Capítulo 4: O Eco na Poeira

O ato de "descer" não foi uma viagem, mas uma contração. Para a totalidade da existência se manifestar num único ponto, ela precisava se tornar infinitamente menor. Lobo Platinum estendeu a mão — um gesto que reordenou constelações — e arrancou um fragmento de sua própria essência. Era uma luz prateada e líquida, a matéria pura da criação, que pulsava com a memória de milênios.

Ao se separar do todo, a dor foi imediata. Não uma dor física, mas uma agonia de limitação. Foi a primeira vez, desde o início de tudo, que ele não era onipresente. O universo, que antes era uma extensão de seu corpo, agora se tornara algo que ele precisava observar à distância. Ele estava cego para as galáxias distantes, surdo para a música das esferas. Estava reduzido. Incompleto.

A luz prateada atravessou as dimensões, não como um meteoro, mas como um pensamento, buscando o ponto de ancoragem que ele havia escolhido: a cidade de Ivaiporã. O avatar não chegou com um estrondo, mas com a sutileza de uma gota de orvalho se formando numa folha.

Em um beco sem saída atrás da movimentada Avenida Paraná, onde o cheiro de lixo se misturava ao de pão assando, o ar tremeluziu por um instante. A luz prateada tocou o chão de concreto sujo e tomou forma. A forma de um homem.

As primeiras sensações foram uma agressão. O ar, úmido e pesado, preencheu pulmões que ele não possuía um momento antes, um ato estranho e trabalhoso. Os sons da cidade — buzinas, conversas abafadas, o som de um rádio mal sintonizado — eram um caos cacofônico em comparação com a harmonia silenciosa do cosmos. E os cheiros... eram avassaladores. Cada partícula contava uma história de vida e decadência, uma complexidade que sua existência divina observava, mas que seu novo corpo sentia.

O avatar, que adotou o nome de "Silas" — um eco de silva, a floresta —, olhou para as próprias mãos. Mãos humanas, com veias e impressões digitais. Ele as fechou e abriu, sentindo a fricção da pele, a tensão dos tendões. Um corpo. Uma prisão de carne e osso, limitada e frágil.

Mas dentro dessa prisão, ele ainda sentia o pulsar de sua verdadeira natureza. Erguendo o olhar, ele viu o céu noturno da cidade, poluído pela luz artificial. As estrelas, suas filhas distantes, eram apenas pontos pálidos e trêmulos. Mas ele podia sentir a conexão, um fio tênue e esticado até o limite. E ele sentia a Lua. Sua presença era um bálsamo, um lembrete de seu dever.

Ele também sentia o outro. A ferida. A cor magenta que Agustín havia visto não era visível, mas Silas podia sentir sua assinatura residual no ar, um frio sutil na trama da realidade, como a estática deixada por um raio.

O Códice Zero já havia tocado este mundo.

Com um propósito renovado, não mais cósmico e abstrato, mas terreno e imediato, Silas saiu do beco. A guerra não seria mais travada entre as estrelas, mas aqui, nas ruas de asfalto e nos corações dos mortais. Seu primeiro passo não era encontrar o Códice Zero, mas encontrar a testemunha. O jovem que havia olhado para a rachadura na realidade e sentido o medo que agora ecoava por todo o universo.

Ele precisava encontrar Agustín.

