Cecília fechou a porta do quarto devagar, como se o simples barulho pudesse quebrar o que restava da sua coragem. Sentou-se na beira da cama, pegando o celular com as mãos trêmulas. Discou o número de Brenda quase no automático.
— Você não sabe a merda que eu acabei de fazer... — a voz dela saiu embargada, quase um sussurro.
Do outro lado, o silêncio foi curto.
— O que aconteceu, mulher? — Brenda soava preocupada. — Tua voz tá péssima.
— Eu aceitei uma coisa... — Cecília respirou fundo, tentando segurar o choro. — Uma coisa muito errada.
— Já sabia. — Brenda suspirou, amarga. — Sabia que isso ia dar ruim, sabia que tinha alguma coisa estranha.
— Ele... ele ofereceu pagar toda a dívida do meu pai. — as palavras saíram rápidas, quase atropeladas. — Mais de um milhão, Brenda. E eu aceitei.
Um silêncio carregado. Depois, o grito:
— Você aceitou?!
— Aceitei...
— Você tá maluca, Cecília! — a voz da amiga quebrou em incredulidade. — Você não pode fazer isso! Você vai se casar com o cara!
Cecília fechou os olhos, lágrimas quentes escorrendo.
— É só por imagem... a gente não vai ter nada. Eu vou continuar cuidando da Aurora. É só um contrato.
— Contrato ou não, você entrou nessa casa ontem, mulher! — Brenda bufava. — Você nem conhece esse cara, e já vai assinar a vida inteira dele?
— Não é a vida inteira, Brenda. — Cecília tentou sorrir, falhando. — São dois anos, no máximo. Dois anos e a dívida do meu pai desaparece. Ele vai poder viver sem isso pesando nele.
Do outro lado, silêncio. Um silêncio que doía.
— Cecília... — a voz de Brenda amoleceu, carregada de frustração. — Você já é maior de idade, pode cuidar da tua vida, mas... eu tô muito decepcionada. Você tá se casando com um homem que você não conhece.
A babá apertou o celular contra o ouvido, chorando baixinho.
— Eu só queria uma solução, Bren. Eu só queria ver meu pai reconstruindo a vida sem essa dívida. Eu não tô pedindo pra ser feliz, só pra resolver isso.
Brenda suspirou fundo, rendida.
— Tá bom. Eu não concordo, mas... se essa é tua decisão, vou respeitar. Vou te apoiar, mesmo não gostando.
Cecília sorriu fraco entre lágrimas.
— Obrigada... obrigada mesmo.
Do outro lado, Brenda ficou em silêncio por alguns segundos, até soltar:
— E a sua família? Eles vão pro casamento?
Cecília balançou a cabeça, mesmo sabendo que a amiga não podia vê-la.
— Não... Eu nem vou contar pra eles agora. Vou só dizer que consegui o dinheiro. Que tá tudo certo.
— Você vai mentir? — a voz de Brenda saiu incrédula.
— É melhor assim, Bren. Eles já têm preocupação demais. O máximo que eu vou fazer é um casamento no civil, sem festa, sem nada. Só assinar e pronto.
Brenda suspirou, vencida.
— Tá bom...., mas eu ainda acho isso uma loucura.
— Eu sei, Bren... mas é a única forma que encontrei.
As duas ficaram em silêncio por alguns segundos, só ouvindo o som distante de um carro passando pela rua.
— Eu vou desligar, tá? A Aurora vai acordar daqui a pouco.
— Tá bom... e, Cecília... cuida de você, tá?
— Prometo.
Ela encerrou a chamada, deixando o celular ao lado da cama. Um nó pesado ainda apertava o estômago, mas ela respirou fundo e se levantou. Caminhou até o banheiro, ligando o chuveiro. A água quente caiu como um abraço silencioso, tentando levar embora a tensão que grudava na pele.
Quando saiu, enxugou os cabelos e vestiu um vestido preto, justo o suficiente para marcar a cintura, mas sem exageros. Olhou o reflexo no espelho e se perguntou por um instante se realmente parecia com alguém prestes a assinar um contrato de casamento — parecia mais com alguém tentando se convencer de que tinha o controle da situação.
