REBECA
Amanheceu.
O sol já tinha nascido, e pela janela do ônibus eu via a cidade se revelar aos poucos: uma linda praça, pessoas fazendo seus exercícios matinais, algumas concentradas nos bancos, lendo ou ouvindo música. Outras tomavam café em lanchonetes, sorrindo e se divertindo. Crianças corriam de um lado para o outro, cheias de energia.
Pessoas novas, rostos novos... Será que vou conseguir me adaptar? Essa é uma nova etapa da minha vida, e estou nervosa. Espero fazer amizades, que gostem de mim. Meus pais disseram que eu me sairia bem, que todos gostam de mim quando me conhecem. Mas ainda assim... fico com um pé atrás.
Será que fiz a coisa certa ao deixar minha cidade? Meus amigos? Minha família? Meus irmãos? Meus pais? Tudo isso... só para cursar o último ano do ensino médio em um novo lugar?
Meus irmãos mais velhos já estão seguindo suas vidas. Uns foram morar com seus companheiros, outros estão em repúblicas ou vivendo sozinhos. Um deles até conseguiu uma bolsa fora do país. Mas não posso deixar de pensar na única que não pôde seguir em frente…
Carol. Minha querida irmã.
Ela morreu aos dezenove anos. Era tão jovem, boa, gentil com todos. Tinha tantos sonhos… Tinha acabado de entrar na faculdade dos sonhos, estava noiva do namorado que amava, cercada de bons amigos.
Na noite do noivado, depois do jantar com nossas famílias, Carol e o noivo saíram antes para ir a um lugar que ele queria mostrar a ela — era uma surpresa. Todos estávamos felizes.
Minutos depois de chegarmos em casa, o celular da mamãe tocou. Ao atender, ela deixou o telefone cair das mãos. Ficou paralisada. Papai pegou o celular para entender o que tinha acontecido. E foi quando tudo desmoronou.
Carol...
Carol tinha morrido. Um motorista bêbado bateu de frente com o carro deles.
Entrei em choque. Eu a tinha visto há poucos minutos, sorrindo, cheia de sonhos. Corri para o meu quarto e me tranquei lá.
O noivo sobreviveu, mas ficou em coma por uma semana. Ao acordar e descobrir a morte da Carol, tentou se levantar — achando que tudo era um pesadelo. Caiu da cama e percebeu que não podia mais mover as pernas. Ficou paralítico. Tentou tirar a própria vida. A família dele o internou.
Eu o visitei bastante... éramos próximos. Mas, hoje, não sei mais como ele está. As últimas notícias que recebi diziam que ele saiu da clínica e foi morar no interior, longe dos barulhos da cidade. Dois anos já se passaram.
Carol era tudo para mim. Como o Théo — nosso irmão caçula — é para mim hoje. Ela me protegia das broncas, me defendia, me fazia rir. E quando ela se foi... o mundo perdeu um pouco da cor.
O mesmo ano em que a perdi foi o ano em que descobri que a mulher que me criou... não era minha mãe biológica. Descobri que minha mãe de verdade tinha morrido logo após me dar à luz.
Fiquei perdida. Meus irmãos mais velhos, que tinham cerca de 10 ou 11 anos na época, lembravam da mamãe Priscila e ajudaram a esconder a verdade de mim e dos outros pequenos. Fiquei dias sem falar com ninguém. Mas depois... com lágrimas nos olhos, ouvi as explicações e perdoei todos.
Eu só tinha 15 anos. Não sabia lidar com tudo isso. Queria a Carol. Só ela poderia me entender naquele momento. Mas talvez... nem ela soubesse a verdade sobre nossa mãe.
Ela balança a cabeça levemente, voltando ao presente
Chega. Preciso deixar essas lembranças no passado. Quero focar nas boas coisas que virão. Meus pais agora podem aproveitar melhor o Théo, enquanto ele ainda é criança e precisa deles.
Ainda me emociona lembrar da despedida ontem à noite. Meus pais tentando esconder as lágrimas, me dizendo palavras bonitas... Eles sabiam que meu momento chegaria, mas não imaginavam que seria tão cedo. Aos 17 anos, estou partindo. E já fico pensando como será fazer 18 longe de todos.
Vou morar com meu padrinho Pedro. E no mesmo ano em que descobri sobre minha mãe biológica, também descobri que ele é, na verdade, meu tio — irmão mais novo da mamãe Priscila.
Ontem à noite também precisei conter minhas lágrimas.
Théo, chorando, segurando minha perna, implorando para eu não ir...
Foi a cena mais difícil de deixar para trás.
Ela aperta com carinho o pingente no pescoço. Respira fundo.
— Chegamos.
O ônibus esvazia um pouco. Ela se levanta, pega as malas e desce.
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Atualizado até capítulo 26
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