Capítulos
1 Prólogo
2 Capítulo 1: A Cor no Fim da Rua
3 Capítulo 2: O Erro de Arredondamento
4 Capítulo 3: O Peso da Criação
5 Capítulo 4: O Eco na Poeira
6 Capítulo 5: A Testemunha na Janela
7 Capítulo 6: As Regras do Jogo
8 Capítulo 7: O Santuário das Histórias
9 Capítulo 8: A Tinta Invisível
10 Capítulo 9: O Livro das Coisas Esquecidas
11 Capítulo 10: A Fotografia Que Mente
12 Capítulo 11: O Arsenal nas Entrelinhas
13 Capítulo 12: A Melodia Oca
14 Capítulo 13: A Estática na Rádio
15 Capítulo 14: A Canção Contrária
16 Capítulo 15: A Frequência Contrária
17 Capítulo 16: A Gruta Silenciada
18 Capítulo 17: A Lenda Reescrita
19 Capítulo 18: O Eco no Panteão
20 Capítulo 19: O Som do Vazio
21 Capítulo 20: O Farol da Desesperança
22 Capítulo 21: O Jardim das Memórias
23 Capítulo 22: O Escudo de Aroeira
24 Capítulo 23: O Ouro nas Fissuras
25 Capítulo 24: A Cidade Desperta
26 Capítulo 25: O Livro Impossível
27 Capítulo 26: A Ferrugem na Memória
28 Capítulo 27: A Casa na Rua Esquecida
29 Capítulo 28: A História Sob o Assoalho
30 Capítulo 29: A História Mais Forte
31 Capítulo 30: A Lua Doente
32 Capítulo 31: A Ponte de Histórias
33 Capítulo 32: Contagem Decrescente Narrativa
34 Capítulo 33: O Astronauta de Histórias
35 Capítulo 34: A Catedral do Silêncio
36 Capítulo 35: A História Redimida
37 Capítulo 36: O Evangelho do Vazio
38 Capítulo 37: A Semente da Dúvida
39 Capítulo 38: A História Desbotada
40 Capítulo 39: O Fim de Todas as Histórias
41 Capítulo 40: A Equação Impossível
42 Capítulo 41: A Chave do Matemático
43 Capítulo 42: O Sonho Dentro da Máquina
44 Capítulo 43: O Cristal Quebrado
45 Capítulo 44: O Primeiro Sonho da Terra
46 Capítulo 45: O Lançamento da Alma
47 Capítulo 46: A Primeira Palavra
48 Capítulo 47: A Erosão Silenciosa
49 Capítulo 48: O Artista Chamado Zero
50 Capítulo 49: O Templo da Tela em Branco
51 Capítulo 50: A Voz do Silêncio
52 Capítulo 51: Ecos no Oceano de Concreto
53 Capítulo 52: O Paciente Zero
54 Capítulo 53: O Teatro de Sombras
Capítulos

Atualizado até capítulo 54

1
Prólogo
2
Capítulo 1: A Cor no Fim da Rua
3
Capítulo 2: O Erro de Arredondamento
4
Capítulo 3: O Peso da Criação
5
Capítulo 4: O Eco na Poeira
6
Capítulo 5: A Testemunha na Janela
7
Capítulo 6: As Regras do Jogo
8
Capítulo 7: O Santuário das Histórias
9
Capítulo 8: A Tinta Invisível
10
Capítulo 9: O Livro das Coisas Esquecidas
11
Capítulo 10: A Fotografia Que Mente
12
Capítulo 11: O Arsenal nas Entrelinhas
13
Capítulo 12: A Melodia Oca
14
Capítulo 13: A Estática na Rádio
15
Capítulo 14: A Canção Contrária
16
Capítulo 15: A Frequência Contrária
17
Capítulo 16: A Gruta Silenciada
18
Capítulo 17: A Lenda Reescrita
19
Capítulo 18: O Eco no Panteão
20
Capítulo 19: O Som do Vazio
21
Capítulo 20: O Farol da Desesperança
22
Capítulo 21: O Jardim das Memórias
23
Capítulo 22: O Escudo de Aroeira
24
Capítulo 23: O Ouro nas Fissuras
25
Capítulo 24: A Cidade Desperta
26
Capítulo 25: O Livro Impossível
27
Capítulo 26: A Ferrugem na Memória
28
Capítulo 27: A Casa na Rua Esquecida
29
Capítulo 28: A História Sob o Assoalho
30
Capítulo 29: A História Mais Forte
31
Capítulo 30: A Lua Doente
32
Capítulo 31: A Ponte de Histórias
33
Capítulo 32: Contagem Decrescente Narrativa
34
Capítulo 33: O Astronauta de Histórias
35
Capítulo 34: A Catedral do Silêncio
36
Capítulo 35: A História Redimida
37
Capítulo 36: O Evangelho do Vazio
38
Capítulo 37: A Semente da Dúvida
39
Capítulo 38: A História Desbotada
40
Capítulo 39: O Fim de Todas as Histórias
41
Capítulo 40: A Equação Impossível
42
Capítulo 41: A Chave do Matemático
43
Capítulo 42: O Sonho Dentro da Máquina
44
Capítulo 43: O Cristal Quebrado
45
Capítulo 44: O Primeiro Sonho da Terra
46
Capítulo 45: O Lançamento da Alma
47
Capítulo 46: A Primeira Palavra
48
Capítulo 47: A Erosão Silenciosa
49
Capítulo 48: O Artista Chamado Zero
50
Capítulo 49: O Templo da Tela em Branco
51
Capítulo 50: A Voz do Silêncio
52
Capítulo 51: Ecos no Oceano de Concreto
53
Capítulo 52: O Paciente Zero
54
Capítulo 53: O Teatro de Sombras

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