01 - Viagem Marcada

LIAM

Arremesso o tablet longe com força. Era tão simples. Tão malditamente simples. Como é que ninguém consegue fazer as coisas direito?

— Desculpe. — diz Igor, meu assistente, abaixando-se para pegar o aparelho no chão. — Tentamos de tudo. A senhorita Tonini pagou as páginas de fofoca antes que chegássemos. E mesmo oferecendo o dobro... ninguém quis alterar as publicações. — ele explica, sem conseguir esconder o desconforto.

Sete anos da minha vida desperdiçados ao lado de Christiane Tonini. Um erro monumental. Eu já conheci mulheres perigosas, mas Christiane... Christiane é movida a vingança. Uma versão socialmente aceitável da Ellen — só que com mais maquiagem, menos limites e uma obsessão patológica por destruir minha reputação.

— O que devemos divulgar à imprensa, senhor?

— A mesma nota de sempre. — respiro fundo. — Diga que o casamento foi cancelado por falta de cumplicidade. Que nunca houve amor verdadeiro. Apenas sexo e negócios. Não seria mentira.

— Sim, senhor. — Igor acena, saindo da sala em passos silenciosos.

Mal ele fecha a porta, outra se abre. E minha mãe entra como se flutuasse, o sorriso dela tão largo que seria capaz de iluminar a cidade inteira.

Dona Irelia Caccini, sempre elegante, sempre no controle, sorri como se tivesse acabado de ganhar na loteria. E eu odeio isso. Odeio o quanto ela parece satisfeita com o meu fracasso amoroso.

— Diga, Mama... — murmuro, sem esconder o tédio.

— Vai participar do jantar da família neste fim de semana? — ela pergunta direto, como quem já conhece a resposta, mas quer ouvir da minha boca.

— Não. — respondo seco. — Deixe essa tarefa para o Vittorio este ano. Ele adora essas formalidades. Vou viajar depois de amanhã.

O sorriso dela não some. Pelo contrário, parece até crescer.

E, sinceramente, isso me preocupa mais do que qualquer manchete.

O sorriso dela não diminui. Pelo contrário, cresce. Um pouco mais afiado, um pouco mais satisfeito. É nesses momentos que entendo perfeitamente de onde Christiane tirou as lições de manipulação dela. Comparada à minha mãe, a Tonini era só uma aluna aplicada.

— Já esperava por essa resposta. — Irelia diz, andando pela sala como se fosse dela. Seus dedos deslizam casualmente pelos móveis, analisando cada detalhe do ambiente, como se procurasse algo fora do lugar ou dentro de mim.

— Então por que perguntou? — retruco, afundando na poltrona com um cansaço que não é físico.

— Porque sou sua mãe, Liam. E gosto de fingir que você ainda tem um pouco de respeito pelas tradições da nossa família. — Ela para em frente à janela, de costas para mim. — Ou pelo menos pelo seu pai. Ele ficará desapontado.

— Ele já vive desapontado comigo, Mama. Não será novidade. — minha voz sai mais dura do que o necessário, mas verdadeira. — Mande flores em meu nome. Faço questão que sejam caras.

Ela se vira devagar. A expressão ainda é serena, mas seus olhos... os olhos da minha mãe dizem tudo que ela não precisa verbalizar. Olhos que viram mais do que deviam, olhos que aprendem rápido e esquecem devagar.

— Você pode fugir da Christiane, da imprensa, dos almoços em família... Mas não vai conseguir fugir do que está se tornando. — ela diz, num tom baixo, quase gentil. — Frio. Amargo. Cínico.

Dou uma risada curta.

— E você queria o quê? Que eu saísse dessa história cantando ópera e acreditando no amor?

— Não. — ela responde, com um leve arquear de sobrancelha. — Queria apenas que fosse mais como o Vittorio.

Claro. Sempre o Vittorio. O perfeito, o equilibrado, o diplomático. O irmão que faz tudo certo e nunca perde o tom. A versão masculina da nossa mãe, em versão envelhecida e mais silenciosa.

— O Vittorio pode ficar com o jantar da família. Com o aplauso do papai. E com as conversas sobre política e vinhos caríssimos. — digo, levantando-me. — Eu só quero distância. De tudo. E de todos.

— Inclusive de você mesmo?

A pergunta paira no ar, como uma taça prestes a cair no chão. Mas não respondo.

Minha mãe me observa por mais alguns segundos, então solta um suspiro pesado, como se carregasse o peso do mundo nos ombros — ou como se quisesse que eu acreditasse nisso.

— A vida vai te cobrar, Liam. E um dia, quando não tiver mais ninguém pra culpar, vai entender que se afastar é fácil. Difícil mesmo é permanecer inteiro quando se escolhe ficar.

Ela se vira e caminha até a porta, pausando apenas por um segundo antes de sair:

— Boa viagem, figlio mio. Espero que, dessa vez, encontre algo... ou alguém... que te faça querer voltar.

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