Isabela terminou de cuidar do joelho de Caio com o mesmo cuidado de quem costura uma memória. Depois, levantou-se, despenteada, com as mãos sujas de antisséptico, mas com o coração leve.
— Prontinho, mocinho. Agora você é oficialmente mais corajoso que muito adulto por aí.
Caio sorriu com as bochechas vermelhas e ficou ali, sentado no balcão da cozinha, como se não quisesse mais que ela saísse de perto.
Mas o tempo era curto. Ela era só uma candidata. Não podia invadir espaços que não eram seus.
— Obrigada por me deixar ajudar — disse ela, com um aceno discreto, e foi acompanhada até a porta pela cozinheira e a faxineira, que já tinham se encantado.
Do lado de fora, Isabela sentou no degrau da entrada com o currículo dobrado no colo. Não sabia se tinha feito o certo ou se tinha ultrapassado o limite.
Dentro da casa, o processo seletivo continuava. Gael sentou-se no escritório, um a um, entrevistando as outras candidatas. Nenhuma segurava o olhar por mais de dois segundos. Nenhuma sabia o nome das crianças. Nenhuma parecia... viva.
Gael já estava cansado. Quarta entrevista da manhã e nada além de discursos prontos. Regras, horários, "postura profissional". Pareciam estar se candidatando a cuidar de robôs.
Quando Isabela entrou na sala, com a mesma roupa simples de antes e um sorriso leve, ele apenas indicou a cadeira com a mão, sem levantar os olhos dos papéis.
— Seu nome completo?
— Isabela Fernandes Lima.
— Experiência?
— Seis anos com crianças de diferentes idades, senhor. Mas se contar desde quando ajudo minha mãe a cuidar dos sobrinhos, talvez dê uns dez.
Ele levantou os olhos, finalmente encarando a moça. Olhar calmo, seguro, diferente.
— Já trabalhou com crianças... difíceis?
Ela sorriu.
— Não existem crianças difíceis, senhor. Só existem crianças que não foram ouvidas o suficiente.
Gael arqueou uma sobrancelha. Isabela ajeitou-se na cadeira e continuou:
— Luna tem 13 anos. É observadora e sensível. Ela precisa de alguém que a escute sem interromper.
— Lucca tem 9. Cheio de energia e perguntas. Precisa de desafios e espaço pra ser ele mesmo.
— E Caio... tem só 4. Ainda vive no mundo da fantasia. Precisa de afeto, rotina e colo — às vezes, só colo mesmo.
Gael a interrompeu, intrigado:
— Você pesquisou os nomes antes?
— Não. Eu prestei atenção enquanto chegava. Observei eles no jardim. A forma como se movem, como olham... as crianças falam o tempo todo, mesmo sem abrir a boca.
O silêncio dominou a sala por alguns segundos.
— Quais são suas regras?
— Segurança em primeiro lugar. Respeito em segundo. Mas depois disso… criança feliz é criança que se suja, corre, se joga na piscina com roupa, brinca de pega-pega no quintal, faz cabana com lençol, entra de chinelo na terra, brinca de mangueira no verão...
Ela sorriu de novo, com aquele brilho calmo nos olhos:
— Criança precisa de memória boa pra carregar quando crescer. E isso não se constrói só com “sim, senhora” e “não pode isso”. Às vezes, quebrar uma regra vale mais que seguir todas. Desde que ninguém se machuque, claro.
Gael encarou aquela mulher por longos segundos. Era diferente. Ela era… viva. A primeira a falar com paixão. Mas ele manteve o tom frio:
— Obrigado, Isabela. Entraremos em contato.
Ela se levantou, sorriu com educação e saiu. Do lado de fora, sentou-se no banco da entrada da mansão, esperando, mesmo sem saber se teria resposta.
Horas depois, já sem candidatas, Gael estava sozinho em seu escritório. Observava os currículos na mesa sem interesse, até escutar passos correndo pelo corredor.
A porta se abriu com força.
— Pai — disse Luna, ofegante. — A gente pode falar com você?
Lucca e Caio vinham logo atrás, todos sérios demais pro horário.
Gael pousou a caneta. — O que foi?
— A moça — disse Lucca. — A Isabela. A que cuidou do Caio. A gente gostou dela.
Caio assentiu com tanta convicção que parecia adulto. Luna foi além:
— Ela é diferente. E você viu. A gente ficou bem com ela. Por favor, pai... não deixa ela ir embora.
Gael encarou os filhos por um instante, como se tentasse decifrar o que aquilo significava pra ele também. Mas apenas respondeu:
— Vou pensar.
Ele olhou para os filhos. Depois para a porta, onde Isabela havia saído.
E pensou, em silêncio, como há muito tempo não via aqueles sorrisos em sua casa.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 71
Comments
Jacira Jaciraalves
estou sentindo que vou gostar desse história
2025-07-25
2