O céu de Aeloria era de um azul impossível — tão calmo que chegava a irritar Seraphina. O tipo de céu que fazia parecer que o mundo era justo.
Mas o mundo dela era feito de sombras, veneno e mentiras.
A carruagem cruzava a estrada principal em direção à capital. Cercada por colinas floridas e vinhedos, a paisagem era linda demais para ser real. Ao seu lado, sentado como se fosse apenas um viajante comum, Cael descansava com os olhos semicerrados, assobiando uma melodia ancestral.
— Está estranhamente calada hoje — comentou ele, sem abrir os olhos.
— Observo mais quando me aproximo do inimigo — respondeu ela, seca.
Ele riu com suavidade, como se estivesse se divertindo.
— Você é fascinante, Sera. Poucas pessoas conseguem ser tão afiadas sem sequer sacar uma lâmina.
— E poucas pessoas sangram quando esperam flores.
Ele a olhou, e por um segundo, algo passou entre eles. Algo que ela não queria nomear.
Chegaram ao entardecer num solar isolado, escondido entre vinhedos de uvas negras. Era uma antiga propriedade nobre, com arquitetura em pedra clara e heras escalando as colunas como serpentes verdes. Nada ali parecia ameaçador. Mas Seraphina sentia o cheiro de segredos no ar.
Assim que desceram, foram recepcionados por um criado alto e esguio, de olhos fundos e cabelos grisalhos bem aparados. Vestia-se com precisão impecável, e seus gestos eram cuidadosos como os de um cortesão.
Este era Lysander, o criado-mor de Aeloria.
> Ele era o tipo de homem que não precisava de uma coroa para exalar autoridade. Seus olhos tinham visto coisas demais, e sua voz era aveludada como seda, mas cortante como vidro. Ao inclinar-se para Cael e chamá-lo discretamente de “Alteza”, deixou Seraphina em alerta. Mesmo disfarçado, o príncipe era reverenciado em silêncio por seus próprios homens.
— Prepararemos os aposentos como de costume — disse Lysander. — Discrição total.
Cael apenas assentiu.
Seraphina fingiu não ouvir. Mas por dentro, o nome ecoava como um sino de guerra: Alteza.
À noite, jantaram sob candelabros altos, em uma sala silenciosa demais para dois viajantes. Havia vinhos finos, pão recém-assado e pratos com aromas luxuosos — comida de realeza, não de estrada.
— Qual o seu plano depois que chegar à capital? — perguntou ela.
— Visitar velhos amigos — respondeu ele, casual. — E talvez... mudar o destino deste reino.
Ela tentou sorrir. Mas o estômago apertava.
Após o jantar, ele a convidou para a sacada. De lá, viam o lago em formato de lua crescente refletindo as estrelas.
— Já esteve apaixonada, Sera?
— Já amei minha missão. Isso conta?
Ele a observou, sério por um instante.
— Às vezes, o dever nos faz odiar o que amamos... e amar o que deveríamos destruir.
Essas palavras a feriram mais do que qualquer lâmina.
Quando ele foi dormir, ela agiu.
Vasculhou seus aposentos com movimentos de predadora. Silenciosa, precisa. No fundo de uma gaveta secreta, encontrou um anel dourado com o brasão real de Aeloria — uma rosa cercada por espadas.
Ela o segurou entre os dedos, e as pontas afiadas da joia cortaram sua pele.
Sangue escorreu.
— Então é verdade... você é o príncipe — murmurou.
E ainda assim, continuava vivo, mesmo após tantos toques. Mesmo após tantas chances.
Voltou ao quarto com passos leves. Sentou-se na cama. Olhou-se no espelho.
A mulher que via ali não era só uma assassina.
Era uma arma rachada por dentro.
Uma peça que começava a duvidar do tabuleiro.
E a dúvida... era o veneno mais lento e mortal de todos.
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Atualizado até capítulo 30
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