me atravessou mais fundo do que eu esperava. Respirei devagar antes de responder:
— Tenho vinte e três. Moro com eles ainda… mas não é exatamente um lar. — Suspirei, e a lembrança da minha mãe me invadiu.
Ela sempre fora doce, dedicada, mas depois de tantos anos apanhando, parecia ter endurecido por dentro. Ficou fria comigo, distante. Mesmo quando eu vou pra lá nos finais de semana, não sinto vontade nenhuma. A casa tem paredes, mas não tem calor.
Apertei os dedos um contra o outro, nervosa, e continuei:
— Meu pai é policial… e quando bebe, se transforma. Violento, sem limites. — Minha voz saiu mais baixa do que eu pretendia, quase um sussurro.
Andrew permaneceu em silêncio, os olhos atentos, sem julgamento.
— Você quer fazer faculdade? — foi a próxima pergunta.
Balancei a cabeça.
— Eu não quero faculdade, não sonho com isso. Só quero trabalhar, ganhar meu dinheiro, ser independente. Tirar minha mãe daquela vida. Talvez aí ela volte a ser a mulher que foi um dia.
As palavras pesaram no ar. Mas, ao mesmo tempo, senti um alívio estranho por dizer aquilo em voz alta, como se dividir meu segredo me fizesse mais forte.
Depois disso, voltei às minhas tarefas, mas minha mente não parava de voltar para Andrew e a imagem dele com a coleira. À noite, sentei na poltrona e terminei de ler o livro… já estava nas últimas páginas. Ao colocá-lo de volta na estante, algo chamou minha atenção: outro título da mesma autora.
Dominação Lince.
Meus dedos percorreram a capa como se estivessem prestes a abrir uma nova porta proibida.
Quanto mais eu lia, mais interessada em BDSM ficava. Descobri que quem gosta de olhar, como eu, tem um nome: voyeur. Então… eu era isso. Sorri sozinha ao pensar nessa descoberta.
Na manhã seguinte, esperei o momento certo. Quando fiquei sozinha com a senhora Tiz na cozinha, respirei fundo e soltei tudo de uma vez:
— Senhora Tiz… a senhora já viu... o sr. Andrew usando uma coisa no pescoço de couro?
Ela parou de mexer a massa e me encarou séria, como se tivesse sido pega em algo que não queria comentar. Ajustou o lenço na cabeça e, num tom baixo e firme, disse:
— Faz anos que trabalho para a senhorita Emma. Tem coisas que não me cabem julgar… mas a você, minha querida, só digo uma coisa: fique calada.
Engoli em seco, surpresa com a frieza das palavras.
— Mas… e aquela porta, sempre trancada, no fim do corredor? O que tem lá dentro? — insisti, antes que minha coragem desaparecesse.
A senhora Tiz ergueu uma sobrancelha, medindo até onde podia me responder, e falou sem rodeios:
— É apenas um depósito. — E voltou ao que estava fazendo, encerrando a conversa.
Assenti devagar, fingindo aceitar. Mas por dentro, nada se resolveu.
Passei o resto do dia pensativa. Cada vez que cruzava o corredor e via a porta fechada, algo em mim latejava. Eu queria acreditar na explicação dela… mas a imagem da coleira, misturada às páginas dos livros que eu havia lido, não me deixava em paz.
Tentei deixar para lá. Só que, no fundo, eu sabia: não ia conseguir esquecer.
À noite, quando já estava me preparando para subir, Andrew apareceu. Ele parou diante de mim, braços cruzados, aquele ar sério que sempre me deixava sem saber para onde olhar.
— Fiquei sabendo que você andou fazendo perguntas para a senhora Tiz — disse, sem rodeios.
Meu coração disparou. Senti o rosto esquentar.
— Eu… eu só… — tentei me explicar, mas as palavras morreram na garganta.
Ele inclinou a cabeça, me observando como quem mede cada reação.
— Aqui dentro, curiosidade demais pode custar caro. Emma preza pela discrição. É por isso que existe uma coisa chamada contrato de confiabilidade. Já ouviu falar?
Engoli em seco e balancei a cabeça.
— É simples — ele continuou. — Se você quiser ficar aqui, trabalhar com a gente, vai ter que aprender a guardar silêncio. Nada de perguntas que não deve, nada de espalhar o que vê. Esse contrato garante que todos sabem respeitar os limites.
A cada palavra dele, meu medo aumentava. E se Emma descobrisse? E se eu perdesse o emprego por causa da minha língua solta? Eu devia ter ficado calada.
— Não quero problemas, Andrew… — murmurei, quase num sussurro. — Só preciso desse trabalho.
Ele respirou fundo, como se pensasse no que dizer, e então baixou o tom:
— Então prove que pode ser confiável.
Assenti rápido, com o estômago embrulhado de nervoso. Só quando ele se afastou percebi que minhas mãos tremiam.
Antes que eu conseguisse me recompor, ouvi passos ecoando pelo corredor. Meu coração gelou quando vi Emma surgir, impecável como sempre, com aquele olhar que parecia atravessar qualquer máscara.
— O que está acontecendo aqui? — perguntou, firme, olhando de Andrew para mim.
Meu estômago se virou. Baixei a cabeça, certa de que aquele era o meu fim.
Andrew respondeu antes que eu abrisse a boca:
— Estava apenas explicando a ela sobre as regras da casa.
Emma estreitou os olhos, avaliando a cena. O silêncio dela pesava como chumbo, e eu quase desmoronei ali mesmo.
— Regras — repetiu, lenta, como se mastigasse a palavra. Seus olhos pousaram em mim, e eu juro que por um instante senti que ela já sabia de todas as minhas perguntas, de cada pensamento curioso que eu tivera desde que pisei ali.
Minha garganta secou. Estava pronta para ouvir a sentença: está despedida
Mas Emma apenas suspirou e ajeitou o casaco nos ombros. Então seus olhos voltaram para mim, afi ados como lâminas.
— Você sabe alguma coisa sobre BDSM, Carolina? — perguntou, como quem lança uma isca.
Corei na hora. O calor subiu pelo rosto, queimando. Se ela soubesse que eu tinha espiado aqueles livros no anexo…
Antes que eu respondesse, Emma fez algo impensável.
— Andrew. De joelhos.
Ele obedeceu sem hesitar, o corpo alto dobrando-se diante dela como se fosse a coisa mais natural do mundo. Fiquei sem fôlego, a cena me arrepiou inteira. Era bonito e ao mesmo tempo assustador: uma entrega total, silenciosa, imponente.
Emma se inclinou, os dedos hábeis abrindo os botões da camisa dele. Não foi até o fim — apenas o suficiente para que eu visse o cordão em volta do pescoço, discreto, mas inconfundível. Um colar, uma marca. Um sinal de posse.
Meu coração disparou. Eu já sabia, no fundo, que era isso. Mas vê-lo assim, tão explícito, me fez estremecer.
— Pode sair, Andrew — disse Emma, firme, e ele levantou-se de imediato, saindo sem um olhar sequer para mim.
O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. Então Emma puxou uma cadeira e apontou para ela.
— Sente-se, Carolina.
Engoli em seco. Meus joelhos quase falharam quando obedeci.
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Atualizado até capítulo 30
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