Entre Cicatrizes e Desejos
O som da chuva escorrendo pela vidraça preenchia o silêncio do pequeno apartamento. Kate olhava fixamente para o envelope creme em sua mão. Seus dedos trêmulos o apertavam como se ele fosse a única âncora entre ela e o abismo de memórias que insistiam em arrastá-la de volta.
> “Senhorita Kate M. Vasconcellos,
Temos interesse em seus serviços como assistente particular.
Alojamento incluso.
Pagamento em dinheiro.
Compareça até o fim da semana.
— M.”
Nenhum remetente. Nenhum número para contato.
Apenas um endereço nas montanhas de Santa Aurélia, uma cidade que ela sequer sabia se ainda existia no mapa.
Kate leu o bilhete pela décima vez. Tinha certeza de que não se candidatou a emprego nenhum. Mas o nome dela estava ali. Escrito com tinta preta, caligrafia firme.
Eles sabiam quem ela era.
Alguém a estava observando.
Mesmo assim... não era medo o que dominava seu peito.
Era alívio.
Alívio por ter uma desculpa para fugir.
Do ex que a perseguia em sonhos. Da solidão sufocante. Das paredes que conheciam seus choros abafados à noite.
— Talvez seja só isso — murmurou para si mesma. — Uma chance de desaparecer.
Na manhã seguinte, com uma mochila gasta nas costas e o coração acelerado, Kate embarcou em um ônibus quase vazio. As janelas embaçadas mostravam estradas cercadas de árvores sem folhas, como dedos secos apontando para o céu.
A viagem foi longa e silenciosa.
O motorista parecia saber exatamente onde deixá-la — o que a deixou ainda mais inquieta.
Ao descer, se deparou com uma estrada de terra vermelha. Nenhuma placa. Nenhuma alma viva à vista. Um carro preto a aguardava — luxuoso demais para aquele cenário — com vidros escuros e um motorista que a encarou como se soubesse cada centímetro da sua história.
— Senhorita Vasconcellos? — perguntou ele, sem emoção.
Kate apenas assentiu. Entrou no carro sem dizer uma palavra.
O cheiro do estofado era forte. Novo. Mas algo no ar parecia... antigo.
Assustadoramente antigo.
A estrada subia em curvas sinuosas por mais de meia hora, até que grandes portões de ferro surgiram no meio do nada. Gravados neles, em letras gastas, estava o nome:
> MOREAU.
A mansão era imensa, de pedra escura, com janelas altas e uma torre lateral que lembrava um castelo esquecido. A neblina tornava difícil distinguir os detalhes, mas ela sentiu os olhos dela... dele... mesmo sem vê-lo ainda.
Quando o carro parou, a porta foi aberta por uma mulher alta, esguia, com cabelos platinados presos num coque impecável. Ela sorria, mas seus olhos pareciam analisar cada movimento de Kate.
— Bem-vinda à propriedade Moreau — disse a mulher, com voz suave. — Sou Helena. Cuido da casa... e de outras coisas.
— Quem me contratou? — Kate perguntou.
Helena sorriu ainda mais.
— Meu irmão. Ele está... curioso a seu respeito.
Kate sentiu o estômago revirar.
Havia algo naquele lugar que fazia os pelos da nuca se arrepiarem.
Ela foi conduzida para dentro da mansão.
O chão de mármore refletia sua silhueta pálida. Os quadros nas paredes exibiam rostos sérios de antepassados. Tudo ali parecia carregar uma história — e nenhum final feliz.
Ao passar por um corredor estreito, ouviu passos vindos da escuridão. Firmes. Lentos. E então, finalmente, ele apareceu.
Um homem alto, de terno escuro, pele pálida, olhos tão intensos que pareciam atravessar a alma. Ele não sorriu. Apenas a encarou.
— Kate — disse ele, com voz baixa, rouca, perigosa. — Bem-vinda à sua nova realidade.
E naquele instante, ela soube:
tinha saído do seu inferno particular... para entrar em outro ainda mais profundo.
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Atualizado até capítulo 30
Comments
Lia_Vicuña
Incrível! Estou obcecada por essa história.
2025-08-05
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