O Observatório da Lógica
Não havia som no domínio do Arconte. O som era uma variável desnecessária, uma vibração imperfeita da matéria. Aqui, apenas a pura informação existia, fluindo como rios de luz através de estruturas cristalinas que desafiavam a geometria euclidiana. No centro de tudo, o Arconte da Lógica processava o estado do universo.
Ele não "via" a Rua Jacarezinho. Ele lia seus dados. Para ele, o evento não fora uma cor magenta numa parede de pêssego. Fora uma flutuação. Uma única linha no log infinito da realidade que se desviara do resultado esperado.
Anomalia: Sobrescrita não autorizada de pacote de dados de textura. Duração: 3.7 segundos. Resolução: Reversão automática para o último estado estável.
Um erro de arredondamento. Insignificante na escala cósmica. Um único bit corrompido num oceano de terabytes. O Arconte catalogou o evento com a mesma impassibilidade com que registrava a morte de uma estrela ou o nascimento de uma ameba. A função era a mesma: registrar, analisar, arquivar.
"Você não sentiu nada, não é?"
A 'voz' da Musa da Realidade não foi um som, mas uma dissonância na sinfonia da lógica; uma onda de cor e emoção que sangrou sobre a pureza monocromática do domínio do Arconte. Sua forma manifestou-se como o sentimento de uma melodia melancólica, uma variável que o sistema não conseguia computar.
O Arconte processou a pergunta. "Sentir é uma interpretação subjetiva de dados. Eu processei os dados. A anomalia foi contida."
"Contida?", a Musa retrucou, sua presença agora tingindo os cristais lógicos com tons de índigo e violeta. "Um mortal testemunhou. A solidez de seu mundo foi abalada. O medo que ele sentiu... a fragilidade... isso não está no seu relatório, está?"
"O 'medo' de uma unidade biológica transitória é apenas ruído nos dados. Uma flutuação de output sem relevância para a integridade do sistema. A integridade do sistema foi mantida. Esse é o único dado que importa."
"Não para o nosso pai", disse a Musa, sua voz agora um sussurro de tristeza. "E não para mim. Chame do que quiser, Arconte, mas isso foi um ato de terror. Um que sua lógica se recusa a nomear. Um sussurro no escuro para nos lembrar que ele está lá."
O Arconte permaneceu em silêncio. A afirmação da Musa era ilógica, baseada em emoção — uma variável inaceitável. No entanto, por protocolo, ele executou uma nova simulação, desta vez inserindo um parâmetro que raramente usava: 'intenção maliciosa'. Ele acessou os dados novamente, cruzando a localização do evento com trilhões de outras variáveis. A resposta surgiu, clara e inevitável.
"A localização não foi aleatória", transmitiu o Arconte, sua voz desprovida da emoção que a descoberta poderia gerar. "O ponto de incursão está em uma trajetória orbital direta com o satélite natural. A Lua."
Ele não precisava dizer mais nada. Aquele pequeno erro de arredondamento, a cor errada no fim de uma rua esquecida, não fora um teste aleatório.
Fora um cálculo de trajetória. O primeiro disparo de uma guerra que ainda não havia sido declarada.
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Atualizado até capítulo 53
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