Na manhã seguinte, Isabel acordou com uma náusea tão intensa que mal conseguiu escovar os dentes. O enjoo parecia escalar da garganta até o topo do crânio, fazendo-a sentar no chão do banheiro por alguns minutos, tentando recuperar o controle sobre o próprio corpo.
Dois corações. Dois bebês. Duas vidas. Ela ainda repetia isso mentalmente, como se precisasse se convencer de que era real.
Mas ela não podia parar. Precisava continuar. O contrato com a Hudson ainda era recente, e qualquer sinal de fragilidade poderia ser um problema. O ambiente corporativo era exigente. Frio. Implacável. E ela era só uma entre dezenas de funcionários que podiam ser substituídos num piscar de olhos.
Vestiu-se com cuidado, escolhendo uma blusa um pouco mais solta, e prendeu o cabelo num coque simples. Usou corretivo para esconder as olheiras e sorriu para o espelho com um otimismo forçado. A barriga ainda não aparecia, mas o corpo gritava de dentro para fora.
O dia prometia ser longo.
A Hudson Enterprises era como um organismo vivo, pulsando em cada andar com sua própria lógica, velocidade e pressão. Isabel já começava a se acostumar com o som dos saltos apressados nos corredores, com os telefonemas urgentes, e com a hierarquia silenciosa que pairava sobre tudo.
O setor onde trabalhava era no 17º andar. Lá, era apenas mais uma assistente administrativa entre números, prazos e planilhas. E gostava disso. O anonimato a protegia.
Pelo menos até aquele dia.
— Você foi convocada para levar documentos ao 28º andar — disse a supervisora com uma pressa que não permitia perguntas. — Diretoria executiva. Pegue o elevador privativo. Não atrase.
Isabel congelou por um segundo. O 28º andar. O último. O inacessível.
Era onde ficava o coração da empresa. Os grandes nomes. O poder.
Ela nunca havia estado lá. Nunca havia sequer pensado em subir.
Com os documentos nas mãos e o estômago revirado — agora por razões além da gravidez — Isabel entrou no elevador privativo. O interior era silencioso e revestido de espelhos escuros. Cada andar subido fazia seu coração bater mais forte.
Ao chegar ao 28º, as portas se abriram com um som sutil. Um espaço amplo e sofisticado se revelou à sua frente: mármore no chão, janelas de vidro que iam do chão ao teto, e silêncio absoluto. Era outro mundo. Um onde tudo era calculado, perfeito, luxuoso.
Ela caminhou até a recepcionista do setor executivo, entregou os papéis e virou-se para voltar ao elevador — quando a porta de vidro à sua direita se abriu.
E ele saiu.
Declan Hudson.
O homem da boate.
O homem da noite que ela tentou esquecer.
O homem que agora era seu chefe.
O tempo parou. Ou talvez só ela tenha parado.
Ele estava exatamente como naquela noite, talvez ainda mais impressionante sob a luz branca e elegante do ambiente. Terno preto impecável, expressão fria e olhar letal. Mas seus olhos — os mesmos olhos que a devoraram naquela pista de dança — se estreitaram ao vê-la.
Reconhecimento.
Isabel sentiu o sangue sumir do rosto.
Declan parou de andar por um segundo. Seus olhos percorreram o corpo dela com a precisão de um scanner. Não era desejo, não dessa vez. Era cálculo. Memória.
— Você? — a voz dele foi baixa, quase um sopro. Mas havia um peso cortante nela.
Ela engoliu em seco.
— Senhor Hudson... — disse, tentando manter o tom profissional.
Mas ele já tinha entendido. Não precisava de mais pistas.
Ele deu um passo à frente, e a recepcionista desviou o olhar, claramente percebendo a tensão.
— Nos conhecemos de algum lugar? — ele perguntou com frieza ensaiada, embora os olhos gritassem outra coisa.
Isabel manteve a postura.
— Acho que o senhor está enganado.
Mentira. Mas necessária.
Ele ergueu uma sobrancelha. O tipo de expressão que deixava claro que não aceitava ser desafiado.
— Engraçado. Eu raramente esqueço um rosto.
— Ainda assim, deve estar se confundindo.
E ela virou-se rapidamente, apertando o botão do elevador como se sua vida dependesse daquilo.
As portas se fecharam, e ela sentiu as pernas fraquejarem.
Naquela noite, ela não conseguiu dormir.
E não foi só por causa dos enjoos, ou do cansaço. Foi porque agora ela sabia.
Ele estava ali.
Declan Hudson.
E mais cedo ou mais tarde, ele descobriria a verdade.
O problema é que... quando esse dia chegasse, ela já não estaria mais grávida de poucas semanas. Ela estaria de meses. Com uma barriga impossível de esconder.
E dois corações batendo por dentro dela — filhos dele.
Enquanto isso, no alto do prédio, Declan Hudson observava a cidade da janela, os punhos cerrados nos bolsos do paletó.
Ele não acreditava em coincidências. Nunca acreditou.
E aquela mulher — a mulher da única noite em que ele havia se permitido perder o controle — agora trabalhava na sua empresa.
Algo estava errado.
Ou talvez... estava prestes a se revelar muito certo.
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Atualizado até capítulo 46
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