Sabor Impróprio

O primeiro garfo nem chegou à boca.

Morete Fagundes observava o prato à sua frente com a mesma expressão que usava para contratos milionários: fria, calculada, impecável. Mas, desta vez, algo escapava ao controle — o que o perturbava profundamente.

Aquela mulher.

O nome dela ainda ecoava em sua mente. Sabrina Assunção.

Morete digitou o nome com a precisão de quem não admite ignorância. O celular captou em segundos uma enxurrada de notícias, entrevistas e reportagens.

> “Empresária negra revoluciona setor gastronômico com restaurante premiado.”

> “Sabrina Assunção: a jovem que transformou marmitas em um império.”

Ele franziu o cenho. Aquilo não fazia sentido. Ela era jovem demais. Despretensiosa demais. Confiante demais. Não usava o sobrenome como escudo. Não fazia esforço para impressionar. Mas ainda assim… **impressionava.**

E isso irritava Morete.

Porque ela não deveria tê-lo desconcertado com um simples olhar. Não ela.

Acostumado a mulheres que rodavam em torno de sua presença como satélites ao redor do sol, ele aprendeu a dominar encontros antes mesmo que começassem. Em ambientes onde tudo era protocolo e aparência, Morete sabia exatamente quem era, o que esperavam dele e o que ele esperava dos outros: **distância.**

Mas ela?

Ela entrou como um raio.

E saiu como se não tivesse acabado de virar seu mundo do avesso.

— Inaceitável… — murmurou, dando finalmente uma garfada.

O sabor era espetacular. Injustamente bom. O tipo de prato que quase provocava emoção — o que, para Morete, era outro problema. Ele odiava sentir. Detestava não estar no controle.

O celular vibrou.

**Mensagem do pai.**

Seca. Objetiva. Como todas as outras.

> “Almoço com o embaixador da Áustria confirmado. Nada de distrações. Imprensa vai cobrir discretamente.”

Morete bufou.

> “Distrações” — pensou. Se o pai soubesse onde ele estava e com quem acabara de cruzar, classificaria Sabrina como isso: uma distração. Ou pior… um erro.

Mas algo nele se recusava a aceitar essa definição.

Havia algo em Sabrina Assunção que não cabia nas etiquetas que a família Fagundes usava para classificar pessoas. Ela não se curvava. Não fingia. Não implorava. Era... livre.

E liberdade era algo que Morete não tinha desde que nasceu.

Pegou o celular e ampliou uma das fotos do Google: Sabrina na inauguração de uma filial, cabelo solto, sorriso aberto, vestida com elegância e simplicidade. Havia algo de errado naquela imagem.

**Ela parecia feliz. Verdadeiramente feliz.**

E isso o provocava.

Ele se recostou na cadeira, fitando o salão elegante à sua volta. Era para ser só um almoço rápido. Um prato premiado. Um momento entre reuniões e obrigações. Mas agora, estava preso em algo que não conseguia explicar — e muito menos evitar.

Não sabia ainda, mas já estava contaminado.

Não pelo sabor.

Não pela beleza.

Mas pela ousadia de uma mulher que não tinha medo de existir.

E isso...

Era mais perigoso do que qualquer

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 A mulher que eu nunca esqueci

A tarde parecia igual a todas as outras, mas algo me inquietava. Talvez fosse o fato de estar de volta àquele restaurante — o mesmo onde a vi pela primeira vez, a morena de olhar marcante e curvas que deixaram meu mundo em silêncio por alguns segundos.

Dessa vez, não vim por acaso. Havia uma reunião marcada com meus sócios. E por mais que o motivo fosse profissional, meu instinto me alertava: eu voltaria a vê-la.

O restaurante tinha um espaço reservado para eventos e reuniões. Era discreto, confortável e elegante, o que explicava por que tantos empresários o escolhiam. Mas para mim, havia outro atrativo — ela.

Assim que entrei, meus olhos varreram o ambiente. E lá estava Sabrina, caminhando entre as mesas com postura firme, um vestido de alfaiataria que delineava seu corpo como se tivesse sido feito sob medida. Morena, cabelo chocolate cacheado, uma beleza que prendia o olhar de qualquer homem. Inclusive dos meus sócios.

