Capítulo 2 – Estilhaços do Passado

Assim que o expediente chegou ao fim, me apressei para juntar minhas coisas e voltar para casa. Eu só queria um banho quente, silêncio e minha filha nos braços. Mas antes que eu pudesse sair, uma voz firme cortou o ar atrás de mim.

 — Mariane.

 — Senhor?

 — Na minha sala. Agora.

 Meu corpo estremeceu. Virei-me para dizer que meu horário já tinha encerrado, mas, claro, ele não esperou por resposta.

 Eu definitivamente nunca deveria ter aceitado esse emprego sem antes pesquisar quem era aquele homem. Aquele sangue — o mesmo de Max — só podia trazer problemas.

 Apressada e com as pernas exaustas, segui em direção à sala dele.

 — Aconteceu alguma coisa, senhor?

 Arthur estava sentado, os olhos fixos em mim — ou melhor, em algum lugar dentro de mim, como se quisesse atravessar minhas defesas.

 — Que planilhas são essas?

 Ele ergueu os papéis que eu havia entregue mais cedo.

 — São as planilhas contábeis que o senhor pediu. Há algum problema?

 Ele jogou os papéis sobre a mesa, claramente irritado.

 — Isso aqui está uma bagunça! Esses números não batem nem com o valor bruto, nem com o líquido da empresa. Está tudo errado! Quem é o bendito contador responsável por isso?

 Fiquei sem palavras. Eu devia contar? Dizer que era Max quem fazia tudo agora? Qualquer escolha me colocaria em perigo. No fim das contas, era ser degolada por Max ou por Arthur.

 — É... o senhor Max. Ele mesmo tem feito a contabilidade desde que demitiu o antigo contador. Faz cerca de um ano.

 O rosto de Arthur perdeu a cor. Só então reparei no tom exato de azul dos seus olhos — uma cor que poderia ser bela, em outras circunstâncias. Mas naquele momento, tudo o que eu queria era sair correndo.

 — Como é que é? O meu irmão está fazendo a contabilidade da empresa? Você só pode estar brincando. Ele nem é formado em contabilidade!

 — Sinto muito, senhor, mas é verdade.

 Arthur passou as mãos pelo rosto, visivelmente exausto.

 — Entre em contato com ele. Agora. Diga que eu quero ele aqui em cinco minutos.

 Abri a boca, depois fechei. Eu precisava ir pra casa. Se me atrasasse mais, Cíntia me ligaria — e eu sabia que ela tinha compromissos à noite. Cíntia era babá da minha filha. Uma mulher maravilhosa, que cuidava de Keitlin com o mesmo amor que eu. Sem ela, eu estaria perdida.

 — Vou ligar, senhor.

 Saí da sala em disparada e tentei falar com Max pelo meu celular — umas vinte, talvez trinta vezes. Nada. Imaginei que ele estivesse me ignorando propositalmente. Liguei do telefone da empresa mais umas dez vezes. Também sem sucesso.

 Já estava ficando desesperada. O horário da Cíntia tinha estourado, e eu sabia que ela precisava ir embora — todas as noites, ela cuidava da mãe.

 Foi então que recebi uma mensagem dela:

“Cadê você, Mari? Preciso ir pra casa”.

Respondi na hora.

“Desculpa, amiga. Meu chefe está me segurando aqui”...

 Cíntia questionou intrigada.

“Max? Pensei que você tivesse se demitido”.

 Respondi:

“Eu ia! Na verdade, fui. Mas acabei sendo recontratada pelo irmão dele. Um demônio ainda pior. Tô surtando”.

 Foi quando Arthur apareceu do nada atrás de mim, e berrou meu nome.

 — Senhorita Mariane!

 Quase deixei o celular cair de susto.

 — Não é permitido o uso do celular durante o expediente.

 Respirei fundo, tentando não gritar.

 — Desculpe, senhor.

 — E o meu irmão? Ele vem?

 — Não. Ele não atende. Liguei pra casa também, sem sucesso.

 Arthur franziu a testa, frustrado.

 — Eu te dei uma ordem simples: falar com meu irmão. Nem isso você conseguiu fazer. Não me admira que tenha tentado se demitir.

 Aquilo foi a gota. Toda a paciência que me restava evaporou.

 Levantei-me com raiva, sentindo meu rosto queimar.

 — Quer saber? Vai pro inferno. Não tenho culpa se o seu irmão é um irresponsável ou se não quer atender. Eu estou tentando! Estou ligando pra ele após o meu horário, quando já deveria estar em casa com a minha filha! Eu não vou ficar aqui sendo destratada por um ignorante feito o senhor!

 Peguei minha bolsa da mesa, bufando.

 — E se quiser me demitir, que se dane. Eu já não queria esse emprego mesmo!

 Virei-me e saí com passos duros. Sentia o olhar dele me seguindo, como se pudesse me triturar só com os olhos. Mas desde que minha filha nasceu, eu havia prometido que nunca mais me rebaixaria por ninguém.

Arthur não merecia nem minha educação.

 Em casa, mal abri a porta e já fui bombardeada de perguntas.

 — O que aconteceu?

 — Longa história... Resumindo: Max tem um irmão. Não sei se mais velho ou mais novo, mas parece que agora é ele quem manda na empresa.

 — E ele te recontratou? Como assim?

 — Nem eu sei explicar. Acho que ele gosta de provocar o Max. E o Max, por sua vez, parece adorar bater de frente com ele também. É... Complicado.

 — Mari... eu não sei se você deveria se meter nisso. Eles podem se odiar, mas no fim das contas são família. E família sempre dá um jeito de se proteger. Quem sobra... é você.

 — Não se preocupa. Eu aguentei só um dia com aquele maluco e já perdi a paciência. Disse tudo o que eu tinha pra dizer. Amanhã, com certeza ele vai me demitir.

 — Melhor assim. Depois de tudo o que você passou com o Max... Se esse outro for ainda pior, é melhor manter distância.

 — Falei com o Max hoje... Discutimos, na verdade. É estranho pensar que ele já foi o amor da minha vida. Agora, o que eu sinto é desprezo. Ou talvez ódio. Nem sei.

 — Tem certeza de que não o ama mais?

 — Eu não sei. Ainda é cedo pra dizer que sim... Ou que não. Ele me humilhou tanto, que acho que nem se eu quisesse, conseguiria perdoar.

 — Então siga seu coração, amiga. Mas, se quiser um conselho: se afasta. Esse homem não merece você. Nem você, nem sua filha.

 — Eu sei... Eu sei.

Ela me abraçou antes de sair às pressas. Cíntia era minha salvação diária com Keitlin. E eu sabia que tudo o que ela dizia era por amor.

Brinquei um pouco com minha filha, a amamentei e depois a coloquei no berço. Fiquei ali observando seu rostinho sereno. Tão pequena. Tão inocente. Como Max podia negar o amor de um pai à própria filha?

 Suspirei e, com o coração pesado, fui me deitar.

Amanhã seria um novo dia.

E eu, provavelmente, uma nova desempregada.

Capítulos

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!