O Começo

O despertador tocou às cinco e meia, quebrando o silêncio do quarto com um som agudo demais para aquela hora. Cecília abriu os olhos devagar, sentindo o coração acelerar antes mesmo de sair da cama. Era o dia.

Levantou-se devagar, espreguiçando-se com um leve arrepio no corpo. Pegou a toalha e foi direto para o banho, tentando acordar de vez sob a água morna. Por alguns segundos, deixou a água cair no rosto, como se pudesse lavar a ansiedade que insistia em ficar.

Depois do banho, vestiu uma calça jeans confortável e uma blusa clara. Prendeu o cabelo num coque simples, olhando rapidamente para o próprio reflexo no espelho. “É só um emprego, Ceci. Só um emprego...” murmurou baixinho. Mas o aperto no peito não diminuía.

Na cozinha, pegou a frigideira e começou a preparar um beiju de tapioca, aquele clássico que sempre fazia quando precisava de algo rápido. Adicionou um pouco de queijo coalho, deixando o cheiro invadir o pequeno apartamento. Enquanto o café coava, ela se sentou e comeu devagar, saboreando a simplicidade do café da manhã brasileiro como se fosse um último gesto de conforto antes do desconhecido.

Quando levantou a cabeça, Brenda estava encostada na porta da cozinha, ainda com o cabelo bagunçado e usando um short de pijama.

– Você tá mesmo acordada a essa hora? – Brenda resmungou, a voz rouca de sono.

– Dia importante, né? – Cecília tentou sorrir, mas saiu meio torto. – Quer um café?

– Quero. – Brenda se aproximou, sentando à mesa. – Meu Deus, vou sentir falta desse seu beiju...

– Você também sabe fazer. – Cecília deu uma risada curta.

– Sei, mas o seu é melhor. Tem gosto de... você. – Brenda disse, apoiando o queixo na mão. – Ai, vai ser estranho tomar café sem você.

Cecília não respondeu de imediato, apenas estendeu a xícara para a amiga. O silêncio entre as duas era confortável, mas carregado de uma melancolia nova.

Quando o relógio da parede marcou sete horas, o peito de Cecília apertou. Ela se levantou, pegou a mala que já estava encostada no corredor e voltou para a sala, onde Brenda já estava de pé, olhando para ela com os olhos marejados.

– Não chora... – Cecília disse, sentindo a própria garganta arder.

– Não tô chorando. – Brenda respondeu, enxugando uma lágrima teimosa. – Só entrou um cisco.

As duas riram baixinho, e então se abraçaram com força.

– É só até domingo. – Cecília sussurrou. – No domingo eu venho, prometo.

Brenda fungou, apertando ainda mais o abraço. – E quando você vier, a gente vai na balada, ouviu? Primeira folga é festa!

– Tá prometido. – Cecília sorriu contra o ombro da amiga. – Mas você que paga a bebida.

– Pago, só pra te ver feliz. – respondeu Brenda, rindo entre as lágrimas.

Elas se soltaram devagar, os olhos vermelhos, mas com um sorriso compartilhado.

– Vai. – disse Brenda, abrindo a porta. – Antes que eu desista e te tranque aqui.

Cecília pegou a mala, deu uma última olhada no apartamento e saiu. O táxi já a esperava na frente do prédio.

Enquanto o carro se afastava, ela olhou pela janela e viu Brenda acenando com força, pequena à distância. Um nó se formou na garganta, mas ela respirou fundo, enxugou uma lágrima e encarou a rua à frente.

A cidade parecia diferente naquele dia, como se cada semáforo, cada prédio, estivesse a lembrar a ela que tudo ia mudar. E ia mesmo.

O táxi subiu uma rua ladeada por árvores e mansões enormes até parar diante do portão imponente da propriedade Valemont. O coração de Cecília deu um salto no peito quando reconheceu a fachada elegante e intimidadora.

O segurança a reconheceu imediatamente e abriu o portão sem dizer uma palavra. O carro entrou, avançando por uma longa alameda até parar diante da entrada principal.

Victor estava parado ali, como se já a esperasse. Ele vestia um terno cinza-escuro impecável, a gravata perfeitamente alinhada. Havia algo na postura dele – firme, impenetrável – que fez Cecília engolir em seco antes de sair do carro.

– Bom dia, senhor Valemont. – ela disse, a voz mais suave do que planejava.

