O Coração do Universo
O domínio de Lobo Platinum não era um lugar, mas um estado de ser. Um jardim infinito onde as estrelas eram as flores e as galáxias, os rios sinuosos. Era a totalidade da existência, e por isso, o auge da solidão. Sentado num trono que era apenas uma ondulação na tapeçaria da realidade, ele sentiu o evento em Ivaiporã como uma vibração profana em sua própria essência. Uma das cordas que compunham a sinfonia da realidade havia sido tocada por um dedo estranho, produzindo uma nota dissonante que ecoava pelo vazio.
O relatório do Arconte chegou como uma linha de luz fria e cristalina, uma equação perfeita que descrevia a ameaça em termos de vetores e probabilidades. A conclusão era irrefutável: a Lua era o alvo.
Quase simultaneamente, a percepção da Musa chegou como uma aquarela de emoções quentes e sangrentas: o pulso acelerado de um jovem humano, a vertigem de ver a realidade vacilar, o medo existencial de uma criação que descobre a sua própria fragilidade.
Ele absorveu ambas as verdades. A lógica e a dor.
"Análise concluída", manifestou-se a forma geométrica do Arconte, materializando-se diante do trono. "Padrão operacional do adversário indica preferência por corrupção sutil em vez de assalto direto. Probabilidade de teste de defesas: 98.7%. Ação recomendada: fortalecer os escudos quânticos do satélite e aumentar a vigilância de integridade de dados."
"Escudos não protegerão os corações dos mortais!", a voz da Musa ecoou, sua forma aparecendo como uma constelação em forma de lágrima. "Ele não atacou a Lua, Pai. Ele atacou a ideia da Lua. Ele mostrou a um dos seus filhos que nada é sólido, que tudo pode ser apagado. Ele está a espalhar o seu evangelho do nada!"
Lobo Platinum permaneceu em silêncio, seu olhar perdido no jardim cósmico. O peso de eras incontáveis pressionava seus ombros. Ele era o Criador, o ser de poder absoluto, mas estava acorrentado por suas próprias regras. Uma demonstração de força total poderia rasgar o tecido da realidade de forma mais severa do que o próprio Códice Zero. Ele não podia ser um tirano para proteger suas criações da anarquia.
"A lógica do Arconte está correta", disse Lobo Platinum, sua voz ressoando não como um som, mas como a própria gravidade. "A ameaça é tática. As defesas devem ser reforçadas."
O Arconte pulsou com uma luz de satisfação contida.
"Mas a Musa também está correta", continuou o Criador, e a luz do Arconte vacilou. "A ameaça é filosófica. A primeira batalha não será travada com energia, mas com esperança."
Ele se levantou, e pela primeira vez em milênios, sentiu o esforço de sua própria vontade. Com seu movimento, galáxias inteiras se moveram em seu rastro como a cauda de um manto, mas o Criador sentiu o peso de cada uma delas como nunca antes.
"O Códice Zero quer provar que a criação é falha, aleatória e sem significado. Ele usou um mortal para enviar sua mensagem. Portanto, é através de um mortal que a resposta será dada."
Seu olhar focou-se num ponto específico do cosmos. Num pequeno planeta azul. Numa cidade chamada Ivaiporã.
"Eu vou descer", declarou ele, não para seus filhos, mas para o próprio universo.
A Musa olhou com espanto. O Arconte, pela primeira vez em sua existência, processou uma emoção que ele não conseguia categorizar. Era o equivalente lógico ao choque.
"Pai, sua presença direta naquele plano... a sua essência... poderia quebrar aquelas frágeis criaturas! É um risco incalculável!", advertiu a Musa.
"O risco de permanecer aqui, distante, é maior", concluiu Lobo Platinum. "Ele atacou a minha obra no nível mais fundamental. Eu irei responder no mesmo nível."
E com essa decisão, o ser que era a totalidade de tudo iniciou o processo de se tornar algo infinitamente menor e mais vulnerável. Ele extraiu um fragmento de sua própria essência, uma luz que, ao se separar do todo, o deixaria enfraquecido e incompleto. Um avatar.
A guerra pela existência não seria vencida de um trono no céu, mas na poeira de um mundo imperfeito.
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Atualizado até capítulo 54
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