Na vila de Vayenn, o céu parecia sempre um pouco mais azul. Distante dos centros imperiais, entre colinas suaves e campos de lavanda, o mundo parecia viver adormecido, alheio às guerras do passado e aos segredos que o império enterrava sob seus monumentos de pedra.
Era o fim da tarde, e Aurenya, filha de ferreiros e dona de uma risada escandalosa, caminhava sozinha pela encosta, colhendo galhos secos para o fogo da forja. A saia amarrada na cintura, os pés descalços, o rosto manchado de fuligem. Não se importava. Nunca fora como as outras garotas do povoado.
Desde pequena, ouvia os trovões como música.
— O som que os deuses fazem quando estão impacientes — dizia sua avó, entre uma gargalhada e outra.
Mas a avó morrera há dois invernos. E com ela, as histórias também se calaram.
Aurenya ajoelhou-se para pegar um ramo mais grosso, e quando o fez, sentiu a pontada: uma agulha de dor elétrica que percorreu seus dedos até o ombro. Gritou e recuou, soltando os galhos.
— Mas o quê…?
As mãos estavam formigando. Uma vibração quente percorreu seus braços. O vento ao redor pareceu mudar de direção, girando em torno dela como uma dança invisível.
O céu clareou.
Não com o sol, mas com um raio — que desceu, sem trovão, e atingiu o solo a poucos metros dela.
Aurenya ficou paralisada. O raio havia riscado o chão como um dedo traçando um símbolo.
Um espiral.
No alto da colina, dois homens de capas pretas observavam.
— É ela — disse um, com voz sem emoção.
— O selo está se rompendo mais rápido do que o previsto. Essa é a terceira em dois dias.
— O que faremos?
— O que sempre fazemos. Antes que ela compreenda o que é.
Os Caçadores de Silêncio se moviam como sombras. Os olhos ocultos, as espadas leves. Servos diretos do Trono. Nascidos para apagar rastros.
Aurenya corria de volta para a vila. Não sabia o que tinha acontecido, mas o raio… ele a chamara. Sentira isso. Como um sussurro antigo dentro de sua alma.
— Vó… — murmurou, quase sem fôlego. — Era isso que você queria dizer, não era?
Ao entrar no vilarejo, os olhares recaíram sobre ela.
— Aurenya? O que houve? — chamou o ferreiro Harvon, largando o martelo.
Ela hesitou. Todos a olhavam. Havia medo em seus olhos. Como se soubessem. Como se o céu tivesse contado.
— Nada — respondeu. — Eu só… caí.
Mas sua pele ainda tremia com faíscas. E quando tocou o chão da forja, ele vibrou sob seus pés.
Do outro lado do continente, Kaela acordava com um sobressalto.
— O que foi isso? — sussurrou, sentando-se.
Maire, já desperta ao lado da fogueira, apenas olhou para o céu, agora limpo, estrelado.
— Uma das suas irmãs sentiu o chamado — disse. — É assim que começa.
Kaela levou a mão ao peito. O espiral que antes só ardia agora pulsava, como um selo sendo quebrado do outro lado do mundo.
Ela não conhecia Aurenya.
Mas seu poder chamava.
Na vila de Vayenn, Aurenya se trancava no sótão da forja, as mãos ainda brilhando sob a luz do luar.
E enquanto os Caçadores se aproximavam pela escuridão, ela desenhava no chão — sem saber por que — o símbolo do trovão.
E pela primeira vez, quando a próxima rajada de vento soprou a janela… ela sorriu.
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Atualizado até capítulo 59
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