Josh manteve a expressão neutra enquanto anotava a resposta de Murilo. *Carros.* Um hobby comum, mas naquele contexto, parecia mais uma peça do quebra-cabeça que era a mente do mafioso.
— Que tipo de carros você gosta? — perguntou Josh, mantendo o tom casual enquanto observava Murilo de soslaio.
Murilo esticou os braços sobre o sofá, como um gato satisfeito.
— Os velozes. Os perigosos. — Seus dedos tamborilaram levemente no braço do móvel. — Ferraris, Lamborghinis... mas meu verdadeiro amor é um clássico: o Alfa Romeo 33 Stradale.
Josh anotou *"fascínio por velocidade/risco"* em seu bloco.
— Você dirige muito?
Os olhos de Murilo escureceram por um instante.
— Costumava. — Ele sorriu, mas agora havia algo afiado por trás da expressão. — Até meus... *hobbies*... se tornarem um problema para as autoridades.
Josh sentiu o ar ficar mais pesado. Ele precisava mudar de assunto antes que a conversa derivasse para território perigoso.
— E mecânica? Gosta de trabalhar em carros?
Para sua surpresa, Murilo riu — uma risada genuína que fez Josh piscar, desconcertado.
— Querido doutor, você acha que eu sujaria essas mãos? — Ele ergueu as mãos, dedos longos e impecáveis. — Tenho pessoas para isso. Muitas pessoas.
O silêncio que se seguiu foi cortante. Josh percebeu que havia tropeçado em outro aspecto do mundo de Murilo — um mundo onde ordens eram dadas e outras pessoas as cumpriam, não importasse o custo.
— Entendo — murmurou Josh, limpando a garganta. — E quando você—
— Você tem carteira, doutor Josh? — Murilo interrompeu, inclinando-se para frente com interesse repentino.
— Eu... tenho. Por quê?
Os olhos de Murilo brilharam com uma ideia perigosa.
— Quando eu sair daqui — *não "se", Josh notou, mas "quando"* — devemos dar um passeio. Tenho um Porsche 911 GT3 RS guardado que faria você chorar.
Josh forçou um sorriso.
— Acho que isso violaria algumas regras éticas.
Murilo fez um gesto desdenhoso.
— Regras. — A palavra saiu como um insulto. — Você vai aprender, doutor, que algumas coisas valem mais que regras.
O relógio na parede marcou o fim da sessão. Josh nunca havia sentido tanto alívio ao ouvir um simples tique-taque.
— Por hoje é tudo, Murilo. Amanhã continuamos.
Murilo levantou-se com a graça de um grande felino.
— Até amanhã, então. — Na porta, ele se virou. — Oh, e doutor?
— Sim?
— Não esqueça nosso xadrez. Estou ansioso para ver... como você joga.
Quando a porta se fechou, Josh soltou o ar que nem sabia estar prendendo. Ele olhou para suas anotações — *carros, velocidade, poder, desafio a regras* — e então para a bolsa onde guardaria o jogo de xadrez.
Pela primeira vez, Josh se perguntou se ele era o terapeuta... ou apenas mais um brinquedo novo na coleção de Murilo.
[24/7 16:08] Belly: **Capítulo 6: A Rosa e o Xeque-Mate**
Josh saiu do consultório com um sorriso forjado nos lábios. Seu supervisor, Dr. Álvaro, o esperava no corredor, os olhos cheios de preocupação.
— *Então, como está sendo o segundo dia com o nosso "paciente especial"?* — perguntou, cruzando os braços.
Josh ajustou a pasta debaixo do braço e mentiu sem hesitar:
— *Tá sendo ótimo, até agora. Ele é... cooperativo.*
O Dr. Álvaro ergueu uma sobrancelha, claramente cético.
— *Sério? Murilo Vitelli, cooperativo?* — Ele soltou uma risada seca. — *Cuidado, Josh. Cobras também são "cooperativas" até morderem.*
Josh acenou com a cabeça, evitando o olhar penetrante do chefe.
— *Eu sei. Tô tomando cuidado.*
Mal podia esperar para sair dali.
---
A loja de jogos era pequena, acolhedora, cheia de tabuleiros e miniaturas. O cheiro de madeira envernizada e plástico novo enchia o ar. O atendente, um homem jovem com óculos grossos, cumprimentou Josh com um aceno.
— *Precisa de algo específico?*
Josh olhou ao redor antes de responder.
— *Um jogo de xadrez. Bom, resistente.*
O atendente sorriu.
— *Ah, um clássico. Temos esse aqui em ébano e mogno. As peças são pesadas, bem feitas...*
Josh tocou o cavalo de xadrez, sentindo o peso sólido na palma da mão. *Perfeito.*
— *Vou levar.*
A caminho de casa, Josh não conseguia parar de pensar em Murilo. Aquele sorriso afiado, os olhos que pareciam ver tudo. *Por que ele está tão interessado em mim?*
Quando chegou ao seu apartamento, algo estava errado.
A porta estava ligeiramente entreaberta.
Josh congelou. *Eu tranquei. Tenho certeza que tranquei.*
Com o coração batendo forte, ele empurrou a porta devagar, o jogo de xadrez apertado contra o peito como um escudo improvisado.
O apartamento estava silencioso. Nada parecia fora do lugar.
Até que ele entrou no quarto.
Sobre sua cama, solitária, repousava uma **rosa vermelha**.
Josh aproximou-se lentamente, como se a flor pudesse explodir. Era fresca, as pétalas aveludadas ainda úmidas de orvalho. Ele a pegou, sentindo o aroma doce e pesado.
*Como isso foi parar aqui?*
O telefone vibrou no bolso, fazendo Josh pular. Era Lucas, seu amigo da faculdade.
— *E aí, terapeuta dos loucos! Como tá a carreira?* — Lucas riu do outro lado da linha.
Josh olhou para a rosa, depois para a porta, imaginando se alguém ainda estava lá fora.
— *Tá... complicado.*
— *Ah, cara, relaxa! Você tá começando agora, é normal se sentir perdido.*
Josh engoliu seco.
— *Lucas... se eu sumir algum dia, investiga o paciente que eu tô tratando, tá?*
Risada incrédula.
— *Tá assistindo muito *Silence of the Lambs**, hein?*
Josh não respondeu. Seus olhos estavam fixos na pétala que caíra na cama, vermelha como sangue.
E então, um barulho.
*Alguém respirando do outro lado da porta.*
— *Lucas, eu te ligo depois.*
Desligou.
O apartamento estava em silêncio novamente.
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