Capítulo 5 – A Voz Esquecida

A Cidade dos Sussurros não era uma cidade de verdade.

Kaela esperava muros altos, torres de pedra, multidões. Mas quando atravessaram o arco de entrada, o que encontraram foi uma vila silenciosa, feita de construções curvadas pelo tempo. As paredes de barro seco e pedra preta estavam cobertas por heras e líquens, e os telhados, despedaçados, eram engolidos pela vegetação. Nenhuma voz. Nenhuma presença. Apenas o som do vento cruzando os corredores vazios.

— Não há ninguém — sussurrou Kaela, instintivamente.

Maire apenas assentiu, como se esperasse por aquilo.

— Os Sussurros não são de carne. São de memória.

Kaela franziu a testa.

— O que isso significa?

— Esta cidade foi construída pelas Vozes da Chama, uma antiga linhagem de mulheres que guardavam os segredos do trovão com canções. Elas podiam lembrar o que nunca viveram. Repetiam palavras esquecidas, ecoando vozes que o império tentou apagar. Mas quando a Ordem os encontrou... calaram-nas todas.

Kaela engoliu em seco, sentindo uma pressão no peito. Era como se a cidade respirasse — mas sem pulmões.

Seguiram até o centro, onde uma estrutura de pedra com colunas partidas ainda resistia. Era circular, semelhante ao altar nas Colinas do Vento, mas mais profundo, como se descesse até o coração da terra.

No centro, havia uma fenda aberta. Estreita, escura. E dentro dela... um sussurro.

Literalmente.

Kaela se aproximou e ouviu.

Uma voz.

Feminina.

Baixinha.

“Ela voltará. Quando a luz acender nas mãos. Quando a espiral for vista três vezes. Quando o trovão falar por dentro.”

Kaela recuou, olhos arregalados.

— Você ouviu?

Maire assentiu, mas sua expressão era grave.

— A cidade sussurra para as suas. Mas nem todas estão prontas para escutar.

— O que significa "três vezes"?

— Três sinais. Três marcas. Três herdeiras.

Kaela ficou imóvel. No peito, o calor aumentava. Como se o símbolo espiral ardesse com nova urgência.

— Já são três, não é? — perguntou ela.

Maire levou a mão ao próprio peito e fechou os olhos.

— Sim. Aurenya. Você. E outra. Em algum lugar. O selo se abriu.

Ao redor da fenda havia inscrições entalhadas. Kaela ajoelhou-se para tocá-las. Pareciam comuns à primeira vista, mas quando seus dedos seguiram o traço do espiral esculpido na pedra, algo vibrou.

Uma onda de energia a atingiu como um raio invisível.

Seus olhos se fecharam à força. As imagens vieram como visões.

Ela viu uma mulher com a pele como bronze polido, cabelos crespos presos por fios dourados, dançando em meio a um campo de tempestade. Raios giravam ao redor dela como serpentes celestes.

Ela viu sete tronos em ruínas, cada um com uma marca diferente: fogo, mar, pedra, sombra, ar, raiz… e trovão.

Ela viu espelhos partidos. E ela mesma refletida em todos eles.

Kaela gritou.

Quando abriu os olhos, estava deitada no chão, e Maire a segurava pelos ombros.

— Está tudo bem — disse a guardiã. — Você tocou a pedra das Memórias.

Kaela levou a mão à cabeça. Ainda sentia as vozes rodando dentro do crânio.

— O que foi aquilo?

— Um eco. Um fragmento. Você viu parte do que foi esquecido. O que está selado em você tenta se lembrar.

— E os tronos?

Maire ficou em silêncio por longos segundos antes de responder:

— O trovão era um dos sete elementos. Cada trono representava um. Mas o das mulheres era o único que não podia ser manipulado por palavras. Ele só respondia à verdade.

— À verdade?

— Sim. Por isso os Patriarcas temem vocês. Porque o trovão fala com quem é inteiro. E esse império foi construído sobre mentiras.

Quando voltaram à superfície, Kaela notou algo estranho: marcas no chão. Pegadas. Recentes.

Maire também viu.

— Estamos sendo seguidas.

Kaela virou-se depressa.

— Eles?

— Sim. Os Caçadores de Silêncio.

Maire agarrou o pulso de Kaela e começou a correr entre as construções abandonadas. O som de botas pesadas começou a ecoar pelas vielas — primeiro longe, depois mais perto.

Kaela tropeçou, mas Maire a puxou.

