A mansão nunca estivera tão viva.
Os corredores antes silenciosos agora vibravam com os passos de empregados apressados, garçons impecavelmente alinhados carregando bandejas de prata, e músicos afinando instrumentos no salão principal. Lustres de cristal lançavam reflexos dourados nas paredes — uma cena saída de um baile aristocrático italiano.
Mas Lúcia, isolada em seu quarto no andar de cima, observava tudo pela janela com o mesmo olhar de quem presencia a montagem de uma peça da qual não conhece o roteiro.
Sobre a cama, um vestido foi deixado — longo, de seda escura, cor vinho profundo, com detalhes bordados à mão. Caro. Elegante. Quase imperial. Mas, ao mesmo tempo, não muito chamativo, a beleza estava justamente em ser refinado com leveza.
— Isso é... diferente do que estou acostumada. — murmurou.
— Ordens do Don — disse a empregada mais velha, atrás dela. — Ele quer que você esteja impecável hoje. Como... mulher.
Lúcia se virou lentamente para a empregada.
— Como mulher?
A senhora não explicou. Apenas saiu, deixando o quarto tão silencioso quanto a dúvida que agora crescia dentro dela. Era sempre assim, ninguém se dava o trabalho de explicar nada.
[...]
Horas depois, ao descer as escadas, ainda no início do evento, todos os olhares se voltaram para ela, por mais que poucos estivesses presentes ainda.
As filhas de Don Emiliano, Eleonora e Bianca, morenas, exuberantes e acostumadas a serem o centro das atenções, tentaram disfarçar o incômodo ao vê-la. Vestiam-se como celebridades, mas nem o brilho de seus vestidos superava a presença de Lúcia. Era algo mais profundo. Ela não precisava tentar. Era o contraste entre o ouro falso e a joia rara.
Cabelos ruivos caíam em ondas sutis, presos apenas por um broche antigo que ela mesma escolheu. Os olhos verdes realçavam sob a luz dos lustres, intensos, atentos. A pele, clara parecia ainda mais alva sob o tecido escuro. Traços angelicais demais para aquele mundo.
Ela avistou Matteo, de longe, caminhando em direção da escadaria, para espera-la. O terno cinza-escuro realçava os ombros largos, os cabelos castanhos estavam penteados com naturalidade. Os olhos dele, naquele momento, só viam uma coisa: ela.
— Você está... — ele hesitou, sem palavras, quando se aproximou.
— Não diga “linda” — ela sorriu, meio cínica. — Já ouvi isso da cozinheira três vezes hoje.
— Não — ele respondeu, com sinceridade. — Você está... Você é real?.
Ela arqueou a sobrancelha, mas sorriu.
— Inventou esse elogio?
Matteo tentou sorrir, mas parecia hipnotizado.
— Foi mal, eu havia ensaiado na frente do espelho.
Ele ofereceu o braço. Ela aceitou sorrindo. Ou pelo menos tentando. Lúcia sabia que algo iria acontecer.
— Está estranho — sussurrou.
— O quê?
— Essa festa. O Don sorrindo. Você me esperando na escada. Eu... sendo convidada para uma festa da família.
Matteo apertou levemente o braço dela.
— Fiquei sabendo pelo meu pai que Emilliano tem um convidado especial hoje.
Lúcia parou e olhou para Matteo.
— Convidado especial? Quem seria?
— Não faço a mínima ideia.
Mas Lúcia, no entanto, teve por segundos uma vaga lembrança de três anos atrás, quando ouvirá pela fresta de uma janela, o Don falando sobre um "Russo". Não sabia porque seus pensamentos foram direcionados a essa lembrança, mas considerando tudo que tem acontecido nesses últimos dias, ela não tem dúvida de nada que venha de um homem como Emiliano.
[...]
A festa seguia com música, vinho caro, risos falsos e brindes calculados. Empresários, políticos, homens de terno escuro e rostos impenetráveis enchiam o salão. Lúcia percebia os olhares, os sussurros, o peso dos olhos de Don Emiliano, que a observava com a calma de quem arma xadrez em silêncio.
Foi quando o murmúrio no salão cresceu.
Os músicos pararam. Os olhares se voltaram para a entrada principal.
Um homem alto cruzou a porta, envolto em um sobretudo preto, acompanhado por dois seguranças discretos. Rosto de mármore, expressão firme. Olhos como gelo e presença como aço. Ninguém precisou anunciá-lo — mas anunciaram, por protocolo.
— Senhor Viktor Orlov — declarou um Governador que estava na entrada, sorrindo de orelha a orelha . — Convidado principal desta noite.
Lúcia gelou.
Não sabia quem ele era.
Mas sabia — no fundo do instinto que sempre lhe salvara — que aquele nome e aquele homem mudariam tudo.
Don Emiliano se levantou, sorrindo como um rei que finalmente vê sua jogada dar certo.
E Lúcia, em silêncio, entendeu:
a festa não era para ela — era sobre ela.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 24
Comments