Saí da sala de Elizabete com o coração um pouco mais leve. Pela primeira vez em muito tempo, senti que talvez as coisas pudessem mudar. A entrevista não tinha sido longa, nem complicada, mas havia algo no olhar dela, na forma como disse que aquela vaga poderia ser meu recomeço, que plantou em mim uma centelha de esperança.
Respirei fundo no corredor da agência, sentindo a costela doer quando meus pulmões se expandiram demais. A dor ainda estava ali, como um lembrete cruel da noite anterior, mas agora não parecia tão esmagadora. Era apenas uma parte de mim, não o meu fim.
Quando saí para a rua, o ar frio bateu no meu rosto como um empurrão para frente. Talvez fosse isso: a vida tentando me acordar, me sacudir para que eu não desistisse. Caminhei devagar pela calçada, deixando a luz da manhã tocar minha pele, e pela primeira vez em dias, não chorei.
Eu não sabia ainda o que me esperava naquela casa, nem quem eram as pessoas que precisavam de mim. Mas no fundo, algo dizia que esse seria apenas o primeiro passo… e que dali em diante, nada na minha vida seria igual.
Quando cheguei ao apartamento, o cheiro de café fresco me envolveu antes mesmo de entrar na cozinha. Minha mãe estava sentada à mesa, a xícara entre as mãos, o olhar perdido em algum ponto distante. Por um instante, quase voltei pelo mesmo caminho, como se não quisesse enfrentar aquilo… mas então vi o olho roxo.
Meu peito apertou. Aquela mancha escura em seu rosto não era apenas feia, era uma lembrança cruel de que ela tinha tentado me defender. A dor da costela latejou, como se quisesse me lembrar de tudo outra vez.
— Mãe… — minha voz saiu baixa, quase um sussurro.
Ela ergueu os olhos, forçando um sorriso cansado. — Está tudo bem, Carolina. Só… não vamos falar disso agora.
Senti a garganta arder, mas engoli o choro. Me aproximei devagar e toquei de leve sua mão. O silêncio entre nós dizia mais do que qualquer palavra poderia. A tristeza me consumia por dentro — não apenas pelo que ele tinha feito comigo, mas pelo que tinha feito com ela.
— Consegui uma entrevista — falei, tentando dar a notícia como uma esperança, um fôlego no meio do caos. — Acho que dessa vez pode dar certo.
Ela apertou minha mão, os olhos marejados. — Você merece, minha filha. Mais do que qualquer uma.
Fiquei ali, ao lado dela, sentindo o café esfriar na mesa e o peso invisível pairando sobre nós. Sabia que não podia mudar o passado… mas, talvez, pudesse mudar o futuro.
Olhei de relance para o relógio pendurado na parede. O ponteiro parecia correr mais rápido do que eu gostaria. Suspirei fundo e abracei minha mãe com cuidado, evitando encostar no rosto machucado. Ela fechou os olhos e apertou meus ombros, como se quisesse segurar o mundo inteiro ali, entre nós duas.
— Vai dar tudo certo, mãe — murmurei contra o cabelo dela, mesmo sem ter certeza disso. Mas eu precisava acreditar… e ela também.
Afastei-me devagar e sorri, tentando passar uma confiança que não sentia por completo. Em silêncio, subi para o meu quarto. Fechei a porta atrás de mim e encostei as costas nela, respirando fundo.
Olhei para a janela, sabendo que logo Carlos apareceria. Era sempre assim: voltava da corrida nesse horário, atravessava a sala ainda suado, tirando a camiseta com um gesto automático, até sumir no banheiro. Poucos minutos depois, reaparecia no quarto, abria um pouco a janela e se jogava na cama, nu. Eu salivava ao observá-lo, como se cada movimento dele fosse feito para mim.
A janela era meu portal para outro mundo. O prédio da frente funcionava como um cardápio de vidas alheias, cada andar revelando um espetáculo diferente. No primeiro andar, o senhor meticuloso regava as plantas sempre às 17h30 em ponto, como um ritual sagrado. Dois andares acima, uma mulher chorava baixinho na varanda depois de colocar os dois filhos pequenos para dormir. E, quatro andares acima, estava Carlos… o corredor gostoso, dono de uma habilidade quase absurda: gozar em minutos, depois de ligar um filme pornô.
Eu passava horas ali, imóvel, respirando fundo, bebendo cada detalhe como se fosse meu alimento secreto. Era prazer, era fuga, era poder. Meu lado obscuro — aquele que ninguém conhecia e que eu jamais admitiria em voz alta.
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Atualizado até capítulo 30
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