A manhã chegou com névoa densa e silêncio desconfortável.
Seraphina deixou a taverna antes do nascer do sol. Ainda pensava no estranho da noite anterior. A forma como ele lutava, o olhar firme... e o fato de ter tocado sua pele sem qualquer sinal de envenenamento.
Ela caminhava pela estrada de pedra quando ouviu passos.
— Achei que você já teria partido — disse uma voz atrás dela.
Ela se virou. Lá estava ele.
O estranho da floresta.
— Você está me seguindo? — perguntou, erguendo uma sobrancelha.
— Tecnicamente, estou indo na mesma direção — respondeu ele, sorrindo. — E prefiro viajar com boa companhia.
— Ou com alguém que possa te salvar de caçadores — retrucou Seraphina, seca.
Ele deu uma leve risada.
— Toque justo.
Nome, aparência, habilidade com espada... tudo indicava que ele era alguém importante. E ainda assim... ele não se apresentava. Isso a incomodava.
— Ainda não me disse seu nome — ela falou.
— E você ainda não me disse o seu — ele respondeu.
Silêncio.
Eles se encararam por um instante.
— Me chame de Sera — ela disse, por fim.
Ele sorriu de lado.
— Cael.
Seraphina congelou por um breve segundo.
Cael... abreviação comum de Caelan.
Será possível...?
Ela não demonstrou nada.
— E para onde vai, Cael?
— Norte. Para Aeloria.
— Aeloria? — ela fingiu surpresa. — Vai ao coração do reino inimigo assim... despreocupado?
Ele deu de ombros.
— Aeloria não é tão terrível quanto Lunaris pinta.
Ela sorriu, mas por dentro, um frio a tomou.
Enquanto caminhavam, chegaram a um mirante natural. Dali, via-se o vale entre dois reinos: ao sul, Lunaris, com suas florestas escuras e torres negras. Ao norte, os campos dourados e cidades muradas de Aeloria.
— Lunaris e Aeloria são como espelhos quebrados — comentou Cael. — Dois pedaços de um império antigo, condenados a odiar-se para sempre.
— Que poético — disse Seraphina. — Ou você é apenas mais um idealista.
— Eu prefiro “realista que sabe sonhar”.
Ela riu pela primeira vez em dias. E se odiou por isso.
O riso a fez lembrar. De onde veio. De quem era.
Dos corredores sombrios do castelo onde cresceu.
Do salão de mármore negro, onde a Ordem da Rosa Negra treinava suas filhas para matar.
"Um beijo deve ser gentil, mas fatal", dizia a instrutora, deslizando veneno nos lábios de uma aluna. "Nunca tema o amor. Tema o que ele tira de você."
Ela se lembrava do primeiro beijo que matou.
Um espião traidor. Jovem. Risonho.
Ela o beijou. Ele caiu. E ela... nunca mais foi a mesma.
Ao anoitecer, acamparam perto de um riacho. Cael preparava uma pequena fogueira enquanto Seraphina fingia estar distraída.
Ela pegou uma folha e aplicou uma gota do batom venenoso enquanto ele não via. Depois, deixou a folha sobre uma pedra, próxima à mochila dele.
Horas depois, a folha ainda estava intacta.
Nada murchava. Nenhum efeito.
Impossível.
Esse veneno matava ratos em segundos. Flores em instantes. Humanos em minutos...
Ele tocou seu braço. Pegou sua mão. Encostou nos lábios da caneca dela. E continuava ali.
Ela o observava, sentada do outro lado da fogueira.
Ele sorria, brincando com uma pedra e assobiando uma melodia antiga.
— O que foi? — ele perguntou, notando o olhar.
— Você é... estranho.
— Já me disseram isso. Várias vezes.
Ela desviou o olhar.
Se ele fosse mesmo o príncipe Caelan... por que agia como um homem comum? E por que não a matava?
Ou pior... por que não morria?
Naquela noite, enquanto Cael dormia, Seraphina sussurrou para o vazio:
— Caelan de Aeloria... Se você for mesmo quem eu penso que é...
Ela segurou o frasco dourado, olhando para ele com os olhos pesados de dúvida.
— ...então este jogo já começou há muito tempo.
Fechou os olhos, com o batom venenoso ainda quente entre os dedos.
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Atualizado até capítulo 30
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