O pedido negado

...Dias atuais...

...Mansão Emiliano — Toscana, Itália...

Os dias na mansão começavam cedo, mas para Lúcia, nunca acabavam.

Ela sempre acordava antes das outras meninas. O chão de mármore gelado era a pronta coisa que seus pés tocavam assim que descia da cama. Não havia empregados designados para ela — Pelo menos não tanto quanto para Emiliano e suas filhas.

Enquanto Eleonora e Bianca, filhas legítimas de Don Emiliano, tomavam café em porcelanas pintadas à mão, na sala própria para refeições. Lúcia comia em pé, na cozinha, com os funcionários. Não que essa fosse uma exigência de Emiliano, Lúcia tinha acesso livre à propriedade, mas não é porquê ela podia, que devia.

A menina sabia que não era bem vinda pelas filhas legítimas, ela sentia nas provocações, nos olhares, nas risadinhas sinicas e em todas as tentativas de Eleonora e Bianca em colocar ela numa situação vergonhosa ou problemática. Diferente dos funcionários da casa. Nenhum deles ousava tratá-la mal, mas também não se aproximavam. Sabiam que ela era propriedade de Emiliano. Uma peça silenciosa do seu jogo, algo que não podia ser tocado e, que ir contra as ordens do patriarca era o mesmo que posicionar uma guilhotina no próprio pescoço.

Lúcia não pedia nada, aprendeu da pior forma que não tinha esse direito. Em troca, ela observava. Aprendia como a roda girava, evitando problemas que colocassem em risco a sua vida.

Quando ninguém via, ela entrava na biblioteca e lia os livros que ninguém tocava. História de acordos criminosos que moldaram a história da Itália, códigos cifrados, italiano jurídico, mas, claro, como uma jovem na flor da idade, não podia deixar de ler os seus prediletos, fantasias e ficções. Aprendeu a escutar e calar. A memorizar detalhes que pareciam insignificantes.

— Você nunca pergunta nada — comentou certa vez um dos capangas de Emiliano, meio embriagado quando Lúcia tinha apenas 12 anos e fora obrigada a ficar sentada nos fundos do grande salão durante a festa de aniversário inteira de Bianca. — Criança estranha.

Ela apenas sorriu. Aquele sorriso enigmático e doce que todos confundiam com submissão. Mas não era.

Lúcia estudava os passos de cada membro da casa como se estivesse montando um quebra-cabeça. Sabia onde Emiliano escondia os documentos de negócios com a máfia —nem mesmo as filhas de Emiliano se importavam em saber disso. Sabia qual empregado se encontrava às escondidas com a governanta Constanza e que ela também mantinha uma relação de sexo casual com Emiliano. Sabia que o segurança da ala leste dormia em serviço às quartas-feiras exatamente no horário das dezoito horas.

Sabia mais do que deixava transparecer.

E escondia mais do que qualquer um poderia imaginar.

À noite, enquanto as filhas do Emiliano iam a festas escoltadas, Lúcia vagava pelos corredores com a leveza de uma sombra, era um dos raros momentos em que ela andava pela casa sem ter que suportar a presença das duas garotas. Colecionava segredos como quem coleciona joias.

Todavia, mesmo com todo esse esforço e tendo conhecimento até de quantos buracos haviam nas paredes mansão, Lúcia não sabia da informação que mais lhe era preciosa: sua família, de onde ela veio e porquê. Quem são seus pais e se é que estão vivos, porque a deixaram crescer em um lar alheio. Saber com quem Eleonora foge todas as noites, pulando pelos muros para fora, não era útil para Lúcia, apesar de que facilmente, essa informação seria interessante para Emiliano.

Naquela casa, Lúcia era subestimada por todos. Até mesmo por Emiliano, que via nela apenas um investimento a longo prazo.

No entanto, para ela, era vantajoso até certo ponto. Se eles não sabem do que ela é capaz, significa que ela não é o alvo principal deles. Era melhor e mais fácil apenas fingir. Mas no momento, agora que estava prestes a completar 20 anos, a jovem estava farta, por mais que não gostasse de admitir para si mesma, havia exaurido a sua saúde mental naquela casa. Precisava de mais.

Mesmo sabendo de Emiliano tinha planos futuros para ela, não suportava mais ver as mesmas paredes, as mesmas pessoas, as colinas que se estendiam ao norte, da qual ela foi permitida ir uma única vez, e inúmeras situações que faziam parte de sua rotina demasiadamente repetitiva.

