Tour com fofoca

Pontualmente a dupla dinamica toca a campainha. Eu abro a porta sem muita empolgação.

- Preparada? Mel pergunta, pulando uma florzinha no gramado como se tivesse vinte molas nos tênis.

- Sempre. Respondo, pegando os óculos escuros. O sol já desceu um pouco, mas ainda brilha o suficiente pra justificar o acessório.

- Vamos te mostrar o coração do condomínio. Isa completa, batendo palminhas com cara de quem tá prestes a revelar um tesouro.

Começamos pela calçada, passando pelas casas vizinhas. Tudo muito limpo, bem cuidado, o tipo de lugar onde até a grama parece podada por esteticista. Muitas árvores, as frutíferas tem uma em cada esquina, calçadas largas, e um silêncio gostoso, cortado apenas pelo canto de passarinhos e um ou outro portão automático abrindo devagar.

- Parece cidade cenográfica. Comento.

- É o que todo mundo diz. Só que aqui, a única coisa fake são os sorrisos no grupo de WhatsApp dos moradores. Mel sorri de lado.

Chegamos à área de lazer. O portão é de vidro temperado, abre com digital. Isa encosta o dedo e "piiiip", estamos dentro.

- Tcharãããn! Mel abre os braços.

- Bem-vinda ao paraíso suburbano com orçamento de resort!

Diante de mim, uma sequência de quadras: uma de futebol society com grama sintética verdinha, uma de vôlei de areia com redes esticadas e cadeiras de descanso ao lado, uma poliesportiva com marcações coloridas e, logo depois, uma de tênis com piso azul e cercado alto.

- Meu Deus... isso aqui é um parque esportivo inteiro! Falo, maravilhada.

- E sempre vazio. Isa revira os olhos.

- Os velhos até usam, mas ninguém joga como gente nova. Por isso estamos felizes com a sua chegada. Finalmente alguém pra jogar vôlei sem precisar chamar o zelador e sua esposa pra completar time.

Rimos, e seguimos por um caminho pavimentado até o salão de festas. Um prédio envidraçado com cortinas brancas e luzes pendentes elegantes.

- Aqui rolam os aniversários, as festas de fim de ano e os casamentos secretos de pais divorciados. Mel sussurra como se tivesse contado um escândalo.

- Casamentos secretos?

- Longa história. Mas teve um casamento escondido aqui mês passado e todo mundo ficou sabendo porque o DJ era fofoqueiro.

O salão de jogos fica ao lado: sinuca, pebolim, mesas de cartas, e até fliperama. Em seguida, passamos pelo “Espaço Beleza”, com espelhos gigantes, poltronas de salão, e cheiro de shampoo caro.

- A Mari, do número 18, corta cabelo aqui se precisar. Já fiz hidratação e saí me sentindo uma celebridade da Netflix. Isa diz.

Do outro lado da rua, uma cerca baixa delimita o playground. Um escorregador colorido, gangorras, balanços e uma casinha de plástico chamam atenção. Mas está vazio.

- Hm... pra quê playground se não tem criança? Pergunto.

Mel dá de ombros.

- A ideia é que tenha. O condomínio tem espaço pra 150 casas, mas só construíram 50 até agora.

- Pouco mesmo...

- Pois é. O problema é que o proprietário do condomínio é exigente. Muitoooo!! Ele faz uma seleção antes de permitir qualquer construção ou venda. Tipo... entrevista, documentos, histórico de crédito e até pesquisa em redes sociais. Isa balança a cabeça.

- Minha mãe disse que é como tentar entrar num reality show, mas sem prêmio.

- E quem é esse dono todo poderoso?

Elas se entreolham, em sincronia total.

- Ninguém sabe. Dizem juntas.

Arqueio a sobrancelha.

- Ninguém sabe?

E no documento de compra? Quem é o vendedor?

- Uma Sociedade Anônima. Impossível saber. Isa concluí.

- Morou uma familia aqui, na casa 34. Eles ficaram aqui só 3 meses. E a Luna a filha mais velha do casal...

... - Tipo a nossa idade. Mel diz.

- Ela disse que tinha quase certeza que o proprietário era o seu vizinho. O da casa de porta vermelha. Ela concluí.

- Da casa 33? Eu pergunto.

- Ele mesmo!! Isa sussurra.

Eu travo.

- Espera... o vizinho do 33 é o dono do condomínio?

- Provavelmente. Ou é só mais um mito. Isa diz, como quem fala de um personagem inventado.