— Não pare. Não aqui.

— A fenda! Podemos nos esconder lá!

Maire hesitou.

— A cidade protege, mas também testa. Se entrar de novo, pode não sair.

Kaela encarou a escuridão da fenda.

— Eles vão nos matar.

Maire não respondeu. E saltou.

Kaela foi logo atrás.

A queda foi curta, mas a escuridão absoluta. Quando Kaela caiu, rolou sobre o chão de pedra. O ar cheirava a terra antiga, a madeira queimada, a metal antigo. Pequenos brilhos flutuavam como vaga-lumes azulados.

— Onde estamos?

Maire se levantou.

— Na Cripta das Vozes. A última morada das mulheres que sussurravam. Aqui... talvez encontremos mais do que fuga. Talvez encontremos uma lembrança.

No fundo da cripta, algo cintilava. Um pedestal com uma esfera de vidro rachada, envolta por fios de prata viva.

Kaela se aproximou.

No instante em que seus dedos tocaram a esfera, o trovão rugiu do lado de fora — mesmo sem nuvem no céu.

Dentro da esfera, uma imagem: o rosto de uma jovem que ela nunca vira, mas reconheceu. Aurenya.

A esfera pulsou, e a imagem sumiu. No lugar, surgiu uma mão — a mesma que aparecera nas visões anteriores — com um bracelete dourado com três espirais entrelaçados.

E então, a esfera se desfez em luz.

Kaela ficou em silêncio.

— O que era isso? — murmurou.

Maire, com os olhos arregalados, respondeu num fio de voz:

— Um eco da Rainha Original. A esfera registrou a próxima herdeira. Isso é um chamado. Ela está pronta para ser encontrada.

Kaela olhou para a fenda acima. Os sons dos Caçadores pareciam mais distantes agora. Como se a própria cidade estivesse escondendo-as.

Ela respirou fundo.

— Então vamos atrás dela.

Maire sorriu.

— Agora sim. A tempestade está começando.

Capítulos
1 Capítulo 1 – A Serva da Tempestade
2 Capítulo 2 – As Correntes Invisíveis
3 Capítulo 3 – A Que Dança com Raios
4 Capítulo 4 – Ecos da Tempestade
5 Capítulo 5 – A Voz Esquecida
6 Capítulo 6 – Vozes Sob a Tempestade
7 Capítulo 7 – O Guardião de Pedra
8 Capítulo 8 – A Canção do Vento Antigo
9 Capítulo 9 – O Nome que Estava Esquecido
10 Capítulo 10 – O Espelho e o Sangue
11 Capítulo 11 – Os Lacradores
12 Capítulo 12 – Vozes Queimam Mais que Fogo
13 Capítulo 13 – O Homem que Escreveu o Trovão
14 Capítulo 14 – Ecos na Prisão do Sal
15 Capítulo 15 – A Cidade Que Flutua no Esquecimento
16 Capítulo 16 – Vozes de Sangue e Relâmpago
17 Capítulo 17 – O Templo da Memória e o Chamado do Relâmpago
18 Capítulo 18 – O Mapa Sob a Pele
19 Capítulo 19 – Onde o Tempo Sangra
20 Capítulo 20 – Vozes na Tempestade
21 Capítulo 21 – Ecos da Rebelião
22 Capítulo 22 – O Refúgio dos Círculos Livres
23 Capítulo 23 – O Peso do Relâmpago
24 Capítulo 24 – O Conselho de Ferro e Céu
25 Capítulo 25 – Sussurros de Ferro
26 Capítulo 26 – Estrada de Cinzas
27 Capítulo 27 – Os Túneis da Serpente
28 Capítulo 28 – O Despertar da Serpente
29 Capítulo 29 – As Sombras de Aurenhall
30 Capítulo 30 – Nas Forjas de Ferro
31 Capítulo 31 – As Garras da Armadilha
32 Capítulo 32 – Vozes contra o Trovão
33 Capítulo 33 – O Dia da Tempestade
34 Capítulo 34 – O Coração da Tempestade
35 Capítulo 35 – As Cinzas do Palácio
36 Capítulo 36 – O Sussurro das Chamas
37 Capítulo 37 – A Primeira Tempestade
38 Capítulo 38 – O Eco da Revolta
39 Capítulo 39 – A Noite das Forcas
40 Capítulo 40 – O Primeiro Raio da Revolta
41 Capítulo 41 – O Conselho da Tempestade
42 Capítulo 42 – As Sombras se Movem
43 Capítulo 43 – As Garras do Império
44 Capítulo 44 – O Eco da Tempestade
45 Capítulo 45 – O Peso das Escolhas
46 Capítulo 46 – O Rugido do Trono
47 Capítulo 47 – O Sussurro Antes da Tempestade
48 Capítulo 48 – O Cerco das Águas
49 Capítulo 49 – A Noite dos Sussurros
50 Capítulo 50 – O Fôlego do Relâmpago
51 Capítulo 51 – Ecos da Tempestade
52 Capítulo 52 – O Navio Negro
53 Capítulo 53 – A Lança e o Trovão
54 Capítulo 54 – A Cidade que Desperta
55 Capítulo 55 – O Chamado da Tempestade
56 Capítulo 56 – O Silêncio Antes da Tempestade
57 Capítulo 57 – A Marcha do Trovão
58 Capítulo 58 – O Rugido da Tempestade
59 Epílogo – Depois da Tempestade
Capítulos

