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— Isso é café ou veneno? — Isadora resmungou, encarando a xícara como se ela tivesse cometido um crime.
Seu Zeca, do outro lado do balcão, ergueu uma sobrancelha.
— É o mesmo café de sempre, menina. Reclamar faz parte do ritual ou você só nasceu rabugenta mesmo?
— Um pouco dos dois. — Ela sorriu, ajeitando os óculos no rosto enquanto puxava o caderno de capa azul. O título rabiscado em caneta preta dizia: Manual para se apaixonar errado. E embaixo, quase ilegível: "Capítulo 1 — Evite CEOs bonitos e arrogantes".
Mal sabia ela o que o destino (e uma porta giratória) reservava.
Do outro lado da cidade, Miguel Ferraz estava atrasado. Coisa que não acontecia. Nunca. Não em sua agenda perfeitamente organizada em blocos de cores, horários cronometrados e alarmes sincronizados com o relógio atômico da NASA.
— Clarice, por que a reunião foi marcada nesse bairro esquisito? — perguntou, irritado, enquanto saía do carro.
— O cliente pediu. Café local, ambiente descontraído… você sabe, “humano”. — A secretária respondeu pelo viva-voz. A voz séria, como sempre. E uma pontinha de irritação que ele não percebeu.
— Humano é superestimado. — resmungou antes de desligar.
E foi nesse estado de mau humor, correndo e conferindo e-mails no celular, que Miguel atravessou a porta do “Café do Seu Zeca”... e colidiu frontalmente com Isadora.
— MAS QUE DIAB—!
Café voou, caderno caiu, celular saltou. E Miguel... pisou direto na poça de café quente.
— Isso é um atentado pessoal ou só azar mesmo? — ele perguntou, ainda olhando para os sapatos italianos arruinados.
Isadora ergueu o olhar lentamente, e quando seus olhos encontraram os dele, tudo parou. Por três segundos inteiros.
Depois ela respondeu:
— Se fosse um atentado, eu teria usado espresso duplo. Isso é só incompetência mesmo — disse, pegando o caderno do chão com toda a calma do mundo.
— Você tem ideia de quem eu sou?
— Claro. Um homem adulto que não sabe andar sem derrubar café nas pessoas. Sério, parabéns.
Seu Zeca apareceu como um bom anjo da desgraça.
— Gente, por favor. Civilidade. E pano de chão. Alguém precisa de pano de chão aqui!
— Eu só queria uma reunião em paz. — Miguel bufou.
— Eu só queria escrever meu capítulo. — Isadora retrucou.
— Que capítulo?
Ela hesitou. Odiava curiosos. E odiava ainda mais homens bonitos e convencidos.
— Um... capítulo de um livro. Sobre tipos de pessoas a se evitar. — E lançou um olhar direto. — Acho que você acaba de ganhar um espaço privilegiado.
— Ótimo. Me avise quando for publicado, farei questão de não ler.
Ela sorriu, sarcástica.
— E eu farei questão de autografar. Com tinta invisível.
A reunião de Miguel acabou sendo desmarcada. O cliente teve um “problema de última hora”. Clarice tentou avisá-lo, mas ele já tinha sumido por aí, reclamando da civilização. Isadora, por sua vez, tentou voltar à escrita, mas as palavras simplesmente se recusavam a cooperar. O cheiro de café queimado e orgulho ferido ainda pairava no ar.
Seu Zeca limpava o balcão, de olho nos dois.
— Sabe, menina Isa... — começou ele, com aquele tom de conselheiro fofoqueiro — ...às vezes as melhores histórias começam com um tropeço.
— E às vezes tropeços viram lesões permanentes. — ela rebateu.
— Tá escrevendo um manual de amor ou um manual de guerra?
— Ambos, talvez. O amor machuca.
— E o café também, pelo visto.
Ela não conseguiu conter a risada. Talvez Seu Zeca tivesse razão. Talvez aquele encontro desastroso fosse só mais um capítulo bizarro da sua vida. Mas algo em Miguel — além da arrogância e do terno caro — ficou na cabeça dela.
Enquanto ela rabiscava no caderno, escreveu:
📖 manual on
Regra nº1 do manual: Nunca confie em um homem bonito com sapatos caros e ego inflado. Especialmente se ele arruinar seu café.
📖 manual off
Do lado de fora, dentro do carro, Miguel também não parava de pensar na moça de óculos e língua afiada. Clarice o observava pelo retrovisor.
— Aconteceu alguma coisa no café?
— Nada demais — ele respondeu.
Mas olhou pela janela, como se esperasse vê-la saindo. E, por algum motivo, sorriu.
Noah, o gato de Isadora, a esperava deitado em cima do sofá, parecendo entediado.
— Você não vai acreditar no idiota que conheci hoje. — ela disse, tirando os sapatos e se jogando ao lado dele.
Noah miou como se dissesse “mais um?”.
— E o pior é que... ele era bonito. — ela completou.
O gato apenas bocejou. Isadora suspirou.
— Não se preocupa, Noah. Ele vai entrar pro manual. E de lá, ninguém sai.
Mas ela sabia. Lá no fundo, bem no fundo, alguma coisa tinha saído do controle.
E ela ainda nem sabia o nome dele.
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Atualizado até capítulo 25
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