parte 2

Horst Ingvar ab Stielike era um grande fã de romances policiais e gostava de lê-los antes de dormir. A luz aconchegante do abajur sobre a cama, as páginas repletas de cartas, o silêncio; a escuridão lá fora, o telefone ao lado dele no criado-mudo, para que, se alguém ligasse de manhã, ele não precisasse pular da cama e correr pelo apartamento inteiro, tudo o que precisaria fazer era estender a mão e dizer "Siiiiiiim?" com uma voz sonolenta. E então colocar o telefone no criado-mudo e voltar ao sono abençoado, onde poderia se ver como um detetive descolado perseguindo mais uma gangue de bandidos.

Depois do trabalho, Horst passou em sua livraria favorita e comprou dois livros de Howard Tone. Ainda frescos, recém-saídos da gráfica. Antecipando a incursão noturna no mundo do crime e da punição inevitável, Horst jantou bem, assistiu distraidamente a algo divertido na TV, deu uma olhada rápida na correspondência do dia e, sem responder a ninguém, não se conteve, pegou o primeiro livro com o título sedutor Ninguém Além de Nós e sentou-se em uma cadeira.

Quatro horas passaram num piscar de olhos. Mal conseguindo se desvencilhar do livro, Horst preparou um café rapidamente, bebeu às pressas, queimando os lábios, despiu-se e mergulhou debaixo das cobertas. Estava mais acostumado a ler na horizontal, então mais uma hora se passou sem que percebesse.

E então, do nada, o telefone tocou.

Horst estremeceu. Olhou para o relógio. Eram duas e meia, meia-noite. Quem estaria ligando para ele àquela hora?

O toque não parava, era curto e frequente, provavelmente intermunicipal. Horst estendeu a mão, hesitante, para o telefone e o atendeu.

"Siiiiiiim?"

"Vitya?" ele ouviu em russo.

"Não", respondeu Horst com alívio, também em russo. "Você ligou para o número errado."

"Espere!", o interlocutor mudou para alemão. Falava sem sotaque, como um berlinense nativo. "Não desligue. Estou ligando de Alzamay, é na Sibéria, e estou em perigo. Lembre-se e avise a polícia: lobos sobreviveram. Aqui, na Sibéria. Não estou bêbado nem louco. Meu nome é Leonid Degtyarev, sou um químico ambiental de Berlim. Descobri por completo acidente que descendentes de pessoas que não passaram pela Biocorreção de 1784 vivem não muito longe de Alzamay, fingindo ser Velhos Crentes. São todos predadores. E receio que já saibam de mim e da minha descoberta. Prometa que vai passar minha mensagem para alguém de alto escalão. Prometa."

Horst Ingvar ab Stielike estava confuso. Por um lado, tudo parecia delírio ou brincadeira. Mas esse Leonid Degtyarev era excessivamente consistente e teimoso. Havia também um cansaço mortal misturado com pesar em sua voz.

"Você promete?", repetiu Degtyarev com esperança na voz.

"Eu... eu vou tentar..."

"Não tente. Você tem que fazer isso imediatamente, ouviu? Imediatamente! Vá até a polícia e conte. Ou pelo menos ligue."

"Imediatamente? Mas já é madrugada!"

"Quem se importa?! Você entende do que estou falando? Predadores! Predadores humanos ainda vivem na Terra! Noite, dia, não importa—"

Ouviu-se um som estranho do outro lado da linha, como um baque surdo, seguido por um longo soluço. Depois, houve outro baque, como se o telefone tivesse caído. Horst ouvia com a respiração suspensa, pressionando o telefone contra o ouvido porque suas mãos tremiam visivelmente.

Então tudo ficou quieto, e outra voz falou calma e claramente: "Olá, com quem estou falando?"

Horst emitiu um chiado indistinto.

"Quem é você? Diga-me seu nome."

Havia gelo naquela voz. E Horst estava apavorado. Ele encerrou a ligação rapidamente e jogou o telefone fora, com medo, como se a outra pessoa pudesse, de alguma forma, passar pelos fios e sair magicamente do pequeno alto-falante ali, em Berlim.

Ele só adormeceu pela manhã, depois de inúmeras xícaras de café e pensamentos dolorosos.

O que houve com aquela ligação? Uma brincadeira idiota de alguém? Ou os sonhos e medos de Horst se tornaram realidade, e tudo mudou: uma das histórias daqueles livros se tornou realidade, enquanto os olhos de alguém agora perscrutavam vorazmente as linhas do texto e observavam suas perigosas aventuras, as de Horst Stielike?

É verdade que ele poderia ir à polícia. Mas como eles o encarariam? Será que o escoltariam educadamente para um hospital psiquiátrico? Esse era o resultado mais provável.

Quanto mais Horst pensava nisso, mais duvidava que alguém acreditasse em sua história. E a intenção de ir à delegacia na Inhelhoffstrasse foi desaparecendo aos poucos.

Na manhã seguinte, Horst Ingvar ab Stielike não foi a lugar nenhum. Dormiu até o meio-dia, não se sentia nem um pouco descansado, perdeu o apetite e não conseguia nem ler, por mais que tentasse. Seu fim de semana estava arruinado.

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