– Ele te contratou? – Brenda quase derrubou a xícara de café. – Assim, do nada?
– Assim mesmo. – Cecília jogou a bolsa no sofá e afundou na almofada. – Disse que começo amanhã.
– E... – Brenda a olhou com os olhos semicerrados. – Qual é a pegadinha?
– Eu tenho que morar lá.
Brenda arregalou os olhos. – O QUÊ?
– É... tempo integral, folga só no domingo. – Cecília suspirou, passando a mão pelo rosto. – Ele tem uma filha pequena, precisa de atenção total.
Brenda apoiou as mãos na cintura, andando de um lado para o outro. – Cecília, você sabe que isso parece aquelas histórias de sequestro chique, né?
– Para, Brenda. – ela riu nervosa. – É só um emprego.
– “Só um emprego”? Você vai morar na casa de um homem que você mal conhece. – A amiga parou de andar, cruzando os braços. – Ele é bonito pelo menos?
– Brenda! – Cecília riu, mas sentiu o rosto esquentar. – Ele é... sério. Muito sério.
Brenda deu um sorriso malicioso. – Então é bonito.
– Não vou responder isso. – ela desviou o olhar. – Mas, sim, é meio intimidador.
– E a filha dele?
– Uma fofura. – Cecília sorriu lembrando da pequena Aurora. – Me abraçou logo de cara.
Brenda se jogou no sofá ao lado dela, soltando um suspiro dramático. – Então é isso... você me abandona por uma mansão e uma criança loira.
– Vou vir nos domingos, prometo. – Cecília sorriu. – E você sabe que eu preciso disso. O emprego paga bem, Brenda, muito bem.
A amiga pegou a mão dela, apertando de leve. – Eu sei. Mas... promete que vai me ligar se qualquer coisa parecer estranha? Tipo, qualquer coisa mesmo.
– Prometo.
– Tá. – Brenda se levantou, indo para o quarto. – Então vou te ajudar a arrumar as malas. Mas ó... – ela apontou com o dedo. – Se esse cara mexer um fio de cabelo seu, eu mesma chamo a polícia.
Cecília riu. – Relaxa, Brenda. Vai dar tudo certo.
Por dentro, porém, o nervosismo ainda queimava no estômago.
Cecília fechou a mão em torno da blusa que segurava, sentindo a maciez do tecido entre os dedos. Aquilo não era apenas arrumar uma mala; era um pedaço da vida dela sendo colocado em outra prateleira.
Brenda cruzou os braços, encostada no batente da porta, observando cada movimento da amiga. – Você fala isso como se fosse férias.
– É só um emprego, Bren. – Cecília dobrou a blusa com cuidado exagerado, tentando parecer calma. – Eu preciso fazer isso.
– Você já faz o suficiente, Ceci... – a voz de Brenda saiu mais baixa, quase um sussurro. – Sua família devia se sentir sortuda por ter você.
Cecília engoliu em seco, desviando o olhar. – Não é sobre eles serem sortudos. É sobre eu não conseguir ficar parada vendo tudo desmoronar.
Brenda suspirou, vindo se sentar ao lado da mala. – Você sabe que isso pode ser perigoso, né? Morar lá... com ele.
– Eu sei. – Cecília respirou fundo, sentindo o peito apertar. – Mas se eu conseguir me manter firme, pagar as contas da minha mãe, talvez... talvez eu consiga respirar um pouco também.
Brenda segurou a mão dela com força. – Então me promete que vai cuidar de você primeiro. Se alguma coisa parecer errada, você sai.
– Prometo. – Cecília forçou um sorriso, mas os olhos marejaram contra a vontade dela.
Brenda soltou um riso nervoso e limpou discretamente a própria lágrima. – Pronto, agora eu tô chorando. Que mico.
Cecília riu baixinho, puxando a amiga para um abraço apertado. – Você é um desastre.
– E você é teimosa. – Brenda respondeu com a voz abafada contra o ombro dela. – Mas eu te amo, tá?
– Eu também te amo.
Quando se soltaram, as duas voltaram a dobrar as últimas peças em silêncio. O quarto ficou carregado de uma tensão estranha: metade despedida, metade expectativa. Cada zíper fechado parecia um ponto final em uma fase da vida de Cecília.
– Pronto... acho que é isso. – disse ela, passando a mão pelo cabelo em um gesto nervoso.
Brenda assentiu devagar, sem conseguir dizer nada. Apenas pegou a mala e colocou ao lado da porta, como se deixá-la ali fosse mais fácil do que olhar para ela por mais um minuto.
– Vou tomar um banho, tudo bem? – Cecília disse, pegando a toalha.
– Vai lá. Eu termino o almoço. – respondeu Brenda, tentando soar normal.