— Quem é aquela? — murmurou Stefano, um dos sócios italianos.

— A gerente daqui? Bonita demais pra ficar atrás do balcão — comentou outro, em tom baixo, mas não baixo o suficiente.

Senti o sangue subir. Os comentários deixaram meu maxilar travado. Eu nem a conhecia de verdade, mas o simples fato de outros homens a desejarem acendia um instinto primitivo em mim. Aquele tipo de desejo que não se explica — só se sente. E o que eu sentia era ciúmes. Puro, ardente e irracional.

Me levantei sob a desculpa de ir ao banheiro. Mas o destino tinha outros planos.

Enquanto atravessava o corredor próximo aos escritórios, ouvi vozes elevadas. A porta entreaberta do escritório da gerência revelava a cena que imediatamente me fez perder o controle.

Um homem — alto, insistente, visivelmente alterado — tentava segurar o braço de Sabrina enquanto ela tentava se desvencilhar.

— Solta ela! — rosnei, avançando sem pensar.

Em segundos, minha mão já segurava a gola da camisa dele, o jogando contra a parede com violência. Meus punhos agiram antes mesmo da minha razão. Dois golpes certeiros no rosto do desgraçado, que cambaleou, atordoado.

— TIRA AS MÃOS IMUNDAS DA MINHA MULHER! — berrei.

O silêncio foi imediato. Sabrina me olhou, confusa, surpresa. A segurança apareceu segundos depois, e o homem foi retirado.

Ela ainda estava tremendo quando se virou pra mim.

— Eu... obrigada. Eu já ia chamar a segurança...

— Você não pode ser tão distraída assim — rebati, sem conseguir controlar o tom. — Se eu não tivesse aparecido, o que ele teria feito? Você não pensa? Sozinha, no escritório, com uma porta destrancada?

Ela tentou falar, mas levantei a mão e cortei.

— O café, hoje, é por cortesia da casa — disse ela, com a voz baixa, tentando manter o profissionalismo.

— Não me importo com café. Me importo com você. — disse entre dentes, antes de virar as costas e sair.

Deixei o restaurante com os nós dos dedos doendo e o coração mais ainda.

Eu mal a conhecia, mas tinha certeza de uma coisa: essa mulher ainda vai bagunçar minha vida inteira.

 Ponto de Vista de Sabrina

O silêncio do meu escritório só foi quebrado pelo som do meu próprio coração ainda acelerado. Meus dedos trêmulos repousavam sobre a mesa enquanto tentava digerir tudo o que tinha acabado de acontecer. Era pra ser só mais uma tarde normal de trabalho, uma reunião discreta em nossa área reservada do restaurante. Eu nem fazia ideia de que ele — Morete — estava ali.

A confusão aconteceu tão rápido, que ainda parecia irreal. Aquele cliente inconveniente apareceu de repente no corredor, tentando invadir meu espaço, com aquela postura agressiva, arrogante… e perigosa. Minha reação foi travar. Mas antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, a figura dele surgiu como um raio.

Morete.

Não sei de onde veio, mas, quando dei por mim, ele já estava com os punhos cerrados, empurrando o homem contra a parede, sua voz ecoando firme e furiosa:

— Tira as mãos imundas da minha mulher!

Meus olhos se arregalaram. Minhas pernas vacilaram. Minha mulher?

Aquilo me desmontou. Ele sequer me olhou depois daquilo. Apenas verificou se eu estava bem, mandou o segurança resolver a situação e saiu com os olhos em brasas, como se estivesse mais irritado comigo do que com o canalha que tentou me tocar.

Fiquei sem reação. Não entendi se era ciúme, impulso ou um grito do inconsciente. Só sei que aquelas palavras ficaram me martelando com força absurda.

Minha mulher…

Meus funcionários rapidamente fingiram que nada viram, e a reunião seguiu no salão, mas eu não consegui mais voltar ao normal. Tudo parecia fora de lugar. Passei o resto da tarde revivendo a cena, tentando entender o que o fez explodir daquela forma. Por que ele ficou tão abalado? Por que saiu sem sequer me deixar explicar?

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