Aí vocês ficam aí, romantizando.
Essas meninas bonitas, gostosas, que ficam dançando santo,
mostrando as bundas com arma na mão, tatuagem no corpo inteiro.
Acham bonito, acham sensual.
Mas deixa eu te dizer uma coisa:
O fim delas é igualzinho o meu.
O mesmo.
Vocês acham que é glamour?
Vocês acham que é vida de novela?
Não é glamour, não.
É vida curta.
É fim anunciado.
Eu fui mula.
Mariazinha foi cachorra da boca.
E vocês querem transformar isso em história de amor?
Isso não é amor, é desgraça.
Mas calma.
A Mariazinha ainda não morreu.
A história dela ainda não acabou.
Eu tinha cinco anos quando tudo aconteceu.
E agora eu vou contar.
Vou contar como foi que a Mariazinha morreu,
e porquê.
Porque do lado de cá,
eu posso contar sem medo.
Ninguém me mata mais.
No dia que a Mariazinha morreu,
eu, Mulinha, tinha saído pra entregar umas encomendas pros pássaros.
Os parça eram os manos que tomavam conta da Mariazinha.
Ela era deles.
Eu também era.
Enquanto eu corria pelas vielas com a mercadoria escondida,
Mariazinha ficou lá com eles.
E fizeram o que sempre faziam:
Deram pó.
Ela cheirou.
Depois deram a pedra.
Ela fumou.
E foi aí que começou.
Mariazinha começou a rir.
Rir sem motivo.
Rir como se estivesse livre.
Mas não estava.
Aí veio o vômito.
Ela vomitava e ria.
Ria e vomitava.
Saiu do barraco assim, cambaleando,
rindo alto, como se zombasse do mundo.
O povo olhava.
Mas ninguém via.
Ninguém via que ali era o fim da Mariazinha.
Pra eles era só mais uma drogada suja,
fazendo papelão.
Ela atravessou a rua.
Desse jeito.
Feliz.
Fora de si.
O ônibus veio.
O motorista nem viu.
Mariazinha parecia um esqueleto andando.
Era só pele, osso e veneno.
O ônibus passou.
Esfarelou.
Foi tripa, foi merda, foi sangue,
foram os miolos que ela já nem tinha mais espalhados no asfalto quente.
Quando eu voltei pra boca,
os parça chamaram:
“Mulinha… Mariazinha não volta mais.”
Eu Não Tive Luto, Eu Tive Função
Aí vocês perguntam:
“E o serviço social?
Não via isso?
Ninguém fez nada?”
Serviço social via.
Claro que via.
Mas eu?
Eu não era nada.
Eu não era ninguém.
E nada e ninguém não chamam atenção de ninguém.
O serviço social servia pra quê?
Pra fazer bonito em reunião de gente importante?
Porque na escola que Mariazinha estudava,
deram droga pra ela.
Foi lá que tudo começou.
Os pontos de droga estavam dentro da escola.
E o povo que era pago pra cuidar das crianças?
Não cuidava de nada.
Fechavam os olhos.
Porque no morro, quem não participa, se omite.
Quando Mariazinha morreu,
não teve enterro digno.
Não teve caixão bonito.
Não teve foto em jornal.
Só juntaram os restos dela,
meteram num caixote,
e enterraram como indigente.
E eu?
Eu fiquei.
Fiquei com os “meus pais”.
Os parceiros da boca.
Eles se achavam meus pais,
porque nenhum deles sabia qual deles era o pai de verdade.
E assim eu fui crescendo.
Cheirando o pó que gerou a Mariazinha,
fumando a pedra que matou a Mariazinha,
sendo mula,
cumprindo função.
Eu não tive luto.
Eu tive rotina.
No morro, a gente não chora morte,
a gente sobrevive a ela.
Pra mim, tanto fazia.
Mariazinha nunca cuidou de mim.
Quem botava comida na minha boca eram os parça.
Quem me botava pra dormir era o cheiro do pó.
Eu não entendi o que eles falaram.
Pra mim, Mariazinha sempre foi ausência.
E eu continuei.
Continuei porque, no fundo,
eu nunca tive pra onde voltar.
Os parça seguiram me “cuidando”.
Cuidando não, né?
Me mantinham útil.
Me davam as ervas,
eu fumava.
Me davam o pó,
eu cheirava.
E assim, eu fui.
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Atualizado até capítulo 48
Comments
Beatriz Silva
meu Deus 😭
2025-08-06
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