Ela precisa tentar. Estava disposta a pedir pela primeira vez na vida algo a Emiliano.

O som dos passos de Lúcia ecoava pelos corredores de mármore como um relógio de tortura. Cada batida, um lembrete de que ela ganharia um não, mas não era só isso que ela buscava.

Diminuiu a velocidade quando notou que já estava no corredor do escritório do patriarca. E, ao bater com dois toques cronometrados, ouviu um "Entra" vindo do lado de dentro. Assim o fez.

Ele nem sequer se deu ao trabalho de olhá-la, apenas continuo o que já estava fazendo.

O cheiro do charuto ainda pairava no ar, misturado ao couro velho da poltrona e ao silêncio espesso da sala. Lúcia estava de pé, mãos unidas à frente do corpo, esperando o momento certo para falar. Emiliano escrevia algo com calma excessiva, apenas para deixá-la impaciente.

Ela respirou fundo.

— Don... — começou, com a voz firme. Don, era um tratamento simbólico, é assim que todos na casa o devem chamar, com excesso de suas filhas, que o chamam de "pai", mas apenas quando querem algo em troca. — Eu gostaria de conversar sobre... meu futuro.

Emiliano levantou os olhos, as sobrancelhas arqueadas, como se aquilo fosse uma surpresa absurda.

— Futuro? — ele repetiu, entre dentes. — E o que exatamente te preocupa, Lúcia?

Ela se aproximou com cautela, como se atravessasse um campo minado — E, na verdade, era. Mas apesar da tensão na sala, Lúcia não tinha temor. Ela sabia que poderia receber um "não", o que ela queria, na realidade, era algo que iria além do não. A resposta que ela daria depois, mesmo que não explicasse muito.

— Eu concluí o Liceo com os professores particulares há seis meses. Tenho boas notas. Quero tentar ir à universidade, algo que... Sabe, me profissionalize. Posso estudar durante o dia e continuar aqui, sem atrapalhar em nada.

Don Emiliano riu. Não foi um riso de deboche. Foi algo pior — um riso paternalista. Daqueles que diminuem.

— Você é esperta, não nego — disse ele, encostando-se na cadeira. — Mas está confundindo as coisas.

— Confundindo as coisas? — Ela questionou.

— Não precisa da universidade. Tenho outros planos pra você, mia ragazza. E garanto que uma garota como você, — Ele apontou para ela — não precisa se preocupar muito com o futuro.

Ela tentou conter a onda gelada que subiu para sua espinha. Seu rosto não se moveu — treinado para ser neutro. Mas por dentro, algo estalou. Talvez fosse a curiosidade e a ansiedade andando de mãos dadas por dentro dela. Mas Lucia já havia conseguido o que queria, porém, por que não tentar ir mais fundo? Ela odiava a forma como Emiliano falava dela, como se ela fosse um objeto.

— E posso saber que planos são esses? — Instigou, mais uma vez.

— Não. — A resposta foi seca. — Só precisa confiar. Eu cuido de você desde que era uma garotinha. Não é agora que vou deixá-la tomar decisões erradas. Você é parte desta família...

"Família?"" A palavra pesou como chumbo em seu peito. Não havia laços de sangue. Não havia afeto. Havia posse. Havia utilidade. Não tinha nada de família, e até os ratos queroem o forro da mansão sabiam disso.

— Como quiser — ela disse, recuando com elegância. — Só achei que fosse a hora de, talvez, crescer.

Don Emiliano sorriu, mas seus olhos escureceram.

— Crescer é obedecer.

Lúcia saiu do escritório com passos calculados, sem virar o rosto. Assim que fechou a porta atrás de si, seus dedos apertaram o colar fino no pescoço — presente da esposa do Don. Um símbolo de controle. Um lembrete silencioso de onde estava.

Ela não iria cursar faculdade.

Ela não iria escolher seu futuro.

Mas ela ainda escolheria o fim de todos eles.

Iria encontrar uma forma de sair desse cativeiro infernal e ela mal podia esperar para saber como iria usar os planos de Emiliano contra ela, ao seu favor.

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Comments

Maria Terezinha Bolico

Maria Terezinha Bolico

Que horror acho que ele vai vender ela para algum criminoso homen da máfia em troca de alguma coisa criminosa

2025-10-09

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