O quarto em que Kate dormiu naquela noite era maior do que todo o seu antigo apartamento. Tetos altos, cortinas de veludo vinho cobrindo janelas que jamais pareciam se abrir. O único som era o estalar lento da lareira — e mesmo assim, ela teve a sensação de não estar sozinha.
A mansão parecia viva.
Como se respirasse.
Na madrugada, ela acordou com o coração acelerado. Um sonho? Não tinha certeza. Sentiu o peso de algo à sua porta. Um som sutil, como unha riscando madeira.
Ela se levantou, foi até a porta. Nada.
Mas quando voltou para a cama, viu sobre a cômoda algo que não estava lá antes. Um livro antigo, encadernado em couro escuro. Sem título. Sem autor. Apenas uma única frase escrita à mão na primeira página:
> “Toda casa guarda seus mortos.”
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Na manhã seguinte, Helena a aguardava no corredor com um vestido cinza que parecia ter saído de outro século.
— O Sr. Moreau deseja vê-la após o café — disse, sem sorrir. — Mas antes, venha. A casa precisa conhecê-la.
Kate a seguiu em silêncio.
A mansão era um labirinto de corredores frios, tapeçarias antigas e retratos que pareciam observá-la conforme passava. Salas trancadas. Quartos vazios. Espelhos cobertos por lençóis brancos.
— Por que tantos cômodos estão fechados?
— Alguns lugares não gostam de ser perturbados — respondeu Helena, como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Havia algo de estranho em tudo: a forma como as portas se fechavam sozinhas, como os corredores pareciam mais longos do que antes. E os quadros...
Rostos que pareciam familiares, mesmo que ela nunca os tivesse visto.
— Há quanto tempo moram aqui? — perguntou.
Helena hesitou.
— Desde antes de você nascer.
Kate arqueou uma sobrancelha.
— Isso é impossível. A casa parece antiga, mas não...
— Não estou falando da casa, querida. Estou falando da presença. Algumas coisas... são mais velhas do que o tempo.
A resposta a arrepiou até a espinha.
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Na sala de jantar, Dante já a esperava.
Sentado à cabeceira da longa mesa de madeira escura, ele parecia uma pintura renascentista: imponente, perfeitamente vestido, cercado de sombras e silêncio. Havia café, frutas, pães. Mas ele não tocava em nada. Apenas a observava quando ela entrou.
— Kate — disse seu nome como quem pronuncia um feitiço.
Ela se sentou lentamente, mantendo a distância entre eles.
— Dormiu bem?
— Nem mal, nem bem — respondeu.
— Isso vai mudar com o tempo. A casa testa os visitantes.
Kate engoliu em seco.
— Isso é um teste?
— Tudo é um teste.
Ela olhou para os alimentos à mesa. Tudo parecia bonito demais, arrumado demais. Artificial.
— Qual é exatamente a função que espera de mim? — arriscou.
Dante apoiou os cotovelos sobre a mesa, entrelaçando os dedos diante do rosto. Seu olhar era direto, firme, como se perfurasse camadas que ela mesma não sabia que existiam.
— Você será minha assistente. Vai organizar documentos, acompanhar projetos... e lidar com o que Helena não pode.
— E o que seria isso?
Ele se levantou lentamente. O som dos passos sobre o piso de mármore era como o de um ritual.
— Comigo, você vai aprender que nem tudo é o que parece. Às vezes, as tarefas mais simples escondem os maiores segredos.
Kate sentiu-se tonta. Aquela casa, aquele homem, aquele lugar... tudo parecia um jogo psicológico.
Ele se aproximou dela, tão perto que ela pôde sentir seu perfume: amadeirado, escuro, envolvente.
— Está assustada?
— Um pouco.
Dante inclinou o rosto, seus olhos quase tocando os dela.
— Mantenha esse medo. Ele vai protegê-la mais do que eu posso.
E então ele se afastou, deixando no ar algo que doía como desejo, mas queimava como veneno.
Antes de sair, ele disse sem virar o rosto:
— Prepare-se. A noite costuma trazer... vozes.
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Kate ficou ali, sozinha, sentindo o peso das palavras dele.
Ela não sabia exatamente no que havia se metido.
Mas parte de si — talvez a mais quebrada — não queria ir embora.
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Atualizado até capítulo 30
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