Cecília foi até o banheiro. A água morna escorrendo pela pele trouxe um breve alívio, como se pudesse lavar também a ansiedade que se agarrava a ela desde cedo. Mas, mesmo com os olhos fechados, a mente não parava: a mansão enorme, o olhar sério de Victor, a pequena Aurora segurando sua mão... e a estranha sensação de que aquele emprego ia mudar tudo.
Quando voltou, de cabelos úmidos e roupa confortável, o cheiro de tempero fresco já vinha da cozinha. Brenda estava de avental, mexendo uma panela.
– Senta aí, Ceci. – disse ela, tentando sorrir. – Hoje eu vou cozinhar direito, porque depois você só vai comer comida chique.
– Você não existe. – Cecília riu, sentando-se à mesa.
O almoço foi simples, mas carregado de silêncio em alguns momentos. As duas tentavam manter conversas leves, mas a cada troca de olhares parecia que uma verdade maior se impunha: aquele era o último almoço comum delas juntas por um bom tempo.
Depois, Cecília ajudou a lavar a louça, embora Brenda insistisse para que ela descansasse. Mas Cecília só balançou a cabeça. – Me deixa fazer alguma coisa. – disse, com um sorriso tímido.
A tarde passou lenta. Ela deitou no sofá, com o celular na mão, mas acabou cochilando por alguns minutos, o corpo cansado pela tensão emocional. Brenda também se jogou na poltrona, passando os canais da TV sem realmente assistir nada. O tempo parecia parado, como se o dia estivesse deliberadamente preguiçoso, esperando a hora da despedida real.
Quando o sol começou a se pôr, uma tonalidade alaranjada invadiu o apartamento. O cheiro de tempero novamente veio da cozinha; Brenda tinha decidido preparar o jantar mais cedo.
– Última refeição oficial. – disse ela, tentando brincar, mas sua voz falhou no meio da frase.
Cecília olhou para ela e sorriu, mas havia uma pontada no peito. Sabia que aquela rotina, aquela paz quase doméstica com Brenda, ia ficar para trás.
– Então... vamos comer antes que esfrie. – Brenda disse, tentando quebrar o clima.
Sentaram-se à mesa e, por um momento, parecia um dia comum. Brenda começou a falar de um vídeo engraçado que tinha visto na internet, e Cecília riu, mesmo sem achar tanta graça assim, mas querendo guardar aquele som da amiga falando qualquer coisa como quem tenta ignorar o peso no ar.
– Você ainda vai me ligar, né? – Brenda perguntou de repente, apontando o garfo para ela. – Porque se você sumir, eu invado aquela mansão ridícula, juro por Deus.
Cecília riu, balançando a cabeça. – Vou ligar, prometo.
– Bom. – Brenda suspirou, satisfeita. – Porque se eu te perder de vista, vou virar aquelas mães de filme, desesperadas, colando cartaz na rua.
– Você é exagerada demais. – Cecília respondeu, ainda rindo.
– Sou mesmo. – Brenda deu de ombros, um pequeno sorriso vencendo a tensão.
Depois do jantar, lavaram a louça juntas. O barulho da água na pia e os pratos batendo levemente parecia estranhamente acolhedor, como se cada som dissesse “ainda estamos aqui, juntas”.
Mais tarde, as duas se jogaram no sofá com uma tigela de pipoca entre elas e colocaram um filme qualquer, nem lembraram de anotar o nome. O enredo pouco importava; o objetivo era só estarem juntas, fingindo que era uma noite comum.
Brenda se acomodou com a cabeça encostada no braço do sofá, enquanto Cecília, deitada com as pernas dobradas, abraçava uma almofada. Em algum momento, os diálogos do filme foram sendo substituídos por risadas tímidas, depois por silêncio confortável.
Quando os créditos subiram, Brenda bocejou alto. – Vou pro quarto, senão amanhã ninguém me acorda pra ir trabalhar. – disse, levantando-se preguiçosamente.
– Vai lá. – Cecília sorriu, ajeitando o cabelo atrás da orelha. – Boa noite, Bren.
– Boa noite, Ceci. – respondeu Brenda, e antes de desaparecer pelo corredor, acrescentou: – Te amo, viu?
– Também te amo.
Cecília ficou ali por um instante, olhando para a tela apagada da televisão, com a sala mergulhada em um silêncio diferente. Não era mais o silêncio de rotina; era um silêncio de fim de capítulo.
Ela se levantou devagar e foi para o próprio quarto. Sentou-se na beira da cama, encarando a mala pronta no canto. Um frio percorreu sua espinha. Respirou fundo, desligou o abajur e se deitou, abraçando o travesseiro com força.
O sono veio devagar, pesado, trazendo sonhos confusos com jardins enormes e olhares intensos que ela ainda não conseguia decifrar.
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Atualizado até capítulo 31
Comments
Marta Monteiro
começou a ficar interessante 💝
2025-08-02
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