Antes de descer, passou pelo quarto da Aurora. A menina já estava acordada, sentada no berço com os olhinhos ainda sonolentos, abraçando o bichinho de pelúcia.
— Oi, princesa... acordou cedo, né? — Cecília sorriu, pegando-a no colo.
Aurora resmungou algo que soava como um “mamã”, ainda com a voz arrastada de sono. Cecília riu, levando-a para o banheiro pequeno ao lado do quarto. Tirou o pijaminha da menina, deu-lhe um banho rápido e vestiu um vestido floral claro, combinando com uma pequena presilha de laço no cabelo.
Com Aurora no colo, desceu para o jantar. O cheiro de temperos frescos vinha da cozinha, preenchendo o ambiente com uma sensação de lar que, ironicamente, não era o dela.
Quando chegou à sala de jantar, Victor já estava à mesa, impecável em uma camisa social branca, mangas dobradas até os cotovelos, mexendo no celular.
Ele ergueu os olhos assim que ela entrou, colocando o aparelho sobre a mesa.
— Sente-se. — a voz firme, sem rodeios.
Cecília acomodou Aurora na cadeirinha alta ao lado e sentou-se em frente a Victor, tentando ignorar a tensão que ainda sentia no peito.
A mesa estava impecável, talheres alinhados, pratos servidos com perfeição. Victor observava em silêncio por alguns segundos, como se cada gesto dela fosse uma informação preciosa.
— A Aurora dormiu bem à tarde? — perguntou, a voz calma, porém firme.
— Dormiu sim, umas duas horas. — Cecília respondeu, ajeitando o guardanapo no colo.
Ele assentiu, cortando um pedaço da carne.
— E você? Já conseguiu se adaptar ao ritmo da casa?
— Aos poucos, sim. — ela sorriu de leve. — A Aurora facilita as coisas... é uma menina muito esperta.
Victor olhou para a filha, que tentava prender a atenção do pai batendo o garfinho na mesa.
— Papai! Olha! — ela apontou para o desenho colorido que tinha feito mais cedo.
Victor inclinou a cabeça, observando. Um breve sorriso escapou antes de ele voltar a postura séria.
— Está lindo, princesa.
Aurora bateu palminhas, satisfeita, e voltou a brincar com o pão. Cecília observou a troca, notando como, mesmo com o semblante duro, Victor amolecia com a filha.
Ele voltou os olhos para ela.
— Depois do jantar, vá ao meu escritório. Temos algo para resolver.
— Tudo bem. — Cecília respondeu com um pequeno aceno de cabeça.
O restante do jantar seguiu calmo, com pequenas tentativas de Aurora chamar a atenção do pai, arrancando dele expressões suaves que contrastavam com a rigidez habitual.
— Lena, você pode ficar um pouquinho com ela? — perguntou suavemente.
— Claro, querida. Vai lá resolver o que precisa. — respondeu a governanta, pegando Aurora, que logo se distraiu com as panelas e a voz cantada de Lena.
Cecília ajeitou o vestido, respirou fundo e caminhou até a porta do escritório. Três batidas leves ecoaram.
— Entre. — a voz de Victor soou firme.
Ele estava sentado atrás da ampla mesa de mogno, o contrato já aberto diante dele. Estendeu uma caneta na direção dela.
— Leia com atenção. Todas as cláusulas estão aí: confidencialidade, prazo de dois anos, manutenção da imagem pública e a liberdade para seguir como babá da Aurora.
Cecília folheou página por página, o coração acelerado. Cada linha era clara, objetiva, sem espaço para mal-entendidos. Terminou a leitura e ergueu os olhos.
— Não há nada que eu queira mudar. Está tudo em ordem.
Victor apoiou o queixo na mão, a expressão carregada de uma calma que beirava a provocação.
— Excelente. Ah, e um detalhe importante... não entre no meu quarto sem permissão.
Um sorriso quase imperceptível curvou os lábios dele.
— A não ser que um dia você queira me surpreender.
O tom sarcástico fez o rosto de Cecília corar instantaneamente. Ela fechou o contrato com firmeza, pegou a caneta e assinou sem hesitar.
