Capítulo 3 – As Verdades Que Doem

O dia mal amanhecera e eu já estava de pé. Acordei Keitlin para mamar e, depois que ela adormeceu novamente, Cíntia chegou e eu me apressei para tomar café.

 — Vai se demitir? — ela perguntou, observando minha expressão tensa.

 — Acho que nem vai precisar — suspirei, pegando minha caneca. — Depois de ontem, ele provavelmente já me espera com todos os papéis prontos.

 — Ele é tão ruim assim?

 Fiquei em silêncio por alguns segundos, lembrando de Arthur. Alto, postura firme, voz decidida... Ele era completamente diferente de Max. Arthur era exigente, direto. Max... Max tinha aquela voz mansa que enganava fácil. Foi assim que ele me conquistou — ou melhor, me iludiu.

 Sacudi a cabeça, afastando as memórias. Cíntia ainda esperava minha resposta.

 — Ele não é exatamente ruim... Só não sei se consigo lidar. Meus nervos estão à flor da pele. Trabalhar na mesma empresa que Max já seria difícil. Agora trabalhar com o irmão dele... É ainda pior. E tem mais: e se a verdade vier à tona? Max agora está casado. O que vai acontecer se a esposa dele descobrir sobre mim? Ou sobre a Keitlin? Ou pior... Se Arthur descobrir? Só de imaginar, fico arrepiada.

 — Tem razão. Seria um escândalo... Mas você vai deixar assim? Não vai cobrar nada do Max? Ele deveria assumir a Keitlin. É um direito dela! Querendo ou não, ela é uma Caliman.

 — Nem me fale esse nome. Só de pensar que minha filha vai carregar esse sobrenome... Me sinto culpada. Eu deveria ter pensado melhor antes de... Antes de deixar o Max ser o pai dela.

 — Você não escolheu isso. Aconteceu, Mari...

 — Ele me pagou pra fazer um aborto.

 — O quê? — Cíntia arregalou os olhos, em choque.

 — Assim que descobri tudo sobre a noiva dele... ele me pagou pra abortar. Eu cheguei a ir até a clínica... mas não tive coragem. Usei o dinheiro pra montar o quartinho da Keitlin, comprei parte do enxoval... Achei que, ao ver tudo, ele amoleceria. Que mudaria de ideia. Mas não mudou.

 — E como você foi parar em Miami?

 — Depois que ele surtou ao descobrir que eu não abortei, brigamos feio. Eu o ameacei, disse que contaria tudo à família dele. Ele ficou apavorado e começou a me enrolar, fingindo que queria me reconquistar. E eu... eu acreditei. Ele dizia que terminaria o noivado e que nos encontraríamos em Miami, no mês seguinte, pra recomeçar... eu, ele e nossa filha.

 Cíntia ouvia em silêncio, apertando a caneca entre as mãos.

 — Ele dizia que a viagem era pra “ganhar tempo”, que não queria que a família descobrisse e nos difamasse. Um mês se passou, e ele não apareceu. Liguei, e ele disse que estava atolado na empresa. Pediu mais tempo. Mais um mês se passou. Quando eu entrei no quinto mês de gestação, liguei de novo. Falei que voltaria para Nova York. Foi aí que ele começou com os presentes, me iludindo mais uma vez. Enviava fotos de roupinhas, dizia que estava animado com a chegada do bebê...

 — E você acreditou...

 — Eu estava cega, Cíntia. Completamente cega de amor. Nunca passou pela minha cabeça que ele podia estar mentindo.

 — Ai, Mari...

 — Eu só descobri a verdade quando entrei no oitavo mês. Ele não aparecia\, não respondia. Liguei para a casa dele. Foi a empregada quem me contou que ele estava em lua de mel. Tinha se casado *uma semana antes*.

 — Meu Deus...

 — Fiquei tão abalada que entrei em trabalho de parto antes da hora. Quando Keitlin nasceu... Eu me sentia tão mal, tão devastada... que cogitei deixá-la no hospital e fugir. Mas... Quando a olhei... Percebi que só tínhamos uma à outra.

 — Mari... Eu sinto tanto. Não consigo imaginar o que você passou. Ser rejeitada assim...

 — Ele fez da minha vida um inferno. Tentou me afastar da empresa, me mandou para longe. Só queria me apagar da existência dele.

 — E por que você nunca contou isso a ninguém?

 — Já pensei em contar. Mas ele é o dono da empresa. Está casado. E eu? Sou só a ex-secretária. Quem você acha que vão acreditar? O mínimo seria me chamarem de interesseira. Diriam que eu dei o golpe da barriga. Seria humilhada.

— É... verdade.

 Suspirei fundo, peguei minha bolsa e a abracei brevemente.

 — Bom... vou nessa. Se tudo correr bem, em uma hora estou de volta.

 — Tem tanta certeza assim que ele vai te demitir?

 — Gritei com ele no primeiro dia. E Arthur não parece o tipo que ouve calado...

 — Boa sorte então.

 — Vou precisar.

 Caminhei apressada pelos corredores da empresa. Pensei em ir direto à sala dele... por que adiar o inevitável?

 Mas decidi passar na minha mesa antes.

 Assim que me aproximei, vi Rúbia me encarar com um sorrisinho enviesado.

 — Bom dia, Mari.

 — Bom dia, Rúbia.

 — O senhor Arthur quer vê-la. Ele passou aqui mais cedo e pediu que você fosse ao escritório assim que chegasse.

 — Tudo bem. Já estou indo.

 Dei meia-volta, respirando fundo e tentando reunir coragem. Antes que eu saísse, ela me chamou de novo.

 — Mari...

 — Sim?

 — Ele estava com uma cara péssima.

 Engoli em seco.

Ótimo.

O que mais eu esperava? Uma festa de despedida? Ele ia me destruir.

---

Caminhei firme até a porta do escritório, respirei fundo e girei a maçaneta.

 — Queria me ver?

 O homem à minha frente parecia irreconhecível. Sem gravata, cabelos bagunçados, olheiras profundas. Nada no seu semblante lembrava o Arthur elegante e impassível do dia anterior.

 Olhei para o sofá e vi a marca do corpo no estofado.

Ele... Tinha dormido ali?

— Dormiu aqui?

 Ele me observou com atenção, depois caminhou até mim com as mãos nos bolsos. Seus olhos — frios como gelo — fixaram-se nos meus. E, à medida que se aproximava, me senti pequena, quase insignificante.

 — Essa é a diferença entre pessoas como eu e você, Mariane — disse, a voz baixa e firme. — Eu fico depois do expediente, resolvo problemas, enfrento crises. Foi assim que deixei de ser empregado e me tornei patrão. Você? É só uma funcionária que faz o básico... e ainda acha que faz demais.

 Aquelas palavras desceram rasgando. Senti o rosto queimar.

 — Vai me demitir?

 — Eu deveria?

 — Acho que sim...

 Arthur manteve o olhar firme.

 — Se era isso que esperava, lamento desapontá-la... Eu preciso de você.

 — Como assim?

Ele se aproximou ainda mais. De perto, vi que seus olhos eram uma mistura de tons azuis. Eram os olhos mais bonitos que eu já tinha visto — mas o olhar... ainda era duro.

 — Café. Traga-me café.

 Pisquei, confusa, dando um passo para trás.

 — Qualquer um pode trazer café. Por que precisa de mim?

 Ele ergue uma sobrancelha, impassível.

 — Apenas traga o café, senhorita Mariane. Tudo bem?

 Suspirei, derrotada. Virei-me sem dizer mais nada.

 Ao que tudo indicava... Eu não seria demitida, afinal.

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