Capítulo 5 – A Primeiro Noite

A noite caiu espessa sobre a Mansão Moreau. O céu carregado de nuvens encobria até mesmo o luar, mergulhando a propriedade em trevas ainda mais densas. O som da chuva que batia contra as janelas era constante, como dedos impacientes arranhando os vidros. O vento assobiava entre as frestas da casa, e os estalos da madeira antiga davam a sensação de que a mansão respirava… viva, inquieta.

Kate observava o relógio de parede no quarto. Os ponteiros se arrastavam em direção às 22h. Ela havia decorado cada linha do bilhete deixado por Dante no dia anterior. Um bilhete com poucas palavras, mas que a deixava em alerta:

“Tranque a porta esta noite. Ouça o que precisar, mas não abra.”

As palavras martelavam em sua mente enquanto ela verificava a fechadura pela terceira vez. A porta estava trancada. A janela também. O quarto estava quente, iluminado apenas pela lareira e pelo abajur enfraquecido no criado-mudo. Mas nada aquecia a sensação de desconforto que lhe subia pela espinha.

Ela tentou se distrair com um livro que encontrara no quarto, um diário antigo de alguém que aparentemente vivera na mansão décadas antes. As letras estavam desbotadas, algumas páginas rasgadas, outras com manchas secas que pareciam… sangue. Ela fechou o livro com um arrepio. Nada naquela casa era normal.

Então, vieram os sussurros.

Baixos. Distantes. Mas nítidos.

— … ela parece com ela…

— … vai acontecer de novo…

— … Dante não devia ter trazido…

Ela congelou. Cada músculo do seu corpo ficou tenso. O som vinha de fora, do corredor. Passos suaves. Vozes abafadas. Algumas quase infantis. Outras roucas, ressentidas.

Kate se aproximou da porta com cautela. O som cessou.

Silêncio.

Ela apoiou o ouvido na madeira fria, tentando decifrar se havia alguém do outro lado.

Nada.

Mas o bilhete de Dante ecoou novamente em sua mente:

“Não confie nas vozes que ouvir à noite. Elas mentem.”

Ela recuou, ofegante, o coração acelerado. Queria gritar. Queria fugir. Mas sabia que não podia.

Minutos depois, estava deitada na cama, mas os olhos permaneciam abertos, fixos no teto. O quarto parecia menor, mais abafado, como se o ar estivesse sendo drenado lentamente. As chamas da lareira vacilavam.

E então…

Três batidas na porta.

Secas. Firmes.

Ela se ergueu num sobressalto, o sangue gelado.

Mais três batidas.

— Kate… sou eu.

A voz era dele. Dante. Grave, segura, tão familiar que chegou a ser um alívio.

Mas… e se não fosse?

— Prove que é você — disse ela, tentando manter a firmeza.

— Quando me perguntou o que havia no espelho, eu respondi: “Espelhos são janelas.” Só eu diria isso. Só eu saberia.

Abra, Kate.

Ela hesitou.

Com mãos trêmulas, destrancou a porta.

Dante estava ali. Molhado da cabeça aos pés, como se tivesse enfrentado a tempestade. A camisa escura grudava no corpo atlético, e os cabelos caíam desalinhados sobre os olhos. Mas o olhar… o olhar era o mesmo. Intenso. Denso. Perigoso.

— Você ouviu, não foi? — ele perguntou, entrando.

Ela assentiu.

— Elas vêm sempre que há movimento aqui dentro. Emoções fortes atraem memórias. E memórias, nesta casa, são como fantasmas: não descansam. Se alimentam do que ainda sentimos.

— Você está me assustando — sussurrou Kate.

— É para isso que estou aqui. Para te proteger disso… e de mim.

Ela ergueu o rosto para ele.

— De você?

— Há partes minhas que você não conhece. Que ninguém conhece. Partes que sangram… e que machucam quem toca.

— Então por que me trouxe?

Dante a encarou. Se aproximou com lentidão, como se medir a distância entre eles fosse uma decisão entre o bem e o mal.

— Porque você é a primeira mulher que olha para minha escuridão e não recua.

Ela tocou o peito dele. Sentiu o calor, o pulsar acelerado de seu coração.

— E você é o primeiro homem que faz a minha dor parecer pequena.

Num impulso contido há dias, eles se beijaram. Um beijo cru, dolorido, cheio de desejo reprimido e promessas perigosas. Um beijo que queimava como ferro em brasa e tremia como chuva sobre vidro.

Quando os lábios se afastaram, o silêncio era quase sagrado.

— Fique comigo esta noite — ela disse.

— Eu nunca fui embora — ele respondeu.

Enquanto ela o puxava para junto de si, a casa parecia conter o fôlego. As sombras se moldavam ao redor deles. E nas paredes, os retratos antigos tremulavam levemente, como se observassem. Como se, pela primeira vez em anos, algo estivesse se movendo de novo naquela casa…

Algo que jamais deveria ter despertado.

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