— Licença, senhor Victor. — disse, devolvendo o contrato e virando-se para sair.
Ele acompanhou-a com o olhar, o sorriso enigmático ainda no canto da boca, enquanto ela cruzava a sala com passos apressados, buscando a segurança do corredor silencioso.
Cecília foi direto até a cozinha, onde Lena ainda brincava com Aurora.
— Obrigada, Lena. Eu fico com ela agora.
A governanta sorriu e entregou a pequena, que imediatamente se aconchegou nos braços da babá.
Já no quarto infantil, Cecília deixou Aurora brincar mais um pouco com um ursinho de pelúcia, enquanto arrumava as roupas da menina.
— Ceci, tô com sono... — a voz de Aurora soou baixinha, os olhos piscando devagar.
— Eu sei, meu amor. Vamos colocar o pijama, tá?
Aurora obedeceu sem reclamar, deixando que Cecília vestisse um pijama amarelinho com estampa de estrelas. A menina se aconchegou na cama e segurou a mão da babá.
— Canta pra mim...
Cecília sorriu, ajeitou uma mecha de cabelo da menina e começou a cantar baixinho uma versão suave de Nine Inch Nails que ela conhecia desde a adolescência, transformando a música sombria em algo doce, quase um sussurro de ninar.
Aurora adormeceu em poucos minutos, com um sorriso tranquilo.
Cecília a cobriu com cuidado, desligou a luz principal, deixando apenas o abajur aceso, e saiu em silêncio.
No próprio quarto, ela foi direto ao banheiro, deixando a água morna levar embora o peso do dia. Vestiu um pijama discreto — de tecido leve, sem ser curto, bonito sem qualquer vulgaridade. Um conforto necessário, quase uma armadura suave para aquela nova vida que começava de um jeito tão inesperado.
Cecília sentou-se à beira da cama, respirando fundo. O contrato, o casamento, o olhar de Victor... tudo parecia grande demais para caber em um único dia. Por fim, se deitou, tentando se convencer de que o sono levaria embora a ansiedade.
Mas, às duas da manhã, acordou com a boca seca.
Bocejando, vestiu um casaco leve sobre o pijama e desceu as escadas em silêncio. A casa estava quieta, apenas uma luz suave da sala acesa. E foi então que o viu.
Victor estava ali, sentado no sofá, sem camisa, músculos definidos à mostra sob a luz âmbar, um copo de uísque em mãos. Ele parecia alheio ao mundo, mas o olhar frio e desperto a alcançou assim que ela se aproximou.
— O que você está fazendo acordado a essa hora? — perguntou, a voz baixa, quase um sussurro no silêncio noturno.
Ele deu um meio sorriso, sem humor.
— Insônia.
Ela mordeu levemente o lábio, hesitando por um instante.
— Ah... certo.
Virou-se para seguir até a cozinha quando a voz dele a cortou, rouca e firme:
— Você não deveria andar pela minha casa com um pijama desses... — os olhos dele percorreram-na lentamente, uma tensão quase palpável no ar. — ...posso não me controlar.
O coração de Cecília disparou. Ela apertou os dedos contra o tecido do casaco, sem saber para onde olhar.
— Desculpa, senhor Victor... eu... eu não pensei...
Ele se levantou devagar, aproximando-se até parar diante dela, erguendo o queixo sutilmente para que ela o encarasse. O silêncio parecia eletrificar a distância entre os dois.
O olhar dele se deteve nos lábios dela por um segundo que pareceu uma eternidade. Então, desceu mais perto, a voz grave, quase um sussurro:
— Boa noite, senhorita Morelli.
Cecília engoliu em seco, o rosto corando imediatamente.
— Bo-b... boa noite, senhor Victor. — gaguejou, desviando o olhar enquanto recuava um passo.
Victor manteve aquele meio sorriso enigmático enquanto ela seguia apressada para a cozinha. Bebeu um copo d’água quase sem sentir o gosto e voltou para o quarto, tentando acalmar a respiração acelerada.
Na cama, abraçou o travesseiro, os pensamentos girando ainda mais do que antes, até finalmente o sono a vencer de novo.
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Atualizado até capítulo 31
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