Josh mal havia dormido. Os olhos pesados e a mente ainda rodando com a ligação misteriosa de Murilo. Ele se arrumou mecanicamente – camisa social, calça preta, o jaleco branco que tentava lhe dar uma aura de profissionalismo que ele ainda não sentia.
O prédio do instituto parecia mais sombrio hoje. O corredor longo, as portas fechadas, o silêncio pesado.
— Bom dia, Josh! — A recepcionista sorriu, mas seu olhar era de pena. Todos sabiam com quem ele estava lidando.
— Bom dia, Clara. — Ele retribuiu o sorriso, forçado.
— Coragem hoje, hein? — O segurança, Marcos, cruzou os braços. — O *cara* já chegou faz meia hora. Pediu café e tudo.
Josh engoliu seco.
— Ele tá algemado, pelo menos?
— Nem precisou. Veio todo educado, como se fosse só mais um paciente. — Marcos balançou a cabeça. — Mas você sabe como é. Cuidado, moleque.
Josh assentiu e caminhou até a porta da sala de terapia. Respirou fundo. *Não mostra medo. Mantém o controle.*
Ao abrir a porta, Murilo já estava lá, sentado na poltrona como se fosse dono do lugar. Dessa vez, sem o terno – apenas uma camisa social aberta no colarinho, as mangas arregaçadas, revelando tatuagens discretas que Josh não teve tempo de decifrar.
— *Doutor Josh.* — Murilo sorriu, os olhos escuros brilhando como brasas. — Que bom que você veio.
— Bom dia, Murilo. — Josh fechou a porta e se dirigiu à sua cadeira, tentando manter a postura profissional.
— Bom dia, *senhor* Josh. — O tom era quase provocativo, como se Murilo soubesse exatamente o quanto aquilo perturbava o jovem terapeuta.
Josh abriu o bloco de notas, evitando contato visual prolongado.
— Como você se sente hoje?
— Como todos os dias. — Murilo encostou-se no sofá, relaxado. — *Bem.* Mas quero sair daqui.
— Você vai sair assim que melhorar. — Josh repetiu a linha padrão, mas soou falso até para ele mesmo.
Murilo riu baixinho, como se aquilo fosse uma piada particular.
— *Doutor Josh...* — Ele inclinou-se para frente, os cotovelos apoiados nos joelhos. — Posso fazer uma pergunta?
Josh hesitou. *Não caia nos jogos dele.*
— Claro. Qual é a pergunta?
— Você vai ser meu amigo, né? — A voz de Murilo era doce, quase infantil, mas os olhos eram de um predador.
Josh sentiu um frio na espinha. *Isso é uma armadilha.*
— Sim, claro. — Ele respondeu, automático, antes que seu cérebro pudesse processar o erro.
Murilo riu – uma risada suave, mas que ecoou pela sala como um trovão.
— Ótimo. — Ele recostou-se, satisfeito. — *Porque eu adoro fazer novos amigos.*
Josh olhou para as anotações, mas as palavras borravam-se diante dele. Ele já tinha cometido seu primeiro erro.
E Murilo sabia.
A sessão mal tinha começado, e o jogo já estava perdido.
[24/7 16:08] Belly: **Capítulo 4: O Jogo de Xadrez**
Josh respirou fundo antes de começar a sessão de verdade. Ele precisava manter o controle, não deixar Murilo perceber o quanto ele ainda estava nervoso.
— Bom, vamos começar nossa sessão.
— Claro. — Murilo respondeu, relaxado na cadeira, os olhos fixos em Josh como se estivesse estudando cada movimento seu.
Josh decidiu começar com algo simples, tentando construir algum tipo de rapport.
— Murilo, eu quero saber... o que você gosta de fazer no seu tempo livre?
Murilo não desviou o olhar, mantendo aquele olhar intenso que fazia Josh sentir-se como um rato sendo observado por um gato.
— Eu gosto de... jogos. — Ele respondeu, os lábios curvando-se em um sorriso lento.
— Que tipo de jogos? — Josh perguntou, tentando soar interessado, mas sua voz saiu um pouco mais tensa do que ele gostaria.
— Xadrez. — Murilo inclinou-se um pouco para frente, como se estivesse compartilhando um segredo. — *Adoro* xadrez.
Josh franziu a testa. Xadrez. Um jogo de estratégia, de controle, de prever os movimentos do adversário. Fazia todo sentido.
— Você é bom?
Murilo riu, um som suave e perigosamente encantador.
— *Sou ótimo.*
Josh hesitou por um segundo, mas então teve uma ideia. Se ele conseguisse engajar Murilo em algo que ele gostava, talvez pudesse ganhar sua confiança – ou pelo menos, entender melhor como ele pensava.
— E se eu trouxer um xadrez para jogar com você?
Os olhos de Murilo brilharam, como se Josh tivesse acabado de cair em uma armadilha perfeitamente armada.
— Eu *adoraria* jogar com você, doutor Josh.
Josh anotou algo em seu bloco, tentando disfarçar o frio na espinha. Ele não sabia se aquilo era uma boa ideia, mas agora não havia volta.
— Certo. Na próxima sessão, então.
Murilo sorriu, mostrando os dentes brancos e perfeitos.
— Mal posso esperar.
O silêncio que se seguiu foi carregado, como se o ar entre eles estivesse eletricamente carregado. Josh limpou a garganta, tentando retomar o controle da sessão.
— Enquanto isso, vamos falar sobre...
Mas Murilo interrompeu-o, inclinando-se ainda mais para frente, a voz baixa e íntima.
— Você sabe, doutor Josh... no xadrez, eu sempre jogo para ganhar. Sempre.
Josh sentiu um arrepio percorrer sua coluna.
— Isso é... bom. É importante ter objetivos.
Murilo riu novamente, como se Josh tivesse dito algo engraçado.
— *Exatamente.*
Josh percebeu, então, que ele não estava apenas lidando com um paciente perigoso.
Ele estava sentado à frente de um jogador de xadrez.
E ele, Josh, era apenas mais uma peça no tabuleiro
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