Bruna

Eu gosto do silêncio da minha casa. Daquele momento em que o mundo lá fora tá gritando, mas aqui dentro tudo parece em paz. Passo meu hidratante no rosto, ajeito os cílios no espelho e tiro uma selfie rápida. O Instagram já é parte da minha rotina, tipo café da manhã. Tem gente que acha futilidade, eu chamo de autoestima.
Meus olhos são verdes, clarinhos, daquele tipo que ninguém esquece depois que cruza. Já ouvi de tudo: que parece pedra preciosa, que hipnotiza, que dá medo. Mas quem me conhece sabe... por trás desse olhar calmo, tem uma mulher que já engoliu muito choro em silêncio.
Meu cabelo é preto, liso, bem tratado, bate na cintura. Me dá trabalho, mas eu gosto. Gosto de ver ele brilhar na luz. Gosto da sensação de estar arrumada, mesmo quando por dentro tudo parece bagunça. Sempre fui vaidosa. Não por status. Mas porque se cuidar foi o único jeito que encontrei de não me perder.
— Linda como sempre, né, princesa? — comentou uma seguidora.
A gente tenta, respondi com um emoji de coração.
Sou vaidosa mesmo. Gosto de unha bem feita, cabelo alinhado, pele cheirosa e brilho nos olhos. Mas não se engane... não é só pra agradar os outros, é por mim. Por tudo que já vivi. Pela Bruna que eu me recuso a deixar morrer.
Trabalho num salão aqui mesmo no morro, o Estilo & Poder. Faço de tudo: unha, pé, alongamento, cílio fio a fio. E quando sobra tempo, ainda dou aquela moral no Instagram, mostrando o antes e depois das clientes, dicas de beleza e um pouco da minha rotina.
— Bru, tá pronta? Tem uma cliente na cadeira 2 pra cílios — gritou a Lari, do balcão.
— Tô indo, miga. É a de ontem, a loirinha?
— Ela mesma. Disse que só confia em você.
Sorrio com o canto da boca. Gosto de fazer bem feito. No salão, sou conhecida como "a mão de fada". No morro, a mulherada vive me chamando pra marcar horário. E onde eu passo, nego vira o pescoço. Não é arrogância. É que eu me cuido... e talvez, por isso, incomode.
Não sou de sair. Baile? Só se for muito especial. Festa? Prefiro Netflix e um hidratante no rosto. Mas mesmo assim, parece que o morro inteiro sabe quem eu sou. Talvez seja o Instagram, talvez seja o jeito de andar... talvez seja só o fato de que eu não me misturo com qualquer um.
Minha mãe sempre diz que eu tenho um brilho diferente. Eu só quero paz. Quero crescer, montar meu próprio estúdio, sair daqui um dia.
____
Tava de boa no meu quarto, deitada, mexendo no celular. Aquela hora que a gente só quer esquecer o mundo e relaxar. Acabei de sair do banho, cabelo ainda molhado, e aquela brisa gostosa batendo na janela. Meu corpo cansado, mas a mente a mil.
Entrei no Instagram pra responder uns directs, olhar comentário da selfie que postei mais cedo. Tudo normal, elogio aqui, coraçãozinho ali... até que apareceu uma notificação estranha.
@user_falso827:
> “Tu se acha demais, né? Olha no espelho e vê se tu é isso tudo mesmo, sua nojenta. Ninguém te suporta.”
Travei.
Li e reli umas três vezes.
Sem entender.
Sem acreditar.
Fechei o celular por um segundo, respirei fundo. Abri de novo. A mensagem tava lá. Direta. Crua. Sem motivo nenhum. Um fake. Zero seguidores. Sem foto. Sem coragem.
— Mãe! — gritei. — Vem cá rapidinho.
Ela veio da cozinha enxugando a mão no pano de prato, com aquele jeito apressado dela.
— Que foi, menina? Aconteceu alguma coisa?
Mostrei o celular. Ela leu a mensagem, ficou um tempo calada. A expressão dela foi mudando devagar... da curiosidade pro desprezo, e do desprezo pra raiva.
— Essas menina do morro são tudo baixa, Bruna. Inveja pura. Isso é recalque de quem não tem coragem de ser quem você é.
— Mas eu nem sei se é do morro, mãe. Pode ser qualquer um...
— Claro que é do morro! Isso é alguém que te vê todo dia, que acompanha tuas postagens, que sabe da tua beleza e da tua presença. Não aguenta ver você sendo elogiada, bonita, bem cuidada, trabalhando. Isso incomoda muita gente.
Suspirei.
Olhei de novo aquela mensagem.
Era só uma frase, mas doía. Não porque eu acreditava... mas porque eu sabia que era verdade: tem gente que odeia só porque você tá bem. Só porque você sorri.
— Não vale a pena responder isso não, né mãe? — perguntei baixinho, só pra confirmar o que eu já sabia.
— De jeito nenhum. Deixa essa pobre se remoendo sozinha. Quem se esconde atrás de fake é covarde. Tu sabe quem tu é. Tu é luz, minha filha. Luz incomoda quem vive na sombra.
Dei um sorriso fraco. Me sentei na cama, com ela do meu lado, passando a mão nas minhas costas. A presença da minha mãe sempre me trouxe paz. Mesmo nos dias mais difíceis.
Ela é braba, sabe? Criou eu sozinha, depois que meu pai morreu.
Ele foi morto num confronto aqui mesmo no morro. Era envolvido, soldado do tráfico. Ela nunca aceitou isso. Nunca perdoou. Mas também nunca deixou de me amar dobrado por conta da falta dele.
— Essas menina não sabem o que você passou, Bru... não sabem o quanto a gente já chorou junto aqui dentro desse quarto. Se soubessem metade, pensavam duas vezes antes de te atacar.
Assenti. Porque era verdade. A vida me ensinou cedo que ser bonita, arrumada, independente, incomoda. E que ser mulher no morro é carregar peso nos ombros e sorriso nos lábios ao mesmo tempo.
— Relaxa, mãe. Eu não vou deixar isso me afetar. Se alguém quis me atingir, errou de alvo. Só me deixou com mais vontade ainda de brilhar.
Ela sorriu. Orgulhosa. Me deu um beijo na testa e voltou pra cozinha.
E eu?
Eu deitei de novo.
Postei uma nova foto só de raiva.
E pensei comigo mesma:
Se ser eu incomoda, então vou ser mais ainda.
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Atualizado até capítulo 25
Comments
Lorrainecristinioliveira Oliveira
verdade a foto nao apareceu
2025-09-22
0
Ana Carolina Ferreira
cadê a foto dela é idade
2025-09-18
0
Leitora compulsiva
a foto não aparece 🤔🥴
2025-08-16
0