Capítulo 2

Ricco Capone

O ronco do motor ecoa pelas alamedas silenciosas da propriedade, mas silencia assim que estaciono em frente à mansão imponente do meu pai. A construção parece me observar como um predador antigo, silencioso, pronto para atacar. Um calafrio me percorre a espinha, instintivo. Respiro fundo, tentando afastar o pressentimento sombrio que me persegue desde o momento em que Afonso pronunciou o nome do velho. Mas é inútil. O peso do inevitável já paira sobre mim.

Cruzo os degraus e entro. O interior da mansão continua igual — silencioso, solene, sufocante. Sigo direto para o escritório, guiado pelo cheiro denso de charuto e pela penumbra que se arrasta pelas paredes de madeira escura. E lá está ele, como sempre. Sentado em sua poltrona de couro, o rosto envolto por uma névoa de fumaça. Alex Al Capone. O homem que carrega nas veias o sangue de lendas, e nas mãos, o destino de nossa família.

Ele não fala. Apenas aponta com um gesto seco para a cadeira à sua frente. Sento-me. A tensão é espessa como piche.

Pai- Ricco..

Ele diz com a voz baixa, grave.O jeito como pronuncia o meu nome já denuncia: vem merda por aí.

Ricco- O que você quer, pai?

Pergunto, sem rodeios, a irritação escorrendo em cada sílaba. A dor de cabeça, que me atormenta desde o amanhecer, pulsa com mais força nas têmporas.

Ele traga o charuto, exala devagar e apaga-o no cinzeiro de cristal, como se a ação tivesse um simbolismo que só ele compreendesse. Os seus olhos se cravam nos meus.

Pai- Você irá se casar em quinze dias!

A risada amarga escapa antes que eu possa controlar. Balanço a cabeça, incrédulo.

Ricco- Veio me chamar aqui pra contar piada? Porque essa foi boa, admito.

Pai- Não é piada, Ricco.

A sua voz permanece inalterada.

Pai- Giulia Morello está a caminho de Chicago. Com os pais. Tudo já está acertado.

Sinto o sangue ferver nas veias.

Ricco- Nós já falamos sobre isso. Várias vezes. Eu não vou me casar. Não agora. E, com certeza, não assim, arranjado como se eu fosse um garanhão sendo vendido no mercado.

O velho sequer pisca.

Pai- Você não tem escolha.

Diz ele, e a voz agora carrega o aço frio de uma ordem que não admite recusa.

Pai- É a filha do Cape del Cape da Camorra, Donatello Morello. Uma união entre as nossas casas é estratégica, vital. E será selada da forma tradicional. Com casamento.

Fecho os olhos por um segundo, tentando conter a explosão que se aproxima.

Ricco- Porra, Pai! Estamos em pleno século XXI! Não podemos formar alianças com acordos comerciais? Precisamos mesmo desse pacto arcaico de sangue?! Isso não é 1985.

Ele levanta a mão, abruptamente, me silenciando.

Pai- Essa é a única maneira, Ricco. É assim que nossa família sempre fez, e continuará fazendo. É uma questão de honra, tradição, e sobrevivência.

Solto o ar com força, o cansaço se misturando à frustração.

Ricco- Já que não tenho opção...

Murmuro, num tom resignado. Isso o faz sorrir, um sorriso carregado de ironia e familiaridade.

Pai- Ricco, por Deus... Você já está com trinta anos! Passou da hora de ter uma esposa, e um herdeiro para continuar esse legado. Giulia será uma ótima companheira. É linda, inteligente, tem sangue forte e sabe exatamente o papel que precisa cumprir.

Ricco- Desde que saiba obedecer.

Retruco, seco.

Ricco- Não quero uma mulher respondona. Preciso de alguém que compreenda a estrutura dessa família. Que me respeite. Que saiba o lugar dela.

A gargalhada do velho explode no ambiente, tão inesperada quanto estrondosa. Ele balança a cabeça, os olhos ainda marejados de riso quando responde:

Pai- Ah, Figlio… Submissa? Giulia? Jamais. A garota é um furacão. Uma tempestade que ninguém consegue controlar. Nem o próprio pai. Ela não vai aceitar coleira, Ricco. Vai querer comandar junto, ou destruir tudo no processo.

Estreito os olhos.

Ricco- Então ela só não me conheceu ainda. Eu coloco qualquer uma na linha. Sempre coloco.

Ele me encara com uma expressão que mistura desafio e ternura envelhecida.

Pai- Pode tentar, filho. Mas desta vez… você pode encontrar sua igual. Ou a sua ruína.

Seu semblante muda sutilmente. O sorriso morre, e o aviso chega, claro como chumbo:

Pai- E um último detalhe. Mantenha o seu nome longe dos malditos tabloides. Donatello tem reputação a zelar. Não quero fotos suas em escândalos com modelos ou atrizes. Esse casamento é política pura. E você vai representá-lo com dignidade.

Reviro os olhos, irritado.

Ricco- Você sabe exatamente quem eu sou, pai. Nunca escondi que gosto de viver bem. Mulheres, festas, liberdade. É o que eu sou. Mas...

Faço uma pausa, o tom ganhando sarcasmo

Ricco- Prometo me comportar. Pelo menos até a noiva chegar.

Ele dá um tapa na mesa, forte o suficiente para me fazer calar e repensar o tom.

Pai- Escute com atenção, Ricco. Saia da linha e você perde tudo. O posto de Don, os negócios, o respeito dos nossos aliados. E, se necessário, entro em guerra com você mesmo antes de entrar com a Camorra. Não brinque comigo. E, pelo amor de Deus, se for foder putas — faça escondido! Essa garota... essa mulher, Giulia... ela não é qualquer uma. Não a subestime.

Cruzo os braços, impaciente, e lanço a pergunta que estava entalada:

Ricco- E por que, diabos, você me obriga a casar com uma mulher que não tem nada a ver comigo? Que nem sequer é submissa?! Que tipo de arranjo de merda é esse?

Pai- Porque ela é exatamente o que você precisa, mesmo que ainda não perceba.

Giulia Morello acha que tem escolhas. Mas tudo já foi traçado. Eu a moldarei, sem pressa, sem piedade. Ela vai se curvar à minha vontade — e quando isso acontecer, será irreversível.

Sua voz ecoa firme, me tirando dos meus devaneios, ele me encara como se tivesse selado o meu destino com um carimbo invisível. Ele se inclina, me encara de novo — olhos nos olhos, sem hesitação.

Pai- E porque Giulia é o seu desafio. E talvez o seu castigo. Ou sua redenção. Vai depender de você.

Levanto-me da cadeira bruscamente, a madeira rangendo sob o movimento. Não digo mais nada. Nem um insulto, nem uma promessa. Apenas saio.

A porta da mansão se fecha atrás de mim com um baque surdo. Mas o que retumba de verdade é o início do fim da minha liberdade.

Ou o começo de algo muito, muito pior.

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Comments

Amanda

Amanda

Tá perdido coitado, tá achando que vai mandar kkkkkkkk, vai é virar cadelinho dela
Dá a patinha 🐾 🐾 🐾 🐾 🐾

2025-07-30

1

Jana

Jana

Muito bom, começando a leitura hoje 29.07.25. Pelo jeito vamos ter um mafioso desafiado e rendido pela mocinha da estória.

2025-07-30

0

luciane souza

luciane souza

Acho que não meu querido, você é que vai se moldar a ela 😂😂😂

2025-07-30

2

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