Atualizado até capítulo 59

1
Capítulo 1 – A Serva da Tempestade
2
Capítulo 2 – As Correntes Invisíveis
3
Capítulo 3 – A Que Dança com Raios
4
Capítulo 4 – Ecos da Tempestade
5
Capítulo 5 – A Voz Esquecida
6
Capítulo 6 – Vozes Sob a Tempestade
7
Capítulo 7 – O Guardião de Pedra
8
Capítulo 8 – A Canção do Vento Antigo
9
Capítulo 9 – O Nome que Estava Esquecido
10
Capítulo 10 – O Espelho e o Sangue
11
Capítulo 11 – Os Lacradores
12
Capítulo 12 – Vozes Queimam Mais que Fogo
13
Capítulo 13 – O Homem que Escreveu o Trovão
14
Capítulo 14 – Ecos na Prisão do Sal
15
Capítulo 15 – A Cidade Que Flutua no Esquecimento
16
Capítulo 16 – Vozes de Sangue e Relâmpago
17
Capítulo 17 – O Templo da Memória e o Chamado do Relâmpago
18
Capítulo 18 – O Mapa Sob a Pele
19
Capítulo 19 – Onde o Tempo Sangra
20
Capítulo 20 – Vozes na Tempestade
21
Capítulo 21 – Ecos da Rebelião
22
Capítulo 22 – O Refúgio dos Círculos Livres
23
Capítulo 23 – O Peso do Relâmpago
24
Capítulo 24 – O Conselho de Ferro e Céu
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Capítulo 25 – Sussurros de Ferro
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Capítulo 26 – Estrada de Cinzas
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Capítulo 27 – Os Túneis da Serpente
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Capítulo 29 – As Sombras de Aurenhall
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Capítulo 30 – Nas Forjas de Ferro
31
Capítulo 31 – As Garras da Armadilha
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Capítulo 32 – Vozes contra o Trovão
33
Capítulo 33 – O Dia da Tempestade
34
Capítulo 34 – O Coração da Tempestade
35
Capítulo 35 – As Cinzas do Palácio
36
Capítulo 36 – O Sussurro das Chamas
37
Capítulo 37 – A Primeira Tempestade
38
Capítulo 38 – O Eco da Revolta
39
Capítulo 39 – A Noite das Forcas
40
Capítulo 40 – O Primeiro Raio da Revolta
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Capítulo 41 – O Conselho da Tempestade
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Capítulo 42 – As Sombras se Movem
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Capítulo 43 – As Garras do Império
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Capítulo 44 – O Eco da Tempestade
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Capítulo 45 – O Peso das Escolhas
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Capítulo 46 – O Rugido do Trono
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Capítulo 47 – O Sussurro Antes da Tempestade
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Capítulo 48 – O Cerco das Águas
49
Capítulo 49 – A Noite dos Sussurros
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Capítulo 50 – O Fôlego do Relâmpago
51
Capítulo 51 – Ecos da Tempestade
52
Capítulo 52 – O Navio Negro
53
Capítulo 53 – A Lança e o Trovão
54
Capítulo 54 – A Cidade que Desperta
55
Capítulo 55 – O Chamado da Tempestade
56
Capítulo 56 – O Silêncio Antes da Tempestade
57
Capítulo 57 – A Marcha do Trovão
58
Capítulo 58 – O Rugido da Tempestade
59
Epílogo – Depois da Tempestade

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