A vida no barraco sempre foi dura.
Chiquinha e Zé Pedreiro trabalhavam feito condenado,
mas nunca deixaram faltar o básico.
O básico, Toninha. Não era luxo, era só o essencial pra sobreviver.
Mas um dia, Chiquinha começou a notar que as coisas dentro de casa estavam sumindo.
Panela, roupa de cama, até um ventilador velho que mal funcionava.
O Zé Pedreiro chegou um dia e falou:
“Alguém tá levando nossas coisas, Chiquinha.”
E ela respondeu:
“Mas quem, Zé? O povo aqui é tão lascado quanto a gente.”
Foi então que a vizinha apareceu.
Chegou com aquela cara de quem vem dar notícia que machuca:
“Chiquinha, abre teu olho.
A Mariazinha, a tua filha ela tá se perdendo.
Começou na maconha, mas agora tá no pó.
E tá levando as coisas de dentro da tua casa pra trocar por isso.”
Chiquinha ficou sem chão.
“E é só agora que vocês vêm me dizer isso?”
A vizinha respondeu:
“Eu só fiquei sabendo agora.
Quem sabia antes, não falou nada.
Mas eu sou tua amiga, Chiquinha.
Se fosse um filho meu, eu ia querer que você me avisasse.”
E ela ainda jogou a real:
“Mas eu não sei se vai dar jeito, não.
Dizem que já faz tempo que isso tá acontecendo.”
Chiquinha engoliu o choro e esperou a Mariazinha chegar.
Mariazinha já tava com quase 15 anos,
magrela, com os olhos vermelhos,
os ossos saltando debaixo da pele.
Quando Mariazinha entrou,
Chiquinha perguntou direto:
“É verdade o que tão falando, Mariazinha?
Que tu tá cheirando pó, fumando maconha,
e levando as coisas da nossa casa pra trocar por isso?”
Mariazinha riu de lado.
“Só agora vocês perceberam?
Vocês acham que essa minha magreza é de quê?
Que meu olho vermelho é de dormir demais ou de não dormir nunca?”
O Zé Pedreiro tentou botar respeito:
“Não fala assim com tua mãe, menina.
A gente trabalha feito condenado pra não deixar faltar nada pra você,
e você vem me dizer uma coisa dessas?”
Mariazinha não se abalou.
“Mas falta tudo, pai.
Falta tudo.
Foi lá na escola que me ofereceram.
Eu gostei.
E eu não vou parar.”
Foi ali que Chiquinha perdeu as forças.
Mas reagiu com o que tinha:
“Você vai parar com isso agora!”
E desceu o braço na Mariazinha.
Bateu com raiva, com tristeza, com desespero.
Mas Mariazinha estava longe demais.
Ela cuspiu as palavras:
“Eu não vou parar!
E pra completar,
tô prenha.
E nem sei quem é o pai.”
O silêncio cortou o ar.
O Zé Pedreiro respirou fundo, encheu o peito e disse:
“Então você tá fora daqui.
Eu não vou trabalhar feito um condenado pra sustentar uma vagabunda.”
Mariazinha encarou de volta, sem medo:
“Pois eu vou pra lá.
Eles vão cuidar de mim.”
Falava dos homens da boca.
Sabia que lá, pelo menos, teria um canto e o que cheirar.
Zé Pedreiro olhou pra Chiquinha,
cansado, derrotado, e falou:
“Minha velha,
chegou a hora da gente ir embora.
Nossa filha se perdeu.
Nossos outros filhos não querem saber da gente.
Vamos voltar pra nossa terra.
Lá, pelo menos, a gente tem parente.
Se a gente morrer, tem quem enterre a gente.
Aqui, a gente não tem ninguém.”
E assim foi.
Eles arrumaram o pouco que sobrou e foram embora.
Sumiram do morro, levando a dignidade que ainda lhes restava.
Mariazinha ficou.
Ficou embuchada,
sozinha,
e com a alma já vendida.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 48
Comments
Beatriz Silva
meu Deus que tristeza para esses pais e para filha tbm por se perde desse jeito nas drogas 😭
2025-08-06
1