A floresta de Nareth se estendia como um mar de sombras diante de Kaela. O caminho era irregular, repleto de raízes grossas e folhas úmidas, mas a mulher ao seu lado avançava como se conhecesse cada pedra, cada árvore.
— Me chamo Maire — disse ela, ao passo que o céu clareava atrás delas. — E você deve aprender rápido. Não temos o luxo da lentidão.
Kaela, ainda com a respiração cortada da corrida, lutava para acompanhar. As palavras de Maire pesavam. Rainhas. Linhagem. Caçada. Herdeiras. Tudo parecia fantasia arrancada das histórias proibidas que ouvia escondida, quando os outros servos dormiam e as velhas cochichavam memórias de um tempo em que mulheres reinavam ao som do trovão.
Mas agora, não era história.
Era ela.
— O que sou? — perguntou Kaela, enfim, a voz baixa como um segredo.
Maire não parou de caminhar.
— Você é uma Filha do Trovão. Uma herdeira direta da Primeira Rainha. O sangue corre em você, adormecido por gerações. E agora, despertou.
— Mas... eu não sou nada. Fui criada como serva. Eu nem tenho um nome completo.
Maire parou. Virou-se com olhos firmes e gentis.
— O trovão não escolhe pelos nomes que te deram. Ele escolhe pela alma. E a sua foi feita para romper o céu.
Kaela não respondeu. Mas dentro dela, algo concordava.
Em outro canto do império, muito acima da floresta de Nareth, os corredores da Torre de Astrel, a sede imperial, vibravam com outra energia.
— Há relatos no templo de Nyros. Uma manifestação. — A voz do conselheiro Arik era tensa. Ele segurava um pergaminho selado com cera negra e uma runa trincada — sinal de que a mensagem fora enviada com urgência.
No salão das runas, o Alto Patriarca Daeron se manteve em silêncio por longos segundos. Seus olhos — frios como metal polido — repousavam sobre o mapa do império. Cada região marcada com um símbolo. Cada província sob controle. A ordem era o seu império. E qualquer rachadura devia ser esmagada.
— Uma mulher? — perguntou por fim.
— Sim. Jovem. Nenhuma família identificada. Mas os relatos falam de luz nos olhos. Relâmpagos nas mãos. O mesmo símbolo... o espiral.
O som que Daeron fez era entre um suspiro e um grunhido.
— Então não erramos. A linhagem sobreviveu. O selo se rompeu.
— Devo reunir os Caçadores de Silêncio?
Daeron assentiu lentamente.
— Todos.
Arik engoliu seco.
— Todos?
— Cada uma dessas meninas deve ser encontrada antes que saibam quem são. Antes que se unam. Uma pode ser contida. Mas juntas... — Seus olhos fitaram uma tapeçaria antiga: uma mulher de braços abertos sob uma tempestade. — Juntas, elas quebram o império.
Enquanto isso, Maire e Kaela se abrigavam sob um penhasco natural coberto por samambaias densas. Um pequeno fogo crepitava, e Maire tirava pão seco e folhas de chá de um alforje de couro envelhecido.
— Existem outras como eu? — Kaela perguntou, mãos espalmadas sobre os joelhos.
— Sim. Escondidas. Disfarçadas. Algumas nem sabem o que são. Mas o selo se partiu quando você despertou. Isso significa que todas podem sentir agora. E se uma começa... as outras vão seguir.
— E o que acontece se os Patriarcas as encontrarem primeiro?
Maire olhou o fogo.
— Eles as matarão. Como fizeram com nossas mães. Como fizeram com as que vieram antes delas. Queimaram livros. Reescreveram lendas. Transformaram poder em pecado.
— E por que tanto medo de nós?
— Porque não podem nos controlar.
Silêncio.
Kaela encostou-se a uma raiz exposta, os pensamentos em turbilhão. A dor nos pés, o medo da caçada, as palavras duras da matriarca Sira. Tudo agora parecia pequeno diante do que se abria à frente. Uma verdade muito maior do que o templo permitia sonhar.
Ela fechou os olhos. Sentiu o eco do trovão dentro do peito. Pulsando. Esperando.
Quando os abriu, fitou Maire com firmeza.
— Onde estão as outras?
Maire sorriu.
— Agora você está pronta.
Na Torre de Astrel, o Alto Patriarca Daeron aproximou-se da tapeçaria ancestral. Passou os dedos sobre o tecido onde uma mulher com olhos de raio erguia os braços para o céu.
— O trovão voltou a falar — murmurou.
E pela primeira vez em décadas, ele sentiu medo.
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Atualizado até capítulo 59
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