O banheiro do apartamento exalava o cheiro forte de desinfetante barato misturado com o vapor do banho que Isabel acabara de tomar. Ela se sentou na tampa fechada da privada, com os cotovelos nos joelhos e o rosto apoiado nas mãos. O sol filtrava pelas cortinas encardidas, mas nem a luz parecia real naquele instante.
Sobre a pia, um teste de gravidez.
O terceiro.
Duas linhas.
Duas linhas bem nítidas.
Ela não precisava de mais confirmações. Já sabia, desde o primeiro atraso. Desde as náuseas insistentes pela manhã. Desde o enjoo que a fazia virar o rosto até com o cheiro do próprio shampoo. Tentou ignorar. Tentou convencer a si mesma de que era estresse, café vencido, qualquer coisa. Mas o corpo falava mais alto.
Ela estava grávida.
Sozinha. Sem planos. Sem um nome sequer para colocar na ficha médica.
Cobriu o rosto com as mãos, o peito apertado como se não coubesse mais nenhum ar ali dentro. Chorou em silêncio. Sem escândalo, sem drama. Um choro contido, denso, do tipo que não precisa de testemunha.
Depois de minutos que pareceram horas, levantou-se devagar. Lavou o rosto, prendeu o cabelo, respirou fundo. A mulher no espelho estava pálida, os olhos inchados, mas ainda era ela. Ainda era Isabel.
— Vai dar certo... — murmurou, encarando a própria imagem. — Você vai dar um jeito. Como sempre deu.
Durante os dias que se seguiram, Isabel se enterrou em currículos e entrevistas. Precisava de um emprego, precisava se manter ocupada. Qualquer coisa para não pensar na vida que crescia dentro dela.
A barriga ainda não mostrava nada, mas ela já se sentia diferente. Havia um silêncio novo em seu corpo. Um tipo de cuidado involuntário que a fazia tocar o ventre vez ou outra, como se pedisse desculpas por não ter se preparado melhor.
Algumas empresas nem retornaram. Outras a chamaram apenas para entrevistas cansativas em que ela era reduzida a números e expectativas inalcançáveis. Mas num dia nublado, quando já considerava voltar para o antigo emprego no café da esquina, uma ligação mudou tudo.
— Isabel Duarte? Aqui é da Hudson Enterprises. Seu currículo chamou a atenção do nosso RH. Podemos agendar uma entrevista?
Ela quase deixou o celular cair.
Hudson Enterprises. Uma das maiores corporações da cidade. Salários altos, ambiente exigente, oportunidades reais de crescimento. E ela? Uma mulher grávida, sem experiência sólida, sem contatos, sem diploma.
— Claro — respondeu, a voz saindo antes da razão. — Quando?
A sede da Hudson era um arranha-céu de vidro e aço que parecia tocar o céu. Isabel chegou com a blusa mais discreta que tinha, o currículo impresso numa pasta azul, e o coração disparado como um alarme.
Foi recebida por uma assistente educada, passou por uma triagem técnica rápida, e em menos de trinta minutos estava sentada diante de duas mulheres do RH que analisavam seu currículo com expressões neutras.
— Você tem ótimos pontos aqui — disse uma delas. — Mas por que está há tanto tempo fora do mercado?
— Tive questões pessoais... — respondeu, evitando detalhes. — Mas estou pronta para recomeçar. E aprender.
Houve um momento de silêncio. Elas se entreolharam, trocaram anotações.
— Acreditamos que você se encaixa para a vaga de apoio administrativo no setor financeiro. O contrato é inicial de seis meses. Aceita?
Isabel mal acreditou no que ouvia.
— Sim. Claro que sim.
Saiu de lá em choque. Um tipo bom de choque. Pela primeira vez em muito tempo, algo parecia funcionar a seu favor. Talvez fosse um sinal de que ainda havia espaço para recomeços.
Durante as semanas seguintes, ela se esforçou mais do que qualquer outra pessoa. Chegava cedo, saía tarde, aceitava toda tarefa que lhe passavam. Não dizia nada sobre a gravidez. Ainda não era visível, e ela precisava de tempo. De estabilidade. De chão.
Mas então começaram os enjoos durante o expediente.
E depois veio a tontura.
E o desmaio no banheiro feminino, que gerou alvoroço.
— Você precisa ir ao médico — disse uma colega do setor, enquanto a ajudava a se sentar. — Tá branca como papel!
Foi ao pronto-socorro à noite, já quase no fim do expediente. Sentou na cadeira dura da sala de espera e esperou por horas. Quando finalmente foi chamada e encaminhada ao ultrassom, sua expectativa era apenas confirmar se tudo estava certo com o bebê.
Mas o que viu na tela mudou tudo.
— Parabéns — disse a médica com um sorriso gentil. — São dois.
— D-dois?
— Gêmeos. E parecem bem saudáveis.
Isabel sentiu o mundo girar. O ar rarear.
Dois coraçõezinhos batendo ao mesmo tempo. Dois destinos crescendo dentro dela. Duas vidas pelas quais seria responsável. E ninguém para dividir o peso.
Na volta para casa, ela andou devagar. As ruas estavam vazias, e o frio da noite começava a morder a pele. Mas o calor em seu ventre era real.
Chegando no prédio, antes de entrar, parou em frente ao vidro da portaria e encostou a mão na barriga.
— Vocês têm a mim — sussurrou. — Eu não sei como, nem quando... mas vou cuidar de vocês. Prometo.
Ela só não sabia que, enquanto fazia essa promessa, um par de olhos frios e intensos a observava de um andar muito acima.
Declan Hudson. O CEO da empresa.
Ele não sabia ainda quem ela era.
Mas o destino estava prestes a revelar tudo — e nada, absolutamente nada, ficaria como antes.
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Atualizado até capítulo 46
Comments
Nazivania Dias Carvalho
começando a ler
2025-07-22
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