####MARIZINHA DA BOCA

A Verdade Sobre Mariazinha

A Mariazinha não era filha única, não.

Ela foi a última.

A caçula da família.

Os outros irmãos dela, tudo mais velho, tudo se casou cedo e sumiu.

Cada um foi cuidar da própria vida e esqueceram de quem botou eles no mundo.

A vida dos meus avós sempre foi de sacrifício.

O vô, Zé Pedreiro, sempre com as mãos rachadas de cimento,

e a vó, Chiquinha, escrava do balde, do pano de chão, das casas dos outros.

No morro, sobrevive quem trabalha.

Quem não trabalha, se lasca.

E eles trabalharam.

Trabalharam até não ter mais corpo.

Com 45 anos, minha avó já parecia uma velha de 70.

Com 50, meu vô já andava curvado como se tivesse 100.

Eles tentaram dar estudo pros filhos,

o estudo que eles nunca tiveram.

Mas nenhum quis saber, não.

Os filhos casaram cedo, se mandaram,

e largaram o peso nas costas da velha Chiquinha e do velho Zé.

Sobrou a Mariazinha em casa.

Chiquinha pedia pra Mariazinha cuidar dela mesma,

dar comida pra si,

esperar o Zé Pedreiro voltar pra casa.

Mas no morro, educação não vem da vizinhança.

Lá, ninguém se importa.

As vizinhas não tavam nem aí.

Mulher andava de sutiã na rua,

de shorte curtinho,

mulanbenta, falando besteira pros outros.

Se não ligavam nem pro próprio cheiro,

imagina se iam ligar pra uma menina largada na rua?

Mariazinha cresceu nesse cenário.

Chiquinha tinha que trabalhar,

porque se não fosse assim,

não tinha comida, não tinha luz,

não tinha como manter em pé o barraco de madeira onde eles moravam.

E Mariazinha?

Mariazinha foi aprendendo a viver no mundo.

No mundo errado.

Porque no morro, quem cresce sem ter quem segure,

é tragado pela rua.

E foi isso que aconteceu.

Às vezes, a vó Chiquinha tentava.

Tentava levar a Mariazinha junto pro trabalho, pra ver se a menina aprendia alguma coisa.

Mas Mariazinha não se comportava.

Teve uma vez, nas férias,

Chiquinha levou a Mariazinha pra casa da patroa.

Era a chance de ensinar, de mostrar que a filha podia ser diferente.

Mas não deu certo.

A patroa foi direta:

“Não quero a tua filha aqui, não, Chiquinha.

Essa menina não sabe se comportar.

Usa o banheiro e chama de privada,

deixa tudo sujo, e depois é você que tem que limpar.”

E o pior veio depois:

“Eu não sei pra quem essa menina puxou,

porque você é tão trabalhadora,

já está aqui há tantos anos,

mas essa menina não vai prestar pra nada, não.

Chiquinha, eu sinto muito de dizer.”

Chiquinha ouvia tudo calada.

Porque ela precisava daquele dinheiro.

Precisava pagar a conta de luz do barraco.

Precisava colocar arroz no prato.

Precisava ajudar o Zé Pedreiro a manter o teto de madeira em pé.

Então, Chiquinha engolia o choro e seguia.

E Mariazinha?

Mariazinha voltava pra rua.

Com 10 anos, ela estava sozinha no mundo.

E foi na escola que tudo começou a descer mais fundo.

Os mulinhas, os aviãozinhos da boca,

os pequenos que já carregavam a malícia no bolso,

chegaram nela.

“Deixa de ser besta, Mariazinha,

vem aqui, experimenta isso.

Isso aqui vai fazer tu vai viajar.

Vai te levar pra onde tu quiser.”

E a Mariazinha, cansada de ouvir sermão,

cansada de ser vista como nada,

aceitou.

A primeira viagem foi boa.

Porque é assim que eles fazem.

A primeira tragada é leve,

é ilusão.

É a isca.

E Mariazinha mordeu.

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Atualizado até capítulo 48

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