4

O chuveiro escaldante não lavou a sensação de invasão que grudava na pele de Josh. Ele esfregou o rosto com força, tentando apagar a imagem daquela rosa solitária sobre sua cama — um símbolo que não era romântico, mas uma marca de território.

*Como Murilo sabia onde ele morava?*

*Quem mais tinha acesso ao seu apartamento?*

As perguntas martelavam em seu crânio enquanto a água queimava suas costas.

Ao sair, envolto em uma névoa de vapor, seus olhos foram puxados novamente para a flor. Ela agora repousava em um copo d'água sobre a mesa de cabeceira, um contraste macabro contra a simplicidade do quarto.

Josh vestiu uma camiseta e se jogou na cama, olhos fixos no teto.

Antes de dormir, uma última ideia o perseguiu:

*Por que um homem como Murilo Vitelli — um predador, um estrategista — simplesmente se entregaria à polícia?*

Não fazia sentido.

O despertador estridente cortou o ar do quarto como um grito. Josh esmagou o botão com a palma da mão antes mesmo de abrir os olhos. A rosa ainda estava lá, no copo d'água, agora com as pétalas levemente murchas — um lembrete silencioso do jogo que estava sendo jogado fora da sua percepção.

Ele se arrumou mecanicamente: calça social, camisa azul-marinho, o jaleco branco que já não parecia mais um escudo, mas uma fantasia frágil. Enquanto amarravam os cadarços, o telefone vibrou.

— *E aí, psicólogo de bandido!* — Lucas, sempre irreverente, mesmo às 8 da manhã. — *Bora tomar um café depois do trampo hoje? Tô precisando te contar umas coisas.*

Josh hesitou. Cada minuto longe do instituto era um minuto a mais para respirar, mas também significava mais tempo sozinho com seus pensamentos.

— *Tá bom. Cafeteria do shopping, 18h.*

— *Fechou. E leva esse tal de Murilo aí pra gente bater um papo também, né?* — Lucas riu, ignorando completamente a tensão na voz do amigo.

Josh não respondeu. Desligou e olhou para o jogo de xadrez em cima da mesa. As peças pretas pareciam rir dele.

O corredor do instituto estava mais silencioso que o normal. Até os passos de Josh ecoavam como trovões. Quando abriu a porta da sala, Murilo já estava lá, sentado na sua poltrona como um rei em seu trono, com um sorriso que deixava claro: *Eu sabia que você viria.*

— *Doutor Josh.* — Murilo inclinou a cabeça, os olhos escuros brilhando. — *Trouxe o xadrez, vejo.*

Josh colocou o tabuleiro na mesa, tentando ignorar como suas mãos tremiam levemente.

— *Você disse que queria jogar.*

— *E você disse que queria me entender.* — Murilo pegou o peão preto, rodando-o entre os dedos. — *Vamos ver quem consegue o que quer primeiro.*

O jogo começou em silêncio. Josh se concentrou em cada movimento, mas Murilo jogava como respirava — natural, inevitável. Em dez jogadas, Josh já estava encurralado.

— *Xeque-mate.* — Murilo anunciou, suave, quando capturou a rainha branca de Josh com um bispo.

Josh olhou para o tabuleiro, depois para Murilo.

— *Como você fez isso tão rápido?*

— *Prática, doutor. Muita prática.* — Murilo recostou-se, satisfeito. — *E pessoas como você sempre caem no mesmo erro: focam na rainha e esquecem que o bispo é quem corta pelas diagonais.*

Josh engoliu seco. Aquilo não era só sobre xadrez.

— *Murilo… por que você se entregou para a polícia?*

O silêncio caiu como uma lâmina. Murilo ficou imóvel por um segundo, então sorriu, lento, calculado.

— *Não posso contar… não ainda.* — Seus dedos tamborilaram no braço da poltrona. — *Mas quando for a hora certa, você vai saber.*

Josh quis pressionar, mas algo na expressão de Murilo o fez recuar. Em vez disso, anotou algo em seu bloco, tentando parecer ocupado.

Foi Murilo quem quebrou o silêncio novamente.

— *Eu gosto muito da nossa conversa, doutor Josh.*

Josh olhou para cima, surpreso.

— *Eu percebi. Mas antes disso, você… ‘deixava loucas’ suas psicólogas. Por quê?*

Murilo riu, um som baixo e perigoso.

— *Não gosto delas.*

— *Como você as deixava loucas, então?*

Os olhos de Murilo escureceram, fixos em Josh como facas.

— *É só entrar na mente da pessoa, doutor Josh.* — Ele inclinou-se para frente, a voz caindo para um sussurro. — *A mente é o maior campo de batalha de uma pessoa… contra si mesma.*

Josh sentiu um arrepio percorrer sua espinha. Ele sabia exatamente o que Murilo estava dizendo. *Manipulação.* Pura e simples.

— *E você… está entrando na minha mente agora?*

Murilo recostou-se, o sorriso alargando.

— *Você já me deu todas as peças, doutor. Só estou… jogando.*

O relógio marcou o fim da sessão, mas Josh já sabia: esse jogo não terminaria tão cedo.

E, pior — ele já não sabia mais quem era o verdadeiro jogador.

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