Boas vindas

O som da campainha ecoa pela casa ainda meio vazia. Estou deitada no tapete da sala, tentando convencer o Jr a parar de jogar e montar as coisas do quarto dele, quando ouço o segundo toque.

- Jr, atende?

- Tô no meio da partida, Lana! Ele grita sem tirar os olhos da tela, onde um personagem está metralhando metade do planeta.

Suspiro, levanto e vou até a porta. Quando abro, dou de cara com duas garotas sorridentes e cheias de energia, como se tivessem saído de um comercial de pasta de dente e café coado.

- Oiêê! Diz a negra de camisa vermelha.

- Você é a Lana, né?

- Sou sim...

- A gente é vizinha! Eu sou a Mel. Melissa, na certidão, mas Mel pra todo mundo.

- E essa é a Isa! Aponta pra a loira, de cabelo curtinho e camiseta branca.

- Isa de Isadora, mas se me chamar assim eu finjo que não conheço. Isa sorri e estende a mão.

A energia das duas me arranca um sorriso imediato.

- A gente veio dar as boas-vindas! Tava torcendo pra se mudar gente jovem por aqui... esse lugar é cheio de coroas, idosos e pais de pet. Ninguém pra jogar UNO, sabe? Mel revira os olhos, divertida.

- Entra, vai! Abro mais a porta e dou passagem.

- Ignorem as caixas. Tô fingindo que elas são decoração.

As duas entram empolgadas, olhos brilhando.

- Uau, essa casa é tudo! Essa cozinha parece saída de um filme com assassinos ricos que tomam vinho depois de enterrar corpos em paredes de mármore. Isa diz, encantada.

- Sim! E esses móveis! Nada de cortina vitoriana e vaso com arranjo de plástico! Finalmente alguém com bom gosto! Mel gira no próprio eixo, quase tropeçando na mesinha de centro.

Elas são um furacão de comentários rápidos, piadas internas e comparações absurdas. Mas o ar muda levemente quando Mel pergunta:

- E seus pais? Eles não estão em casa?

Eu hesito por um segundo, depois respiro e solto:

- Eles… faleceram.

As duas congelam por um segundo. O silêncio que se forma é estranho, desconfortável.

- Agora é só eu e meu irmão. Ele tá ali na sala, jogando.

As duas assentem, um pouco mais contidas. Jr está, totalmente imerso no jogo, os fones de ouvido pendurados no pescoço, o controle apertado como se fosse parte do corpo dele.

- Jr??? Ele nem ouve.

- Jr???

- Vai cara...olha o outro escondido, blusa azul, atira, atira...ele grita enquanto joga online com os amigos.

- Jr??? Continuo sendo ignorada.

- Tudo bem Lana. Deixe ele! Mel diz.

- Daniel Jr!! Digo com firmeza.

- Oi! Oi!! Ele diz finalmente me dando atenção.

- Essas são a Mel e a Isa. Elas moram aqui no condomínio.

Ele dá uma olhada rápida, acena com a cabeça e solta um seco:

- E aí.

E volta pro jogo como se nada tivesse acontecido.

- Nãããooo!! Mr mataram!! Ele reclama jogando.

- Adolescente típico. Tá vivo, então tá ótimo. Isa comenta, arrancando uma risada de mim.

Voltamos pra cozinha e elas se sentam nos bancos da ilha. Mel me cutuca:

- E você, faz o quê?

- Me formei em Direito. Acabei de passar na prova da Ordem. Tô prestando serviço pro setor público agora. Por sorte, tudo online.

- Que chique! Mel diz.

- Eu tenho pânico só de pensar em código civil. Juro que fui expulsa de uma aula de Introdução ao Direito por rir da palavra “alvará”.

Rimos juntas, e eu começo a relaxar. Pela primeira vez, sinto que talvez eu consiga fazer esse lugar virar lar.

- Faz tempo que você moram aqui?

- Eu faź 1 ano e a Mel faz uns...

- 10 meses. Mel completa a frase de Isa.

- E tem alguma coisa que eu deva saber sobre o condomínio? Tipo... alguma regra bizarra? Vizinho que odeia barulho? Alguém que planta bananeira pelado às 6 da manhã?

As duas se entreolham com um sorrisinho.

- Nada disso. Pelo menos não que a gente saiba... Isa diz.

- Você já conhece todo o condôminio?

- Só a portaria e o caminho até aqui.

- Então a gente volta mais tarde, tipo lá pelas 17h, e te mostra tudo. As ruas, o mercadinho, a trilha de corrida... Ah, e claro, os boatos.

- Boatos?

- Calma! Um mistério de leve. Nada que precise de exorcismo. Por enquanto. Mel pisca.

- Perfeito. Adoro um tour com fofoca.

A gente ri mais um pouco, elas se levantam e vão embora prometendo que virão me buscar mais tarde. Fecho a porta e fico sozinha por alguns segundos, o som do controle na sala ainda clicando.

Subo pro meu quarto com a intenção de finalmente desfazer as caixas. Mas quando vou passando janela pra abrir uma caixa. Sinto como se estivesse sendo observada.

Por reflexo, olho pra frente.

Na janela a minha frente, na casa ao lado...como antes. Mas…

Tem alguém ali.

A silhueta de um homem. Alto. Largo. Imóvel, me observando.

Ele está olhando direto pra minha janela, mas a luz do sol não me permite ver com nitidez.

Meus olhos congelam. Não é imaginação. Eu sei o que vejo.

Fico ali por alguns segundos, o coração apertando no peito, a garganta secando. Um barulho no andar de baixo me distrai.

- Fui eu Lana. Está tudo bem. Jr grita.

Então volto o olhar novamente para a janela e ele havia sumido.

Engulo seco.

- Ok, isso foi... nada. Só coincidência. Nada demais.

Mas minha mão fecha a cortina com um pouco mais de força do que o necessário.

E a sensação de estar sendo observada...

Permanece.

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Comments

lary

lary

Ai quanto mistério

2025-08-15

0

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