- E por que a família do 34 se mudou?

- Dizem que por falar de mais. Mas ninguém sabe a verdade. Eles mudaram de madrugada, ninguém nem viu eles sairem. Não se despediram e ninguém mais conseguiu contato. Total mistério. Mel diz em tom de suspense.

As duas se entreolham, os olhos arregalados.

- Vocês acham que o vizinho do 33 tem alguma coisa a ver com a mudança dessa família?

- Talvez. Mas só ele e a família podem dizer. Isa concluí.

- Vocês já viram ele?

- Eu vi ele uma vez. Isa diz, mudando o tom.

- Eram umas quatro e meia da manhã. Eu não conseguia dormir e fui esquentar leite. Quando olhei pela janela da cozinha... ele tava correndo. Com um blusão preto, capuz na cabeça. Corria igual um fantasma, silencioso. Mas dava pra ver que era ele. Alto, forte, passo firme.

- Essa mesma garota... da casa 34... Mel entra no papo com aquele brilho nos olhos de quem adora uma fofoca.

- Ela disse que viu ele uma vez, de relance. Que ele é um solteirão gostoso. Meio coroa, mas muito lindo.

- “Meio coroa” tipo quantos anos?

- Uns trinta. Mas com aquele jeitão de CEO silencioso, sabe? Aquela vibe “homem que não sorri, mas paga o jantar e salva sua vida num tiroteio”.

Dou uma risada.

- Eu entendi perfeitamente.

- Meus pais dizem que ele é um magnata da segurança cibernética. Que ficou milionário aos vinte anos criando um sistema de criptografia que hoje o governo usa.

- Nossa, sério?

- É o que dizem. Isa diz.

- Pode ser verdade. Pode ser fanfic. Esse cara é um mistério completo.

Seguimos até a área de escritório coletivo o famoso coworking, uma estrutura de vidro e concreto que parece saída de um Pinterest de startups. Lá dentro, cabines com isolamento acústico, salas de reunião, pufes e café de verdade. Nada de pó vagabundo.

- Tá aí um lugar que vou usar. Comento.

- Trabalhar de casa é bom até a segunda louça do dia.Ou os gritos de raiva de Jr quando leva um tiro virtual.

Elas riem.

Seguos com o tour, próxima parada é a piscina. Enorme. Com borda infinita, espreguiçadeiras modernas, ombrelones e uma parte rasa com jatos de hidromassagem.

- Parece hotel de Dubai.

- É o orgulho do condomínio. E também onde rola mais fofoca por metro quadrado. Isa aponta.

- Se quiser saber quem traiu quem, vem pra cá com um suco detox.

- O comércio fica num anexo ao lado: um mini mercado completo, padaria cheirosa com fornadas a cada hora, açougue gourmet, farmácia limpa como hospital e...

- Uma pizzaria! Diz Mel.

- E é maravilhosa. Pizza napolitana de verdade. Massa fina, forno a lenha, garçons bonitos. Diz Isa animada.

- Tá. Tô oficialmente impressionada.

- E não acabou. Mel pisca.

- Mas o resto a gente deixa pra próxima visita.

Caminhamos de volta pra minha casa, os pés já cansados, mas a mente borbulhando. O condomínio é, de fato, incrível. Mas não é isso que martela na minha cabeça. É o número 33.

- Olha a casa do poderoso ai. Diz Mel apontando para a casa 33 discretamente com o queixo.

- Sério, vocês nunca tentaram descobrir quem é ele?

- Já. Isa diz, sorrindo.

- Mas nunca conseguimos saber.

- Até depois meninas, obrigada. Agradeço e abro a porta.

Quando entro em casa, Jr nem nota. Continua com o fone no ouvido, gritando com alguém no jogo. Subo pro meu quarto, ainda rindo das histórias. Mas quando abro a cortina por instinto, meus olhos são puxados automaticamente...

Para a janela da casa 33.

Vazia.

Fechada.

Silenciosa.

Mas mesmo assim, um arrepio sobe pela minha espinha.

E eu me pergunto:

Será ele o dono de tudo isso...

Então por que parece que ele é o único que não pertence aqui?

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Comments

Arilene Vicente

Arilene Vicente

É Lana vai ter que descobri quem é o homem misterioso 🤔

2025-08-15

0

Arilene Vicente

Arilene Vicente

É Lana vai ter que descobri quem é o homem misterioso 🤔

2025-08-15

0

lary

lary

Vai ser muito bobado essa história viu

2025-08-15

0

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