– Senhorita Morelli. – Victor respondeu, apenas com um leve aceno de cabeça. – A Sra. Lena, nossa governanta, vai lhe mostrar a casa e explicar as regras.

Ele olhou o relógio de pulso, já girando os ombros em direção ao carro preto que o aguardava logo atrás. – Tenho uma reunião cedo. Qualquer dúvida, fale com ela.

E, sem esperar resposta, entrou no carro, que desapareceu rapidamente pelo portão lateral.

Cecília ficou parada por um instante, sentindo o peso de já estar ali sozinha, diante de uma casa que parecia grande demais para qualquer ser humano.

– Senhorita Morelli? – Uma voz feminina e firme soou atrás dela.

Virando-se, Cecília encontrou uma mulher de meia-idade, de uniforme impecável, expressão séria mas não hostil.

– Eu sou a Lena, governanta da casa. Vou mostrar seu quarto e o funcionamento da mansão.

– Obrigada. – Cecília respondeu, ajeitando a alça da bolsa no ombro.

Elas entraram, e a visão de Cecília se perdeu por um instante diante do hall principal. Mármore branco no chão, colunas de madeira escura contrastando com lustres de cristal. Um perfume leve de flores pairava no ar.

– Por aqui. – disse Lena, começando a subir uma escada ampla com corrimão trabalhado.

O quarto que a governanta abriu tinha uma cama de casal com colcha bege, cortinas longas e uma pequena escrivaninha perto da janela, que dava vista para o jardim lateral.

– Esse é o seu espaço. Tem banheiro privativo, armário embutido. Se precisar de algo, me avise. – Lena falou, prática.

– É perfeito... obrigada. – Cecília disse, ainda um pouco tímida.

– Organize suas coisas. Depois, vou mostrar a rotina da casa.

Cecília assentiu. Assim que a mulher saiu, ela fechou a porta e se permitiu respirar fundo, sentando-se na cama por um instante. A sensação era estranha: conforto e um frio no estômago ao mesmo tempo. Abriu a mala e começou a guardar as roupas, tentando manter a mente ocupada. Cada peça dobrada era como um pequeno ritual para se convencer de que estava tudo bem.

Pouco depois, Lena voltou e a conduziu pelo corredor.

– Esse é o quarto da senhorita Aurora, a filha do Sr. Valemont. – disse a governanta diante de uma porta com um delicado enfeite de borboletas cor-de-rosa. – Ela ainda está dormindo, mas logo mais você irá conhecê-la.

Continuaram andando até o final do corredor. Lena parou diante da última porta à direita.

– E esse é o quarto do Sr. Valemont. Em hipótese alguma você deve entrar aqui sem permissão expressa dele. Está claro?

– Sim, senhora. – Cecília respondeu rapidamente.

– Ótimo. – A mulher abriu um pequeno sorriso, quase imperceptível, e então desceu com Cecília até a cozinha.

O ambiente ali embaixo era amplo, mas acolhedor, com bancadas de mármore, eletrodomésticos de última geração e um cheiro suave de café recém-passado.

– Sente-se. – Lena disse, puxando uma cadeira. – O Sr. Valemont saiu cedo, mas volta para o almoço. Você e a senhorita Aurora costumam tomar café juntas, mas ela é preguiçosa pela manhã. Hoje provavelmente vai acordar mais tarde.

Cecília sorriu levemente, relaxando um pouco. – Tudo bem.

A governanta serviu uma xícara de café para ela. – Aproveite. A manhã é tranquila, só precisamos manter a casa organizada e acompanhar a pequena quando acordar.

Cecília olhou em volta, absorvendo tudo: o silêncio, a perfeição dos detalhes, e aquela sensação de estar em um lugar tão diferente de tudo que conhecia.

Ela bebeu um gole de café, e pela primeira vez desde que saíra do apartamento com Brenda, respirou com um pouco mais de calma.

Cecília tomou mais um gole do café, deixando o calor reconfortante espalhar pelo corpo. Sentiu os ombros relaxarem um pouco – era como se aquela xícara fosse o primeiro passo concreto para se acostumar com o novo mundo onde havia acabado de entrar.

– Está melhor? – perguntou Lena, com uma expressão que tentava disfarçar um certo tom maternal.

– Um pouco, sim. Obrigada. – respondeu Cecília, sorrindo de leve.

