O ato de "descer" não foi uma viagem, mas uma contração. Para a totalidade da existência se manifestar num único ponto, ela precisava se tornar infinitamente menor. Lobo Platinum estendeu a mão — um gesto que reordenou constelações — e arrancou um fragmento de sua própria essência. Era uma luz prateada e líquida, a matéria pura da criação, que pulsava com a memória de milênios.
Ao se separar do todo, a dor foi imediata. Não uma dor física, mas uma agonia de limitação. Foi a primeira vez, desde o início de tudo, que ele não era onipresente. O universo, que antes era uma extensão de seu corpo, agora se tornara algo que ele precisava observar à distância. Ele estava cego para as galáxias distantes, surdo para a música das esferas. Estava reduzido. Incompleto.
A luz prateada atravessou as dimensões, não como um meteoro, mas como um pensamento, buscando o ponto de ancoragem que ele havia escolhido: a cidade de Ivaiporã. O avatar não chegou com um estrondo, mas com a sutileza de uma gota de orvalho se formando numa folha.
Em um beco sem saída atrás da movimentada Avenida Paraná, onde o cheiro de lixo se misturava ao de pão assando, o ar tremeluziu por um instante. A luz prateada tocou o chão de concreto sujo e tomou forma. A forma de um homem.
As primeiras sensações foram uma agressão. O ar, úmido e pesado, preencheu pulmões que ele não possuía um momento antes, um ato estranho e trabalhoso. Os sons da cidade — buzinas, conversas abafadas, o som de um rádio mal sintonizado — eram um caos cacofônico em comparação com a harmonia silenciosa do cosmos. E os cheiros... eram avassaladores. Cada partícula contava uma história de vida e decadência, uma complexidade que sua existência divina observava, mas que seu novo corpo sentia.
O avatar, que adotou o nome de "Silas" — um eco de silva, a floresta —, olhou para as próprias mãos. Mãos humanas, com veias e impressões digitais. Ele as fechou e abriu, sentindo a fricção da pele, a tensão dos tendões. Um corpo. Uma prisão de carne e osso, limitada e frágil.
Mas dentro dessa prisão, ele ainda sentia o pulsar de sua verdadeira natureza. Erguendo o olhar, ele viu o céu noturno da cidade, poluído pela luz artificial. As estrelas, suas filhas distantes, eram apenas pontos pálidos e trêmulos. Mas ele podia sentir a conexão, um fio tênue e esticado até o limite. E ele sentia a Lua. Sua presença era um bálsamo, um lembrete de seu dever.
Ele também sentia o outro. A ferida. A cor magenta que Agustín havia visto não era visível, mas Silas podia sentir sua assinatura residual no ar, um frio sutil na trama da realidade, como a estática deixada por um raio.
O Códice Zero já havia tocado este mundo.
Com um propósito renovado, não mais cósmico e abstrato, mas terreno e imediato, Silas saiu do beco. A guerra não seria mais travada entre as estrelas, mas aqui, nas ruas de asfalto e nos corações dos mortais. Seu primeiro passo não era encontrar o Códice Zero, mas encontrar a testemunha. O jovem que havia olhado para a rachadura na realidade e sentido o medo que agora ecoava por todo o universo.
Ele precisava encontrar Agustín.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 54
Comments