O relógio da cozinha marcava 06:00 quando a campainha soou.
Valéria, pontual como sempre, já esperava. Abriu a porta sem pressa, sem sorriso, mas com o queixo erguido como se ainda quisesse lembrar quem comandava a casa.
— Bom dia, senhorita Isabela — disse, seca, dando passagem.
— Bom dia — respondeu Isabela, com serenidade e um sorriso discreto. Carregava a bolsa no ombro e o cabelo preso em um coque baixo. Estava simples, mas havia algo nela que transbordava presença.
Antes que Valéria pudesse dizer mais alguma coisa, um grito ecoou da escada:
— Isa! — Caio apareceu de pijama, descendo com os bracinhos erguidos e o rosto aceso. — Você veio!
Ela se abaixou imediatamente, abrindo os braços.
— Claro que vim, meu amor. Promessa é promessa.
Logo atrás, Lucca surgiu com um sorrisinho no canto da boca e Luna mais atrás, já de uniforme, carregando uma mochila.
— A gente sabia que você ia voltar — disse Lucca, ajeitando os óculos.
Luna apenas assentiu com maturidade.
— Ainda bem que papai escutou a gente.
Valéria se afastou, visivelmente contrariada. Tentava manter a compostura, mas o burburinho vindo da cozinha não ajudava. Marlene e Leide assistiam tudo da porta entreaberta, cúmplices em cada olhar trocado.
— Essa babá conquistou mesmo as crianças.
Leide riu baixo:
— Principalmente o Caio.
Isabela entrou com os três ao redor, como se já fizesse parte da casa há anos. E foi assim, cercada de risos e passos apressados, que o primeiro dia oficialmente começou.
A mesa estava posta com, sucos coloridos, pães recém-saídos do forno e uma travessa de frutas cortadas com precisão. Valéria supervisionava tudo com o olhar vigilante, mas o clima era diferente naquela manhã. Leve, barulhento — e feliz.
Isabela estava em pé, observando os três se acomodarem. Luna já lia algo no tablet, Lucca passava manteiga na torrada com concentração e Caio brincava com o copo de suco, até que a voz de Gael soou atrás dela:
— Isabela… vem tomar café com a gente.
Ela hesitou por um instante, surpreendida.
— Eu… vou esperar as crianças terminarem.
— Hoje não. Hoje você senta com a gente — ele insistiu, puxando uma cadeira ao lado de Caio.
Valéria apertou os lábios, mas não disse nada.
Isabela se sentou. Caio logo apontou para a tigela de frutas com um biquinho:
— Não gosto de melancia …
— Ih, começou — Lucca murmurou.
— Ei — disse Isabela com doçura — e se a melancia virasse um ursinho? Será que o ursinho consegue entrar nessa barriguinha?
Enquanto todos observavam, ela pegou uma fatia de melancia e com jeitinho, moldou o formato com a faca. Em segundos, surgiu um pequeno "ursinho" vermelho com orelhinhas, e olhos feitos de semente
— Pronto. Ursinho corajoso. Ele quer visitar o parquinho do Caio, mas só pode entrar se o portão abrir — disse, apontando para a boca do menino.
Caio riu, abriu a boca bem devagar e “mordeu” o ursinho inteiro. Todos caíram na risada — até Luna, que disfarçou sorrindo atrás da tela do tablet.
— Muito bem Caio — murmurou Gael, observando a cena com expressão alegre.
Valéria virou-se de costas e foi até a pia, disfarçando o incômodo com barulho de louça.
A casa estava diferente. E todo mundo percebia — até quem fingia não ver.
Depois do café, Isabela ajudou Caio a escovar os dentes — ele ria o tempo todo, ainda falando do “ursinho corajoso”. Subiu com Lucca para garantir que ele não vestisse a camiseta do avesso de novo e depois foi ver se Luna estava pronta.
— Tô, só preciso achar meu fone — murmurou a menina, revirando a mochila.
Isabela deu uma olhada rápida no chão, achou o fone embaixo da cama e entregou de volta com um sorriso.
— Obrigada — disse Luna, quase sem jeito, mas com um brilho nos olhos.
Quando todos estavam prontos e Isabela já descia com as lancheiras nas mãos, escutou passos firmes no hall. Gael surgiu já vestido para o trabalho: terno escuro, barba feita, perfume discreto mas marcante.
— Eu levo eles hoje — anunciou, ajustando o relógio no pulso. — E quero que você vá com a gente, Isa.
Ela parou por um instante, surpresa com o convite.
— Mas o senhor não vai direto pro escritório?
— Vou, mas faço um desvio. A presença deles no carro já deixa a minha manhã melhor… e também, você precisa aprender o caminho — disse arrumando a gravata.
Lucca gritou da escada:
— Vamos logo que eu quero mostrar meu chaveiro novo pro Felipe!
— Ele acha que o chaveiro é mais importante que matemática — murmurou Luna.
— Porque é! — gritou Caio.
Gael riu e abriu a porta.
— Isa? — chamou, oferecendo o lugar da frente pra ela.
Ela hesitou mais uma vez, mas caminhou até o carro, se sentou tentando ficar confortável com o ambiente.
E o dia ainda nem tinha começado direito.
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Atualizado até capítulo 71
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