– Ótimo. Venha, vou apresentar você ao restante da equipe. É importante saber com quem vai trabalhar.

Elas atravessaram a cozinha até uma porta lateral que dava para um amplo quintal. O ar fresco da manhã trouxe um perfume suave de grama molhada. Perto do canteiro de rosas, um homem de boné e luvas de jardinagem parou ao perceber a presença das duas.

– Este é o senhor Oscar, nosso jardineiro. – disse Lena.

Ele tirou o boné em um gesto educado. – Bem-vinda, senhorita.

– Obrigada. – Cecília sorriu timidamente.

Seguindo mais à frente, entraram em uma área de serviço onde uma mulher alta, de cabelos grisalhos presos em um coque, dobrava lençóis com precisão.

– Essa é a senhora Magda, nossa copeira e responsável pela lavanderia.

– Oi. – Cecília acenou, recebendo um sorriso discreto em troca.

Voltando para a cozinha, Lena apontou para uma mulher mais jovem, de avental branco, mexendo em uma panela.

– E essa é Helena, a cozinheira. Você vai ver que ela faz um pão de queijo de cair da cadeira.

– Ah, então vou me dar bem aqui. – Cecília respondeu, rindo, e Helena sorriu de volta.

Terminada a apresentação, Lena olhou para o relógio preso ao pulso. – Acho que podemos acordar a senhorita Aurora agora.

Subiram novamente e entraram no quarto infantil. O espaço parecia saído de uma revista: paredes em um tom suave de lilás, uma cama pequena com uma colcha de bichinhos, e uma prateleira cheia de livros e brinquedos.

Aurora ainda dormia, abraçada a um coelhinho de pelúcia, o cabelo loiro cacheado espalhado pelo travesseiro. Lena fez um sinal silencioso para Cecília.

– Quer acordá-la?

Cecília hesitou por um segundo, mas se aproximou devagar. Sentou-se à beira da cama e falou baixinho:

– Bom dia, Aurora…

A menina mexeu a cabeça, abrindo os olhinhos lentamente. Quando focou em Cecília, sorriu – aquele sorriso genuíno e desarmado que só crianças sabem dar.

– É você… – disse com a voz ainda sonolenta, um tom pequeno e doce.

– Sou eu, sim. Dormiu bem?

Aurora assentiu com um bocejo e ergueu os bracinhos. Cecília a pegou com cuidado, sentindo o corpinho ainda quente de sono se apoiar em seu ombro.

– Vamos tomar um banho pra começar o dia?

A menina apenas aninhou o rosto no pescoço dela, fazendo um barulhinho quase de contentamento. Lena observava da porta, aprovando com um aceno leve.

No banheiro, Cecília foi guiada pela governanta sobre onde ficavam as toalhas, sabonetes e tudo o que Aurora usava. O banho foi rápido, mas cheio de pequenas risadas da criança, que brincava com a espuma enquanto Cecília mantinha uma mão firme na sua segurança.

Quando voltaram, Lena abriu um closet que mais parecia uma loja de roupas em miniatura: vestidos de várias cores, sapatinhos alinhados, pequenos casacos pendurados por tamanho.

– Escolha algo confortável. – disse Lena.

– Pode ser esse aqui? – Cecília apontou para um vestidinho amarelo com pequenos bordados.

– Perfeito. – respondeu a governanta.

Aurora ergueu os bracinhos, deixando Cecília vesti-la. O cheirinho suave de shampoo infantil ainda pairava no ar quando desceram juntas.

– Está com fome, Aurora? – perguntou Lena enquanto iam para a cozinha.

– Pão com… queijo. – disse a menina, devagar, como se procurasse as palavras.

Cecília riu baixinho. – Essa menina sabe o que é bom.

Na cozinha, Helena já havia colocado uma pequena mesa infantil com um pratinho, uma xícara colorida e frutas cortadas. Cecília ajudou Aurora a sentar-se e ficou perto, observando-a pegar os pedacinhos de fruta com uma concentração adorável.

A sensação de estranhamento começou a ceder. Por um instante, Cecília percebeu: aquele poderia ser um bom começo, mesmo que a mansão ainda parecesse um mundo à parte do seu.

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Comments

Marta Monteiro

Marta Monteiro

As coisas estão bem ❤️por enquanto 😕

2025-08-02

0

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