02 - Fofocas

THABITA

Termino de ajeitar a vitrine com cuidado, enquanto a Paolla atende os poucos clientes que ainda restam.

O movimento anda fraco nos últimos dias — talvez porque as aulas ainda não começaram e esse bairro funciona mais como um point estudantil, ou talvez porque, como no ano passado, os Caccini estão prestes a dar início à festa anual deles. Quando esse clã organiza algo, parece que a cidade inteira para.

Ano passado, infelizmente, eu estive nessa festa. Fui como acompanhante do Agustín, o que por si só já foi um erro. A celebração era linda, glamourosa, e a maioria da família dele era um verdadeiro encanto. Mas ter que passar o dia inteiro ouvindo meu então namorado reclamar do pai, para depois sumir misteriosamente e ser encontrado se enroscando com outro homem? Não foi o tipo de lembrança que se guarda com carinho.

Encaro o bolo na vitrine. Fiz ele com tanto cuidado, cada detalhe confeitado com uma delicadeza quase poética. Dá até pena de cortar e servir.

Foi assim que tratei o meu relacionamento também: com carinho, paciência e entrega. E mesmo com toda a raiva que senti de Agustín, jamais o expus. Engoli a dor, me reconstruí em silêncio. Porque se tem uma coisa que herdei da minha mãe foi dignidade — mesmo nos piores momentos.

— Terra chamando Thabita! — A voz de Paolla me puxa de volta. — Você de novo viajando no tempo, garota.

— Me peguei pensando na festa dos Caccini. — respondo, tirando o olhar do bolo.

— Aiii, era sobre isso que eu ia falar com você! — Paolla arranca o avental e caminha até mim, animada. O café está vazio, o que nos dá esse breve respiro de conversa. — Eu queria muito ir! Tipo, muito mesmo!

— Pode ir, Paolla. — digo, com um sorriso pequeno. — A cafeteira já não ia abrir esse final de semana mesmo. Esqueceu que eu vou embarcar naquele cruzeiro?

— Meu Deus! É verdade!

A Paolla é minha única funcionária — e uma das poucas pessoas em quem realmente confio aqui na Itália. Foi uma daquelas amizades inesperadas que a vida entrega quando você menos espera, mas mais precisa.

— Ai, eu ia amar passar um final de semana inteiro num cruzeiro. — ela diz, voltando ao caixa, já sonhando acordada.

Bem... eu não estou exatamente animada como ela estaria. Mas meu pai insistiu, pagou tudo, e dessa vez o motivo é mais nobre: uma aula especial com o renomado chef francês Edmond Clear. Uma oportunidade única de aprender com um dos melhores do mundo.

...❤️...

Assim que fecho a última persiana do café, ouço o som familiar do corpo da Paolla despencando no chão. Ela se senta no cantinho mais próximo e já está com o celular nas mãos, os dedos deslizando com a velocidade de alguém que nasceu para ser digital.

Minha amiga é cronicamente online — o que faz todo sentido, considerando que é formada em Relações Públicas. Metade da vida dela acontece ali, entre tweets, stories e fofocas de celebridades que ninguém pediu, mas todo mundo quer saber.

— Qual a fofoca quente de hoje? — pergunto, trancando a porta com a chave e me jogando no pufe atrás do balcão.

— Nada de muito novo. — responde, sem desviar os olhos da tela. — Só a Christiane Tonini fazendo o que ela faz melhor: acusar o Liam Caccini de ser um péssimo namorado.

Reviro os olhos com um suspiro. A novela eterna.

— Juro que não entendo essa mulher. — digo. — Eles namoraram por sete anos, ficaram noivos, nunca moraram juntos, ele adiou o casamento seis vezes! Como é que ela ainda perde tempo com ele?

— Bem... o Liam é um Caccini. — Paolla responde com aquele tom irônico e cheio de duplo sentido.

— Se é isso que ela pensa, então ela não é muito melhor do que ele. Ficar em um relacionamento só por causa de dinheiro e influência? Francamente.

— Tata... — Paolla levanta os olhos do celular, cruzando as pernas no chão. — Gente rica lida com problemas de forma completamente disfuncional. Olha pro seu pai! Se divorciou e tá agindo como se o mundo estivesse acabando. Como se ele fosse o único homem abandonado da face da Terra.

Ela ri, debochada, e eu acabo rindo junto. Porque, infelizmente, ela tem razão.

— Bem, isso é um fato inegável. — admito, pegando meu próprio celular.

Abro uma notificação e lá está mais uma matéria sobre Luigi Bianchi. A ex-mulher dele está acusando meu pai de traição agora. Francamente? Eu duvido muito.

Meu pai tem muitos defeitos — e a lista é longa —, mas infidelidade nunca foi um deles. Ele é orgulhoso demais pra esse tipo de escândalo. Prefere acabar com tudo antes de se sujar assim. Se o casamento terminou, foi por outras mil razões. E provavelmente a culpa foi dos dois.

Suspiro, deslizando o dedo pela tela. É impressionante como as coisas ganham proporções gigantescas só porque alguém tem um sobrenome importante.

Mas, ainda assim, ser filha de um homem poderoso não me impede de sentir o peso das consequências. Mesmo quando as fofocas não são sobre mim... de certa forma, elas sempre me atingem.

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