A delegacia tem aquele cheiro estranho de café requentado e papel amarelado que parece impregnado nas paredes. Entro com passos duros, ignorando os olhares curiosos dos policiais que andam de um lado pro outro. Não é a primeira vez que venho aqui, e pelo jeito também não vai ser a última.
Sou recebida por um policial e trnho que esperar por quase uma hora para ser atendida pelo delegado.
Quando estou quase indo embora o delegado Gerson, um homem grisalho, rosto cansado e um semblante que parece pedir desculpas só de existir, resolve me atender.
- Doutora Lana. Ele diz, forçando um sorriso cordial.
- Entre, por favor. Vamos até a minha sala.
- Desculpe ter feito a Dra esperar. Sabe como é...muito trabalho, eu estava em outiva de um suspeito. Ele diz enquanto eu o sigo até a sala.
Entramos, e eu me sento na cadeira diante da mesa, cruzando os braços.
- Alguma novidade? Disparo, sem rodeios.
Ele suspira. O tipo de suspiro que já me irrita só de ouvir.
- Infelizmente, ainda não.
- Como assim? Minha voz sai mais alta do que eu queria.
- Delegado já se passaram dias. E nada?
Gerson recosta na cadeira, com aquele olhar burocrático de quem já deu essa mesma explicação vinte vezes.
- Dra estamos com um efetivo reduzido e o seu caso não é o único que temos que investigar. Precisa de ter paciência.
- Com todo respeito delegado. Estamos falando de um triplo homicidio causado por um latrocinio. Se não fosse a sorte, seriam quatro mortos e não três.
Ele dá um leve sorriso.
- Srta não podemos afirmar que foi um latrocinio. Está mais parecendo um homicidio culposo.
- Isso não foi um simples homicio. Não mesmo! Digo irritada.
- Srta a única coisa concreta que temos é o seu depoimento. As imagens da sua casa foram apagadas. Provavelmente de dentro no próprio sistema. As câmeras da rua captaram veículos, mas as placas eram clonadas. Os rostos estão cobertos. Luvas, toucas, nenhum DNA. Nem uma digital fora do lugar. Ou seja, não temos nada.
Sinto minha garganta secar. A impotência que se espalha é absurda.
- E é só isso?
- Infelimente sim. Não temos nada concreto. Agora vamos recomeçar de outro ponto.
- Estamos investigando os processos em andamento do seu pai, o juiz Daniel Duarte. Alguns casos envolvem facções, contrabando, tráfico... Pode ser que a invasão tenha sido encenada, e seja algo diferente do que a Srta afirma.
- Uma distração para encobrir um acerto de contas.Por exemplo. Mas tudo demonstra que foi apenas um homicidio culposo.
- Sim foi só um homicidio! Causado pelo latrocinio. Mas acredito que não seja só isso. Rebato.
- Eles estavam atrás de joias, dinheiro. Eles... eles se assustaram! E aí mataram todos como se fosse nada!
- Mas pelo que disse o disparo foi acidental.
- Não está me dizendo que quer levar isso como um homicidio culposo (sem intenção de matar)? Sabe que a pena é de 1 a 3 anos. Enquanto um latrocinio (roubo seguido de morte) é de 10 a 30 anos. Homicidio seria uma pena injusta delegado.
- Sim, e é exatamente isso que nos queremos evitar. Gerson diz.
- Mas a Dra sabe muito bem que precisamos de provas.
- Se o plano fosse execução, não haveria a encenação do roubo. Pode ter sido uma queima de arquivo, mas feita pra parecer crime comum.
- Delegado só quero uma resposta e que a justiça seja feita. Então resolvam! Façam o trabalho de vocês!
Ele baixa os olhos.
- Doutora... eu entendo sua dor. De verdade. Mas não é tão simples. Não há pistas. Nenhuma. E quando não há caminho, só nos resta cavar devagar.
Me levanto com tanta força que a cadeira arrasta no chão com um rangido agudo.
- Lentidão e incompetência. Esse é o resumo. Vocês não fazem ideia de quem mataram. Nem do que destruíram.
Ele abre a boca pra responder, mas eu já estou virando as costas. Saio pisando forte, com o sangue fervendo e os olhos úmidos.
O sol já começa a baixar quando chego em casa. O Jr, como sempre, está afundado no sofá com o videogame ligado, fone torto e os olhos vermelhos de tanto encarar a tela.
- Jr, leva o lixo, por favor.
Nada. Nem um “hã?”. Nem um grunhido. Só o barulho das explosões digitais.
- Jr!
- Tá, já vou! Ele responde, automático, sem nem desviar o olhar da TV.
Reviro os olhos, respiro fundo e pego o saco de lixo eu mesma. A casa está silenciosa demais. Vazia demais. Fria, apesar do sol.
Saio pela porta lateral e caminho pela calçada até a lixeira do condomínio, próxima ao portão de entrada. Os pássaros fazem seu canto final do dia, e o cheiro das flores das árvores frutíferas parece mais forte com o fim da tarde. Quase me acalma. Quase.
Jogo o lixo no contêiner e respiro fundo, olhando o céu laranja por um instante. Não tenho nem forças pra chorar. Só raiva e cansaço.
No caminho de volta, meus passos diminuem quando me aproximo da minha casa. Passo pela casa 33, que me chama a atenção.
Olho para a janela da frente, ao lado da porta de entrada, a porta vermelha e lá está ele.
O vulto, uma sombra, no escuro. Uma presença.
Atrás da cortina branca, a silhueta inconfundível de um homem alto e largo, como um guarda-costas de filme. Ele está ali. Imóvel. Observando.
Paro no meio da calçada. Meus olhos se fixam no retângulo da janela, na leve ondulação da cortina contra o corpo dele. Por um instante, parece que o tempo congela.
E então, como num passe de mágica... ele recua.
Some para dentro da casa.
Cortina balança. Silêncio total.
Sinto um arrepio subir pela minha nuca. Aquele misto estranho de medo e curiosidade. O tipo de sensação que diz:
"Você está mais perto do que imagina. E não faz ideia do que está prestes a descobrir."
Volto pra casa, tranco a porta com mais firmeza do que o normal.
No fundo, sei que o caso dos meus pais não está resolvido.
E talvez...
A resposta esteja mais próxima do que a polícia é capaz de enxergar.
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Atualizado até capítulo 31
Comments
lary
Gente quem será esse homem ? Será que o pai já sabia que tava correndo risco, aí deixou ele pra cuidar dela, ou será que o homem que estava no assalto da casa dela
2025-08-15
1
Iracema Vianna
Agora até eu senti arrepio só de pensar que pode ser o homem do assalto
2025-08-15
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lary
Vamos ler pra saber o que de fato aconteceu
2025-08-15
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